Numa derrota para o esforço fiscal, a Câmara dos Deputados alterou o projeto do Senado sobre a ajuda emergencial a Estados e municípios e desidratou a única contrapartida pedida pelo Ministro Paulo Guedes:  que o funcionalismo público em todas as esferas ficasse sem aumento por 18 meses.

O projeto original do Senado vetava aumentos por este prazo, mas depois que a Rede propôs uma emenda criando exceções, o Senado livrou da regra a polícia militar, a polícia civil, os funcionários da saúde e as Forças Armadas. 

Na terça à noite, a Câmara foi mais longe: primeiro, os deputados tentaram se livrar integralmente da regra que proíbe os aumentos, mas esta proposta foi derrotada por 272 a 206 votos.  

Em seguida, a Câmara aprovou relatório do deputado Pedro Paulo que incorpora emenda do Major Vitor Hugo, líder do Governo na Câmara. 

A emenda do Major aumenta as exceções para incluir também: a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, policiais legislativos, técnicos e peritos criminais, agentes sócio-educativos, funcionários da limpeza urbana, assistentes sociais e bombeiros.

Tradução: o próprio Governo tratou de desidratar uma medida de controle fiscal — minimamente razoável — pela qual seu Ministro da Economia havia trabalhado duramente no Senado.

Mais: a votação mostra a esquizofrenia na articulação do Governo. No Senado, o líder do Governo, Fernando Bezerra, e o líder no Congresso, Eduardo Gomes, foram os que mais se bateram para manter o veto aos aumentos — agora desfeito pelo próprio Governo na Câmara.

É quase uma ironia lembrar que, no início deste debate, o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, havia proposto reduzir os salários do funcionalismo.

A maior parte das emendas tentava criar exceções invocando o trabalho dos funcionários públicos contra a pandemia, ainda que fosse impossível para as máquinas estaduais, na prática, separar quem está no front de quem está em casa.  

Um destaque do Partido Progressista acabou com o problema, simplesmente excluindo do texto a ressalva que dizia: “desde que diretamente envolvidos no combate à pandemia da covid-19.” 

Agora, cerca de 80% dos funcionários públicos estaduais poderão pleitear e receber aumento salarial em meio ao maior desequilíbrio fiscal da história, imposto pela implosão da arrecadação resultante da pandemia.

Mas ao contrário do que pode parecer, as forças pressionando pela possibilidade de aumentos não trabalham somente na Câmara e no Senado, mas também no próprio Planalto.  

Na segunda-feira à tarde, numa reunião entre líderes de bancadas e o Governo, o próprio Planalto sinalizou que já havia decidido livrar da regra todas as categorias fardadas do País, discriminadas nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal.   E conseguiu.  

A votação de terça à noite — que ainda poderá ser “corrigida” quando o projeto voltar ao Senado — fará o mercado questionar mais uma vez o compromisso da classe política e do atual Governo com o ajuste fiscal.

Dados oficiais mostram que mais de 5 milhões de trabalhadores no setor privado já tiveram redução salarial ou sofreram interrupção temporária do contrato de trabalho — sem falar nos demitidos.

A classe política e o Planalto, no entanto — mais parecidas do que diferentes quando o assunto é o interesse das corporações — parecem achar “injusto” deixar os funcionários públicos sem aumento por 18 meses, em que pese o funcionalismo gozar de estabilidade e não estar sujeito a redução de jornada e salários que afeta o setor privado.

Depois da votação na Câmara, temos que nos perguntar por que a Fitch não rebaixou logo o País e insiste em nos dar o benefício da dúvida.

 

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