PARIS — Como uma aranha que tece uma enorme teia, Lygia Pape e seus parceiros de movimento neoconcreto criaram um emaranhado artístico que influenciou de maneira decisiva a arte contemporânea que é produzida hoje em dia.
À medida que a importância dessa contribuição se torna consenso no mundo das artes, duas das principais expoentes do grupo — Pape e sua xará, Lygia Clark — têm sido cada vez mais celebradas internacionalmente.
Depois de uma retrospectiva de Clark tomar conta do verão de Berlim, é a vez de Pape (1927-2004) ganhar sua maior exposição na França até hoje.

Em Lygia Pape. Weaving Space (Tecendo o Espaço) — em cartaz na Bourse de Commerce – Pinault Collection até 26 de janeiro — estão reunidas várias das principais obras da eclética artista de Nova Friburgo, cuja produção abrangeu da poesia ao audiovisual.
“Lygia concebia a arte não como um objeto acabado, mas como uma presença sensorial que interage com os sentidos e a consciência do público,” escreve a curadora Emma Lavigne no catálogo da mostra.
Ainda que a exposição não esteja organizada de forma cronológica, estão lá as bases do trabalho de Pape: os Tecelares (1955-1959), uma série de xilogravuras que a artista começou a produzir ainda no início da carreira — como membro do construtivo Grupo Frente — e que serviram de referência para suas criações futuras.
Por causa da textura da madeira, a artista costumava dizer que estava tecendo os papéis das gravuras, daí o nome da série, de alguns de seus trabalhos posteriores e da mostra.
Paralelamente, o público é apresentado às diversas ramificações da obra de Pape e sua contribuição na estruturação do hoje celebrado movimento neoconcreto.
No Livro da Criação (1959-1960), por exemplo, a artista apresenta uma versão abstrata da história do mundo em 16 esculturas de papel-cartão pintadas com guache.
Já em Livro Noite e Dia III (1963-1973), 365 peças distintas de madeira — recortadas e pintadas em tons de branco, cinza e preto — compõem uma partitura visual que representa a unicidade de cada dia do ano e dialoga com o interesse da artista pelo cinema em preto e branco.
Há ainda registros em vídeo de performances idealizadas por Pape como Divisor (1967-1968), em que a artista reuniu dezenas de pessoas sob um pano branco (só com as cabeças de fora) nas ruas do Rio, representando uma onda de unidade da população contra a ditadura.
E, no auditório do museu, é exibido Ballet Neoconcreto I (1958), um filme criado em parceria com o poeta Reynaldo Jardim em que cilindros e paralelepípedos dançam ao som de uma composição de Pierre Henry.
Na última sala da mostra, como quem guarda o melhor para o final, fica a obra-prima de Pape, Ttéia 1, C (2003–2025, na foto acima) — uma palavra cunhada pela artista e que é a junção de teia e teteia.
Num espaço amplo de paredes negras, a gigantesca instalação de fios dourados estendidos do chão ao teto serpenteia em várias direções e muda de forma a depender da iluminação e da posição do observador.
Para além da óbvia referência a teias de aranha, a obra me lembrou os primeiros raios solares que invadem um cômodo ainda escuro pela manhã, aqueles que te fazem espreguiçar e virar para o lado para dormir mais um pouco.
Mas há incontáveis interpretações possíveis, tanto que a curadoria espalhou bancos pela sala para que o público possa contemplar a obra sem pressa.
Essa Ttéia 1, C — que tem versões espalhadas por diversos museus do mundo, incluindo Inhotim — é parte da coleção de François Pinault, bilionário francês que controla a Kering e é dono da Pinault Collection, a fundação que salvaguarda suas mais de 10 mil obras de arte e administra a Bourse de Commerce e mais dois museus em Veneza.
Nessa linha, a retrospectiva de Pape serviu de prelúdio e agora é parte de uma exposição maior no mesmo museu, a Minimal, que bebe da coleção de Pinault para reunir mais de 100 obras de 50 artistas com estética minimalista — a corrente artística favorita do colecionador.
“Com sua expressão precisa e seu radicalismo que elimina detalhes supérfluos, a arte minimalista captura a essência,” Pinault escreveu no catálogo da exposição. “Foi através dela que percebi que a mente poderia ser libertada para se aventurar além das aparências. Pela primeira vez, estou revelando o aspecto mais pessoal da minha coleção de arte. Esta é a força motriz que me acompanha e me inspira há mais de cinquenta anos.”
O resultado é uma exposição que busca expandir o cânone da estética minimalista — formalmente restrita à corrente americana dos anos 60 — sem perder o contato com sua essência que economiza na forma e nos materiais para focar na interação com o público.
Além de espaços dedicados às obras de alguns artistas, caso de Pape, da canadense Agnes Martin e da americana Meg Webster, a mostra é dividida em salas temáticas: Luz, Monocromia, Equilíbrio, Superfície, Grid, Materialismo e Mono-ha (“Escola das Coisas”, um movimento japonês que explorava a interação de materiais naturais e industriais).
Outro expoente do neoconcretismo, Hélio Oiticica está presente em Superfície com um de seus Relevos Espaciais (1959-1960) — objetos geométricos e tridimensionais de madeira (nesse caso pintado de amarelo) que ficam pendurados no teto e variam de forma conforme a luz e a perspectiva do observador.
É a arte se emancipando da parede.











