A luz branca intensa ofuscou cientistas, técnicos e militares em postos de observação a cerca de dez quilômetros da detonação, e uma coluna de fogo ergueu-se no deserto de Los Alamos.

A cena se prolonga, acompanhando os volteios dessa espiral incandescente. Por alguns momentos, a tela inteira é tomada pela fornalha atômica, expandindo-se, modificando-se, consumindo a si mesma.

Ao longo de toda essa sequência estupefaciente, só o que se ouve é a respiração lenta e ritmada de uma pessoa que tenta se manter calma em um momento de grave tensão.

É a respiração de J. Robert Oppenheimer, o pai da bomba atômica.

Cena central de Oppenheimer, o teste do primeiro artefato nuclear da história, em 16 de julho de 1945, carrega a assinatura visual do diretor inglês Christopher Nolan. Como as cidades que se dobram sobre si mesmas em A Origem e as tomadas aéreas das tropas desalentadas na praia francesa em Dunkirk, ela guarda o poder de mudar a pressão atmosférica da sala de cinema.

Aqui, a sonoplastia engenhosa vai ao coração da ambiguidade intelectual e moral do empreendimento nuclear: se ouvíssemos apenas o estrondo e o trovejar da explosão atômica, dificilmente perceberíamos a beleza perturbadora daquelas imagens infernais.

Filho de um imigrante judeu alemão que enriqueceu nos Estados Unidos, J. Robert Oppenheimer nasceu em Nova York, em 1904, e morreu em Princeton, em consequência de um câncer na garganta (era fumante compulsivo) em 1967, aos 62 anos. Mas esses fatos importam pouco no filme, que começa nos anos 1920, quando o físico fazia seu doutorado em Cambridge, e não chega até sua morte.

A narrativa desenrola-se em recortes de tempo que se cruzam e sobrepõem. Há passagens em cor e em preto e branco – nestas, domina o caviloso presidente da Comissão de Energia Atômica (AEC, na sigla em inglês), Lewis Strauss (vivido por Robert Downey Jr).

O roteiro, assinado pelo próprio Nolan, organiza-se em torno da audiência de 1954 em que um comitê da AEC cassou as credenciais de segurança que davam a Oppenheimer acesso a informações delicadas sobre armas nucleares. É a partir dos depoimentos dessa audiência que os eventos na vida do físico são apresentados.

Um segundo eixo do enredo é a sessão do Senado americano, em 1957, em que Strauss buscava confirmar sua indicação para Secretário do Comércio no governo Dwight Eisenhower – e teve seu papel questionado.

Cillian Murphy já havia trabalhado com Nolan nos três filmes de Batman, em A Origem e em Dunquerque. Só em Oppenheimer ele assume o papel principal, com brilho explosivo. Seu Oppenheimer parece estar sempre perdido em realidades que estão além da compreensão dos leigos em física quântica. Em sua primeira conversa com Kitty (Emily Blunt), sua mulher, ele explica que a solidez do mundo que nos cerca é ilusória, pois vivemos em um vazio percorrido por partículas invisíveis.

Campo do conhecimento desbravado por europeus como o dinamarquês Niels Bohr (Kenneth Branagh) e o alemão Werner Heisenberg (Matthias Schweighöfer), a física quântica ainda não entrara nas universidades americanas quando o jovem Oppenheimer foi estudar em Cambridge. Em Londres e em viagens pela Europa continental, ele descobre outras novidades que fizeram dos anos 1920 talvez a década de maior efervescência intelectual do século passado: a psicanálise de Freud e o modernismo da poesia de T.S. Eliot e da pintura de Pablo Picasso.

Também se interessou pelo marxismo. Nunca assinou ficha no Partido Comunista, mas teve ligações próximas com muitos de seus membros, o que viria a prejudicá-lo na audiência da AED, realizada sob a sombra paranoica do macarthismo. Sua mulher, Kitty, e sua amante Jean Tatlock (Florence Pugh) foram membros do partido.

As simpatias radicais de Oppenheimer seriam negligenciáveis se ele houvesse sido apenas um físico teórico. A história entrou em seu caminho. Seu trabalho seminal sobre o colapso de grandes estrelas – em co-autoria com um aluno, Hartland Snyder – foi publicado em 1 de setembro de 1939. Kai Bird e Martin J. Sherwin, autores de Oppenheimer (editora Intrínseca), a biografia que serve de base ao filme, dizem que este artigo “abriu a porta para a física do século XXI”. Numa ironia infeliz, a data entrou para história como o início da Segunda Guerra Mundial.

Chamado pelo coronel (logo promovido a general) Leslie Groves (Matt Damon) para dirigir o laboratório de Los Alamos no qual foram montadas as primeiras bombas atômicas, o teórico quântico demonstraria uma insuspeita capacidade executiva. No pós-guerra, tornou-se, com igual empenho, um defensor de limitações às armas nucleares.

O clímax de Oppenheimer é o teste em Los Alamos. O espetáculo apoteótico da nuvem atômica transcorre quase todo em silêncio, pois a luz viaja mais rápido do que o som. Mas o estrondo da onda de impacto acaba chegando ao posto de observação, levantando poeira.

É como se a sujeira do mundo real voltasse à vida do físico teórico. O poder de morte e destruição que ele havia conjurado logo arrasaria Hiroshima e Nagasaki.

O filme perde um tanto de seu impulso vertiginoso depois da cena monumental do teste. Torna-se mais convencional, repisando expedientes conhecidos do subgênero “filme de tribunal” (embora a audiência da AEC não seja de fato um tribunal).

No entanto, é só então que se descortina completamente a ambiguidade moral do empreendimento em Los Alamos. Sem que jamais se mostrem as cenas tétricas das cidades japonesas arrasadas, Oppenheimer se vê confrontado com o monstro que ajudara a criar.

No final do ano passado, a Secretaria de Energia do governo Biden admitiu oficialmente que Oppenheimer nunca comprometeu a segurança de seu país e que a cassação de suas credenciais em 1954 foi baseada em razões políticas mesquinhas. Talvez se imagine que agora um longa-metragem filmado em iMax com um elenco estelar venha consolidar a redenção do cientista.

Nolan, porém, não enaltece seu personagem. Tampouco o condena: seu filme apenas apresenta o personagem como o hesitante engenheiro do mundo nuclear no qual ainda vivemos, um mundo em que as ogivas russas pesam como ameaça na guerra da Ucrânia.

O melancólico diálogo final entre Oppenheimer e Albert Einstein (Tom Conti) abre a porta para esse mundo. É um final brilhante para um filme que faz explodir na tela o brilho mais terrível que a humanidade já produziu.