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Em maio do ano passado, Enrique Abeyta ficou à frente de uma audiência de investidores e disse que eles deveriam apostar na queda das ações da Kraft Heinz, Anheuser-Busch InBev e Disney. À época, a Kraft Heinz já havia caído de US$ 79 para US$ 58, e e a BUD, de US$ 125 para US$ 97.
“Eu estaria short nessas três ações em bom tamanho, especialmente depois que elas voltarem um pouco, porque acabaram de cair demais,” disse Enrique, cuja palestra era intitulada: “Distorção social – A onda de disruptores digitalmente capazes que vão humilhar os gigantes da indústria.”
Dez meses depois, ambas as empresas ligadas à 3G Capital negociam bem abaixo daqueles níveis.
A tese principal de Enrique não é exatamente nova: a disrupção tecnológica acabou com as barreiras de entrada e vai pressionar estruturalmente as margens da indústria de CPG (consumer packaged goods). A novidade é que Enrique acha que o processo ainda está apenas começando.
Em sua palestra, Enrique elogiou Jorge Paulo Lemann, que dias antes havia se confessado um ‘dinossauro apavorado’, mas disse que o mero reconhecimento do problema provavelmente não seria capaz de mudar o destino de suas empresas.
“Se o Jorge Paulo Lemann me ligasse, eu lhe diria quatro coisas”, Enrique disse ao Brazil Journal: “1. Você está ferrado. Aceite. 2. Monte uma SPE (Sociedade de Propósito Específico) e aposte na queda das ações dos seus competidores. Pelo menos leve alguma vantagem. 3. Crie um fundo de venture com US$ 1 bilhão e abrace a disrupção de forma radical. A próxima marca de US$ 20 bilhões vai sair daí. 4. Por fim, comece a vender os seus ativos. Transfira seus problemas para os outros.”
Para ele, o momento atual das grandes marcas é “uma oportunidade de short generacional”.
Com rabo de cavalo, barba grisalha mal aparada e tatuagem, Enrique não tem o ‘look’ de um cara do mercado. Mas foi seu histórico em 25 anos de Wall Street que lhe deu uma perspectiva única sobre o que está acontecendo com as grandes marcas de consumo.
Filho de mãe uruguaia e pai mexicano-americano, Enrique começou sua carreira como banker da Lehman Brothers, cobrindo mídia e telecom. Depois, foi para o buyside, onde fundou dois hedge funds (o Stadia Capital e o 360 Global Capital) que levantaram US$ 2,5 bilhões de investidores. Ambos investiam primariamente em mídia, e com um foco em short selling.
“O custo de manufatura, distribuição e marketing caiu massivamente”, Enrique diz sobre a disrupção em curso.
No mercado de cervejas, antes era preciso investir em uma fábrica, contratar mestre-cervejeiros, adquirir uma frota de caminhões e gastar milhões em publicidade. Hoje, a produção é terceirizada para um white label. E com poucos dólares uma marca de nicho consegue conversar diretamente com seu público alvo nas redes sociais. “As pequenas hoje têm acesso a marketing e distribuição de grandes empresas.”
A história de criação de valor da 3G – comprar uma grande marca, cortar custos para gerar altos retornos – funcionou por dez anos, “mas eles navegaram em direção a uma tempestade que não avistaram. Alavancaram demais o navio em busca de retorno e perderam a flexibilidade.”
Ele acha que a Kraft Heinz ainda não chegou ao fundo do poço: “Ainda vai cair significativamente. Diria que por volta de 30-50%, mas pode levar tempo.”
Para ele, as grandes marcas de CPG seguirão no mercado, mas com participações muito menores. “Elas ainda devem perder de 15% a 30% de sua fatia de mercado atual,” diz Enrique. “A questão é o retorno sobre o investimento. Os novos players esperam retornos menores – e isso vai impactar a margem dos líderes.”
Há dois anos, Enrique deixou Wall Street para empreender na interseção de mídia e tecnologia.
Escolheu um mercado onde a disrupção já fez seu estrago: revistas especializadas.
Sua holding de mídia digital, a Project M, está comprando títulos de nicho que sobreviveram à disrupção, que contam com um público fiel e altamente engajado, mas que não foram capazes de se reinventar na internet.
A primeira aquisição foi a Revolver — talvez a maior revista de heavy metal nos EUA, no mercado há 17 anos, e cujos leitores vão de 18 a 65 anos. A Project M também fez uma joint venture com a Inked Magazine, referência em tatuagem.
Enrique usa a revista impressa como ponto de partida. O foco é ganhar dinheiro no digital, com publicidade, venda de merchandising e eventos. Desde que a Project M adquiriu a Revolver, reformulou seu site e investiu no engajamento nas redes sociais, sua audiência cresceu mais de 1.000% para 1,5 milhão de unique visitors por mês, altamente engajados e altamente dispostos a comprar posters, camisetas e participar de eventos.
“Existem 100 milhões de fãs de heavy metal no mundo e que gastam US$ 5 bilhões por ano consumindo heavy metal.”
A Project M começou com US$ 5 milhões de seed money, dos quais US$ 1,5 milhão do bolso do próprio Enrique – e está tentando captar mais US$ 10 milhões a US$ 20 milhões.
No pipeline está o lançamento das versões em espanhol e em português do site da Revolver, e a entrada em outros nichos de forte engajamento, como música country, cerveja artesanal e revistas de bateria e guitarra. E o nicho da cannabis?