Trabalhar na Constellation deve estar ficando complicado.

Desde o começo do ano, os analistas responsáveis pela cobertura de cada empresa tem que responder a uma lista de mais de 100 perguntas: desde questões como eficiência energética até agressividade nas práticas contábeis, passando pelas políticas contra desastres ambientais e o turnover de funcionários. Cada resposta recebe uma pontuação. 

10708 d68f8216 7caa e4e1 938c 80a89d48d169Num mundo em que o ‘politicamente correto’ parece ter virado palavrão, a gestora — uma das mais tradicionais do País, com R$ 5 bi sob gestão —, está levando questões como meio ambiente, impacto social e diversidade na sua estratégia de investimento. E não é por bom-mocismo.

“Isso nos ajuda a evitar entrar em armadilhas de empresas duvidosas mas que parecem que tem upside, especialmente em momentos de bull market,” diz o fundador, Florian Bartunek. “Elas são aquelas sereias que ficam cantando, atraem muita gente… e lá na frente fazem o navio afundar.”  

Para testar o método, a Constellation construiu duas carteiras teóricas: uma com oito empresas bem ranqueadas no seu sistema de ESG (no inglês: ‘environmental, social and governance’) e outra com empresas com o score baixo.

Desde 2009, o retorno acumulado em janelas de quatro e cinco anos da primeira carteira foi consistentemente superior — ainda que de 2016 a 2018, no auge do bull market recente, a carteira ruim em ESG tenha superado a das empresas de mais qualidade.

“O que eu mais ouço é: ‘Ah, mas vocês não estão deixando dinheiro na mesa?,’” diz Florian. “Eu prefiro deixar dinheiro na mesa agora do que aumentar o risco do meu portfólio e pagar no longo prazo.”

O critério não é absoluto. O sistema de pontuação deixou de fora do universo no qual a Constellation poderia investir empresas como JBS e Usiminas, que bombaram nos três quesitos.

Por outro lado, o sistema apenas limitou o tamanho de posições em empresas como Petrobras e Vale — protagonista de dois dos maiores desastres ambientais do País nos últimos anos. Nesses casos, a exposição dos papéis na carteira é menor do que seria possível dada a sua liquidez.

As maiores posições da gestora são B3, Rumo, Lojas Renner, Totvs e Localiza.

Com apenas cerca de 200 empresas com liquidez razoável para investidores de grande porte na Bolsa brasileira — contra mais de 3.000 nos Estados Unidos — o desafio da Constellation é separar o joio do trigo sem restringir demais seu escopo.

No sistema de pontos da gestora, poucas companhias tiveram desempenho claramente positivo ou negativo. A grande maioria ficou no meio do caminho.  A solução: limar aquelas que tiveram pontuação muito baixa e colocar um limite na participação daquelas que estão na zona cinzenta.

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Para além do sistema de ESG, a Constellation também afinou sua estratégia para lidar com um dos principais desafios dos últimos anos: descobrir quais setores e empresas estão mais sujeitos à disrupção.

Para armar sua linha de defesa, a gestora passou dar mais importância ao NPS (net promotion score), o índice que mede a satisfação dos consumidores das companhias — determinando, grosso modo, o quanto eles estariam dispostos a recomendar um produto ou serviço.

“Nunca esteve tão difícil ser investidor em ações, tanto no Brasil quanto no resto do mundo,” diz Florian. “As barreiras de entrada, que sempre foram algo que sinalizou a vantagem competitiva de determinada companhia, estão cada vez menores.”

Companhias NPS alto tem mais consumidores leais, o que significa mais promotores que detratores — portanto gastam menos com propaganda e, na maior parte das vezes, tem uma força de trabalho mais engajada.

Em alguns setores, como educação e consumo, esse indicador é mais importante. Mas ele é relevante até mesmo para monopolistas, pois sinaliza o risco de um novo entrante destronar os incumbentes, diz Florian. “O serviço de táxi, por exemplo, tinha um nível de NPS muito baixo, rapidamente veio o Uber.”

Na maioria dos casos, as próprias empresas têm seus NPS — e, quando ele não está disponível, a Constellation se baseia em opiniões nas redes sociais e em sites como o Reclame Aqui, além das conversas com clientes e concorrentes, especialmente nos negócios B2B.

Outra agenda que foi oficialmente incorporada à estratégia da Constellation é a de diversidade — seja de gênero, raça ou orientação sexual. Não se trata da inclusão por si só: empresas mais diversas entendem melhor seu consumidor.

“Uma vez estava conversando com o executivo de uma empresa americana que atende principalmente mulheres e latinos e o board é formado apenas por homens brancos de meia idade,” diz Florian. “Qual a chance dessa empresa entender o que os clientes precisam e se adaptar às mudanças?”

Nesse caso, no entanto, a abordagem é mais subjetiva: a diversidade é avaliada caso a caso em cada empresa, especialmente na interação com os altos executivos. “Se essa é uma preocupação do CEO, se há comitês nesse sentido, significa que ao menos a empresa está indo na direção correta”, aponta o gestor. 

Florian não nega que ele próprio tem um teto de vidro — a participação de mulheres na Constellation, por exemplo, é baixa. “É um viés: todo mundo tem tendência de contratar gente como a gente. É uma coisa que me incomoda na própria Constellation e estamos tentando mudar,” reconhece.

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