Uma mulher deixa o trabalho à noite, caminha algumas quadras por ruas pouco movimentadas e se prepara para esperar o transporte num ponto de ônibus deserto.
De repente, uma mensagem surge na tela digital da Eletromidia, no lugar da publicidade: “Você precisa de companhia até o ônibus chegar? Peça agora.”
Parece uma cena do Grande Irmão de George Orwell, parece um episódio dos Jetsons – mas é um projeto-piloto da Eletromidia em Campinas cuja repercussão e resultados foram tão positivos que a iniciativa agora deve ser implementada em São Paulo e pode ganhar escala nacional.
Quando a mulher toca na tela, isso inicia uma chamada de vídeo com uma profissional da Eletromidia, que faz a oferta reconfortante: “Boa noite, eu vou ficar com você até o seu ônibus chegar, tudo bem?”
A ideia de usar a tecnologia para dar mais segurança a mulheres nessa situação vulnerável surgiu na AlmapBBDO.
O time de criação estava pensando em ideias a partir de uma premissa poderosa: cada cliente da agência precisa ter uma causa social, ajudar a resolver algum problema da realidade brasileira.
E quando a ideia veio, o cliente que mais dava match com o assunto era a Eletromidia, a maior empresa de mídia out of home do Brasil, dona de 47 mil telas digitais em 78 cidades – quase 6 mil delas nas ruas e em pontos de ônibus.
O CEO Alexandre Guerrero topou na hora.
O passo seguinte foi adaptar a tecnologia dos painéis digitais nos abrigos dos pontos de ônibus – e ver se o projeto funcionava na prática.
Cada painel ganhou uma câmera noturna, microfone e conexão com a internet. Do outro lado da tela, havia sempre uma profissional treinada pela empresa, transformando o ponto de ônibus num bastião de companhia e defesa.
Em abril, o projeto foi testado durante uma semana em cinco abrigos de ônibus em Campinas. Um sensor identificava quando havia apenas uma pessoa no ponto, e, se fosse uma mulher, a ajuda era oferecida.
Foram feitas em média 150 chamadas por noite.
O piloto virou o case “Guarded Bus Stop”, premiado com um Leão de Ouro na semana passada na categoria Media Lions, no festival de Cannes.
Agora, a Eletromidia trabalha no protocolo de implementação do projeto e mantém conversas com possíveis patrocinadores. O primeiro deles deverá ser o Santander.
“Vamos começar com 100 abrigos de ônibus, 80 em São Paulo e 20 em Campinas,” Guerrero disse ao Brazil Journal. “Porto Alegre também demonstrou interesse.”
Diversas pesquisas mostram que as mulheres enfrentam medo e angústia quando estão sozinhas na rua à noite – particularmente no trajeto até o transporte público ou aguardando o ônibus.
Em 2020, o estudo Meu Ponto Seguro, da organização Olga Think, revelou que 78% das mulheres ouvidas se sentem inseguras nos pontos de ônibus. Isso acontece principalmente quando há poucas pessoas no local e a iluminação pública fica a desejar. O medo de sofrer assédio sexual é maior do que o de serem assaltadas.
Apenas 9% das mulheres se sentem “muito seguras” nos pontos de ônibus, mostrou outra pesquisa, de 2021, realizada pelos institutos Locomotiva e Patrícia Galvão, com apoio da ONU Mulheres e da Uber. Entre as pessoas ouvidas, 68% delas têm medo de sair à noite sozinhas até mesmo no bairro onde moram.
Filipe Bartholomeu, o CEO da AlmapBBDO, diz que a iniciativa mostra que a publicidade tem o poder de acelerar mudanças na sociedade. “Não é apenas uma call to action – é uma action.”
Segundo Guerrero, a Eletromidia vai trabalhar para transformar a iniciativa em uma ação de longo prazo. “Não será one shot only. Estamos desenhando o protocolo para que o projeto possa ganhar escala.”
Uma das possibilidades avaliadas é fazer um projeto “agnóstico,” patrocinado por várias companhias e entidades.