Ao mesmo tempo em que se queixam da CVM sobre a falta de clareza do que podem falar quando o assunto é oferta de ações, grande parte das empresas listadas se amordaça voluntariamente pelo menos quatro vezes por ano.
Muita gente não sabe, mas o ‘período de silêncio’ que precede a divulgação dos resultados trimestrais foi simplesmente inventado pelo mundo corporativo, já que inexiste regulação obrigando o silêncio pré-balanço. (Os RIs de algumas empresas chegam a enviar emails avisando sobre o início do ‘quiet period’.)
O que a regulação proíbe, por meio da Instrução 358 da CVM, é a negociação de ações por diretores, conselheiros ou outras pessoas ligadas à empresa nos 15 dias que antecedem a divulgação de resultados.
Essa mesma instrução prevê, de forma ampla, que toda informação sensível tem de ser comunicada ao mercado por fato relevante. (O texto não faz menção específica aos balanços, mas evidentemente eles entram na classificação de “informação relevante”).
“Sobre qualquer outro assunto, não há restrição,” afirma Nair Janson, sócia da Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados. “O que ocorre é um excesso de cautela.”
Questionado, o próprio regulador desfaz a confusão:
“A Instrução CVM 358, que trata da divulgação de informações relevantes, não impõe um período de silêncio. O que essa norma impõe é que se deve guardar sigilo sobre as informações até que essas sejam divulgadas de forma ampla, simultânea e organizada para todo o mercado. Não há vedação na norma à divulgação nesse período de outras informações não relacionadas ao ato ou fato relevante ainda não divulgado ou às comunicações normais da companhia com os acionistas e o mercado“.
Continua a CVM: “A regra geral do artigo 8º procura indicar que é dever dos controladores, administradores, conselheiros fiscais e empregados da companhia guardar sigilo das informações relativas a ato ou fato relevante às quais tenham acesso privilegiado em razão do cargo ou posição que ocupam, até sua divulgação ao mercado, bem como zelar para que subordinados e terceiros da sua confiança também o façam. Para fazer cumprir essa regra, algumas companhias adotam uma política de silêncio no período que antecede a divulgação de informações financeiras”.
Considerando os quatro balanços trimestrais, o período de silêncio autoimposto garante pelo menos dois meses em que as empresas não precisam dar satisfação ao mercado, escondendo-se atrás do biombo da ‘lei’.
Para um experiente consultor de relações com investidores, a regra inventada também serve de muleta. “As equipes de RI costumam ser enxutas e tem muito trabalho para preparar as informações na época de divulgação do balanço. É conveniente se concentrar só nisso”.