Depois de um turnaround de mais de três anos e de investimentos bilionários nas últimas décadas, a Embraer entrou agora no que o CEO Francisco Gomes Neto chama de ‘harvest season’.

“Já temos um portfólio de produtos modernos e competitivos, e estamos eficientes. Agora, nossa ideia é crescer a receita, melhorar a rentabilidade e voltar a pagar dividendos,” o CEO disse ao Brazil Journal. 

Boopo Francisco Gomes NetoSegundo ele, a Embraer só deve voltar a apresentar um novo projeto de aeronave no segundo semestre de 2025 ou começo de 2026. 

“Já temos estudos de novos aviões tanto na área comercial quanto executiva. Mas não temos nenhum ainda que já seja um business case [que é quando o projeto está pronto para ser encaminhado ao conselho],” disse Francisco. 

O CEO disse que a Embraer espera crescer este ano mid-to-high double digits em todas as suas unidades de negócio — aviação comercial, executiva, serviços e defesa — mesmo com os desafios que a indústria aeronáutica ainda enfrenta na cadeia de suprimentos. 

A Embraer divulgou agora de manhã seu guidance para este ano. A empresa espera aumentar a receita em 13% a 20%, com o top line subindo para entre US$ 6 bi e US$ 6,4 bi, em comparação aos US$ 5,3 bilhões do ano passado. 

Já a margem EBIT deve ficar entre 6,5% e 7,5%, em comparação aos 6,5% do fechamento de 2023.

A fabricante de aviões também disse que espera entregar entre 72 e 80 aeronaves comerciais e entre 125 e 135 jatos executivos este ano. O guidance para o fluxo de caixa livre é de pelo menos US$ 220 milhões.

A ação da Embraer decolou 8,6% na semana passada depois que a empresa recebeu da American Airlines uma ordem de até US$ 7 bilhões do modelo E175, e depois que o Morgan Stanley colocou a ação como top pick do setor aeronáutico global. A empresa fechou a semana valendo R$ 21,5 bilhões, com o papel perto de sua máxima histórica.

O CEO da Embraer falou com o Brazil Journal sobre o momento da empresa e os planos para o futuro.

Das quatro unidades de negócio da Embraer, qual tem o maior momentum para 2024?

A aviação comercial. Já temos muitas vendas este ano, que só falta entregar. A produção deste ano já está vendida, então o crescimento é previsível. A única coisa que pode falhar é a gente não entregar os aviões por faltarem peças, como já aconteceu em anos passados. 

Qual é o tamanho das dificuldades na cadeia de suprimentos hoje, comparado ao que já foi?

Tem melhorado. 2023 em geral foi melhor do que 2022. Percebemos uma evolução na cadeia. Mas ainda tem componentes críticos que limitam nossa produção. O motor é um exemplo. Não temos todos os motores que precisamos. Em outras peças, os fornecedores às vezes entregam – mas entregam atrasado – e aí não conseguimos montar o avião. Vai atrasando e aí chega uma hora que temos que falar que não vamos entregar um certo número de aviões no prazo.

Tem um número que você possa dar que mostre o tamanho da ruptura do supply chain hoje?

Na verdade, nosso problema está concentrado em poucos fornecedores, mas são peças relevantes para fazer a montagem. Tem algumas válvulas, alguns equipamentos e os motores que eu comentei, que são fundamentais. Se você não monta na hora certa, você não pode tirar o avião e colocar na pintura, e aí isso cria um gargalo na produção.

Mas – só como exemplo – no pós-pandemia você precisava de 100 peças e só tinha 50? Aí no ano passado melhorou e você passou a ter 80 peças? Tem como você traçar a evolução da melhora?

Você vai entender por que está tão difícil. Vou pegar seu exemplo. No ano 1, depois da pandemia, em 2021, faltavam 50 peças. Chegou o ano 2 e falamos ao fornecedor que agora precisávamos de 70 peças, porque o mercado cresceu, e aí cresceu a produção. No ano 3, precisávamos de 90, porque cresceu mais ainda. Então o fornecedor, que durante a pandemia reduziu quadro, com pessoas experientes se aposentando, quando a produção cresceu ele teve que contratar gente de volta, mas aí trouxe muita gente que não tem a experiência dos que saíram… e a produção ainda cresce. É muito complicado.

Mas essa situação está se normalizando?

Não é algo generalizado. A maior parte dos fornecedores está normal, mas tem uma parte importante que ainda não está. 

Por que vocês dizem que a Embraer está agora na ‘hora da colheita’?

Os produtos que estamos vendendo agora e vamos vender nos próximos anos foram desenvolvidos de dez anos para cá. Vou te dar exemplos: a família E-2 foi lançada em 2018, há seis anos. O C-390 foi lançado em 2019. O Phenom 300-E, em 2017. Ano passado lançamos o Phenom 100 EX, uma versão mais moderna do Phenom 100. Estamos desenvolvendo o E-VTOL. O portfólio da Embraer hoje é moderno.

Mas você acha que o mercado espera mais ainda em termos de projetos?

Talvez, mas olha só: a Embraer investiu bilhões de dólares para lançar esses produtos. O que estamos fazendo é colher, por isso chamamos esse momento de ‘harvest season’. Porque completamos o turnaround financeiro do negócio. Saímos do ano difícil de 2020, que foi complicadíssimo, e em 2021 a companhia deu lucro. Em 2022, deu lucro e gerou caixa. 2023, ainda melhor. E agora temos um portfólio de produtos moderno e competitivo. E agora que estamos eficientes, vamos crescer a receita, melhorar a rentabilidade e voltar a pagar dividendos.

Mas enquanto você está colhendo, você já tem que semear de novo…

É isso que estamos fazendo. 

Vocês têm algum novo projeto em desenvolvimento hoje? De novos aviões?

Temos estudos de novos aviões tanto na área comercial quanto executiva. Mas não temos nenhum que tenha virado um business case ainda. São estudos que nossos engenheiros estão sempre trabalhando, e também estamos investindo em novas tecnologias para poder aplicá-las em novos aviões.

Trabalhamos em sete verticais de inovação para otimizar os investimentos. Essas tecnologias incluem sistemas de propulsão com baixa emissão de carbono. Estamos estudando propulsão elétrica, híbrida, e com hidrogênio – que pode ser usada num avião no futuro. Voos autônomos e inteligência artificial são outras duas frentes, assim como competitividade da fuselagem do avião, e a manufatura 4.0. São sete verticais que estamos estudando para usar quando formos desenvolver novos aviões. Porque aí já vamos ter esses gaps tecnológicos mais fechados.

Mas vocês esperam apresentar ao conselho ainda este ano um novo business case? 

Este ano não. Provavelmente vamos fazer isso no segundo semestre do ano que vem. E aí pode ser de qualquer unidade de negócios. Por enquanto, estamos fazendo estudos de mercado e avançando nas sete verticais de inovação – e focando em vender o que já temos. 

Nosso plano é em um ano e meio, dois anos, estarmos prontos para termos um novo caso de negócios. 

A Airbus fez investimentos muito grandes em novos projetos e vem tomando mercado da Boeing e de vocês. Como competir com uma empresa que ficou tão grande, com uma rede de manutenção no mundo todo, e que tem produtos de ponta em todos os segmentos?

Nossa equipe de inteligência de mercado fez uma avaliação de que até 2034 tem um potencial de mais de 8 mil aviões no segmento em que atuamos, o avião regional e o small narrow bodies, que é onde está o E2. Se a Embraer mantiver seus 30% de share mais ou menos, a gente completa nosso plano estratégico de crescimento nos próximos sete anos só pelo crescimento do mercado.

O nosso produto é o avião mais eficiente do mercado, o avião com menor custo de manutenção no segmento, e o mais confiável. Achamos que uma boa parte do mercado vai reconhecer isso, já está reconhecendo. A canadense Porter Airlines está voando para várias cidades dos Estados Unidos com o E2 da Embraer. 

Mas a Airbus está tirando mercado de vocês?

Se você pegar o produto deles que compete com a gente, o A-220, ele vendeu muito mais que a gente. O backlog é maior. Mas ele entrou alguns anos antes que a gente no mercado e ele pegou umas vendas grandes, como a feita para a Delta, que foram feitas quando era Bombardier ainda, antes da compra pela Airbus em 2019. 

E a Airbus tem uma vantagem competitiva: quando ela vai num cliente que compra diferentes modelos, ela pode oferecer o portfólio completo. A gente tem mais dificuldade aí. Mas não são todos os negócios que resolvem assim. Temos 200 aviões de E2 de backlog.

Mas o A-220 tem quanto de backlog?

Em torno de 600. 

Qual é a resposta de vocês para esse diferencial competitivo da Airbus?

Nós entendemos que nosso avião é melhor, mais eficiente, com o menor custo de manutenção e é mais confiável. E é um avião perfeito para abrir novas rotas, porque é um pouco menor que os grandes. Não tem nenhum nesse segmento mais eficiente que o nosso. E ele também é perfeito para oferecer uma frequência maior de voos. Então tem vários lugares do mundo onde isso se aplica bem.

A Azul, por exemplo, voa com o E2 para Fortaleza, Natal. Para o Brasil inteiro. E quando aquela rota demanda mais, ela coloca um avião maior. Então a combinação é boa. 

O A-220 é maior que o nosso. Tem mais assentos, tem 8 mil quilos a mais de peso. Então tem algumas vantagens por ter mais assentos. Mas o nosso é mais econômico e eficiente. Então tem mercado para os dois. E esse mercado de aviões um pouco menor que os grandes, que são os narrow bodies, vem crescendo. 

Vocês pensam em desenvolver aviões com mais assentos, para competir mais com a Airbus e Boeing? Ou vocês acham que o segmento onde vocês estão é o filé mignon?

O filé mignon é a categoria acima da nossa, de aviões maiores. É a mais rentável e a que tem muito mais aviões. 

Mas vocês têm planos de ir para esse segmento acima?

Não temos planos neste momento. Estamos numa fase preparatória, mas ainda não está no momento. Estamos fazendo os estudos de mercado. 

Vocês decidiram investir num mercado ainda incerto, que é o dos eVTOLs, que ainda não tem tecnologia nem regulamentação. Qual o racional disso? Não é um risco grande demais estar muito cedo nesse mercado?

Toda inovação disruptiva é um risco, mas justamente por isso pode ter um enorme upside. Estamos confiantes no eVTOL porque achamos que vai ter uma demanda muito grande. Os estudos mostram isso. Há um potencial para ele substituir os helicópteros e complementar o transporte dos automóveis nas grandes metrópoles. E a Embraer está colocando a experiência da nossa engenharia para desenvolver esse veículo. 

Na prática, é a entrada da Embraer num mercado equivalente ao do helicóptero?

O eVTOL não é bem um helicóptero. Ele vai além disso. Ele tem asa. Nosso eVTOL é para voos mais curtos, de até 100 km. Mas é 100% elétrico. O ruído é 90% abaixo de um helicóptero. Imaginamos que o custo por assento vai ser também 70-80% mais baixo que o helicóptero. Então vai atrair muita gente. 

Já temos 2.850 unidades de cartas de intenção de compra. É a maior do setor. E a previsão é entrar em serviço até o final de 2026.

Mas essas cartas não são pedidos firmes ainda, né?

Não. Agora temos que trabalhar para elas virarem pedidos firmes.

E só vai virar pedido firme quando tiver um protótipo?

Vai ajudar muito. Estamos trabalhando agora na construção do protótipo escala 1:1. Esperamos voar no começo do ano que vem. Isso vai ajudar bastante. Mas estamos apertando a turma de vendas também para fazer virar pedidos firmes antes disso.

Qual o dano que a Boeing causou à Embraer do ponto de vista de tentar roubar talentos?

Nada que coloque em risco o futuro da companhia, mas sempre é ruim perder engenheiros com experiência. Sempre é ruim… E a gente perde não só para a Boeing. Tem empresa de fora que contrata engenheiros pagando em dólar e euro para trabalhar de casa no Brasil. Isso acontece. E com a Boeing aconteceu mais.

Mas vocês tiveram que tomar medidas internas? Dar aumentos para segurar gente?

A gente fez alguns programas de bônus de retenção e outros programas de engajamento. Engenheiro gosta de projeto. Então tem vários projetos em que eles estão trabalhando. Tem o eVTOL, tem a modernização dos produtos atuais, tem os estudos. Tem bastante coisa que ocupa eles. Temos mais de 3.000 engenheiros, e todos estão ocupados. 

Quantos engenheiros vocês perderam para a Boeing?

Umas cento e poucas pessoas.

E esse ataque que ela fez foi logo depois do deal ser cancelado?

Foi depois da transação ser cancelada. 

Nos EUA tem um negócio chamado ‘cease and desist’. Você vai no juiz e pede para ele obrigar o sujeito a parar. Você consegue fazer isso aqui?

Nós não fizemos nenhuma ação contra a Boeing. Mas tem duas associações de empresas do setor, das indústrias de defesa e das indústrias do setor aeronáutico, que têm uma ação civil pública na Justiça Federal para tentar suspender isso. Mas não foi julgado ainda. Está em processo. 

Os problemas de execução que a Boeing está enfrentando hoje nos EUA poderiam ser um motivo para ela tentar voltar a ter uma JV com a Embraer?

Você teria que perguntar para eles… O que sei da Boeing é o que a gente lê na mídia. Mas estamos muito felizes do jeito que estamos aqui. Temos um plano. A Embraer está caminhando muito bem com as próprias pernas. Está crescendo. Temos um plano estratégico para os próximos sete anos. A companhia vai crescer muito.