Quando soube que seu CFO era gay, o empresário Rubens Ometto não esperou que o executivo, Marcelo Martins, lhe desse a notícia.

Depois de uma reunião no escritório de sua casa, Rubens pegou Marcelo pelo braço e caminhou em direção à sala a pretexto de lhe mostrar uma pintura. E foi direto ao assunto:

10560 71c7f80c 8eb0 9f1b 3739 9289fe6880a5“Você faça o que quiser da sua vida, eu te respeito, você é um excelente profissional. Mais do que um excelente profissional, você é meu amigo, e eu tenho um profundo respeito pela sua coragem e por você assumir sua vida da forma como você acha que tem que vivê-la. Não se preocupe comigo, não se preocupe com a companhia. Viva sua vida e seja feliz.”

O relato sobre aceitação e empatia foi feito por Marcelo hoje à tarde numa live interna do Credit Suisse, organizada pelo grupo LGBT do banco. 

Foi a primeira vez que um executivo desta senioridade falou abertamente sobre um tema que continua sendo tabu em setores da Faria Lima e do Brasil corporativo.

Além de não ser o que se espera de um empresário acostumado ao mundo preto-no-branco da infraestrutura, a fala de Rubens ainda é uma exceção no mercado — mas aponta um caminho.  

“Eu não achava que o Rubens ia me demitir, ou não ia me dar a partnership,” disse Marcelo. “Mas achei que talvez fosse querer entender melhor o que aquilo significava. Na cabeça dele sempre houve o modelo do executivo heterossexual, casado, com filhos… mas ele fez essa transição da melhor forma possível e foi um dos grandes apoiadores que eu tive.” 

Trabalhando para Rubens há 13 anos, Marcelo costurou pessoalmente as maiores transações da Cosan: a compra da Esso no Brasil, a joint venture com a Shell que criou a Raízen, a compra da Comgás e da antiga ALL, que deu origem à Rumo.

11053 5efc5f10 5beb 6a1b ff97 d12ff4c13503A decisão de lidar abertamente com sua orientação sexual teve um impacto real.  Desde que passou a falar sobre o assunto dentro da Cosan, o grupo LGBT da Raízen cresceu de 10 para 700 pessoas, incluindo os ‘aliados’, heterossexuais que se posicionam e demonstram empatia.

“O que aconteceu na Cosan me mostrou que muitas vezes a gente assume que, por ser uma empresa de infraestrutura, de engenheiros, um ambiente masculino, não íamos achar um ambiente receptivo. Muitas vezes temos essa percepção, sem testarmos isso.”

Abaixo, trechos da live:

PRIVILÉGIOS

Um amigo meu me disse uma coisa que me marcou: ‘numa sociedade machista e preconceituosa, somos brancos e bem-sucedidos. Isso é meio caminho andado para as pessoas terem respeito por nós.’ 

Por isso, temos a obrigação de olhar pelos outros. Temos a obrigação de olhar por aqueles que sofrem preconceito e que não tem as mesmas oportunidades que a gente teve.

Ainda somos uma sociedade machista, de lideranças majoritariamente brancas, e que respeita mais o homem profissionalmente do que as mulheres. Por isso, temos que nos levantar e defender os direitos das minorias. Tenho que defendê-las para que elas possam ter as mesmas oportunidades que eu tive.

PRECONCEITO HOJE

Essa nova geração tem uma visão muito diferente do preconceito. Minhas filhas, por exemplo, não conseguem entender muito bem o preconceito. Elas não viveram isso. Tenho muitas passagens na minha vida de amigos das minhas filhas que sabiam a respeito, porque tinham pais no mercado financeiro, e que decidiram não comentar com elas porque eles não queriam invadir a privacidade delas já que elas não tinham contado pra eles. Achei isso de um respeito muito grande, e mostra como essa nova geração lida com essas coisas — de forma bem diferente de como a minha geração lidava.

Essa nova geração não vai aceitar ambientes que tenham preconceito, que tenham esse cerceamento das minorias. Então, ter diversidade nas companhias é um diferencial competitivo hoje. As novas gerações cobram isso. Elas não entendem mais como é estar num lugar onde as pessoas não aceitam isso.

Todos vão ser forçados a passar por um processo de adaptação, e tudo que não for legítimo não vai colar. Você vai saber quais as empresas que estão fazendo isso de verdade e quais estão fazendo só por imagem… A verdade acontece no dia a dia, na festa da companhia. A tolerância é algo que tem que ser incorporado sempre. 

ALIADOS

Acho que sem os aliados não vamos chegar em lugar nenhum.

O aliado é alguém que faz porque acredita que é certo fazer. É alguém que olha, entende e se posiciona de forma isenta. Muitas vezes as pessoas acham que porque você é gay você tem uma visão muito diferente delas. Mas o aliado tem a possibilidade de, com neutralidade (porque simplesmente ele acredita no que é certo, no que é justo), mostrar as coisas. O aliado é o que está com a gente pra ajudar a acabar com o preconceito e a mostrar que tem outra forma de enxergar a situação. 

Na minha opinião, o aliado é mais importante nesse processo [de acabar com o preconceito] do que a própria minoria. O aliado valida aquilo que na opinião de algumas pessoas é uma opinião enviesada. Porque o aliado não é enviesado… Ele tem a função de esclarecer porque ele entende o impacto para a sociedade, para a companhia.

 
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