Para além da disputa de egos e dólares, o processo movido por Elon Musk contra a OpenAI e seu CEO, Sam Altman, pode se tornar um dos momentos definidores desta era da emergência da inteligência artificial e seu impacto para a humanidade.
“É a novela mais quente do mundo dos negócios,” definiu o New York Times.
Musk foi um dos primeiros financiadores da OpenAI, a criadora do ChatGPT.
Agora dono da Tesla e do X – o antigo Twitter — ele foi à Justiça semana passada argumentando que a OpenAI infringiu diversos aspectos de seu contrato original – incluindo o princípio de ser uma empresa sem fins lucrativos e “acessível livremente ao público.”
No processo, Musk alega que, quando foi procurado pelos fundadores da OpenAI, Sam Altman e Greg Brockman, eles disseram que o objetivo da startup era ser open source — e não visar lucro. Musk colocou US$ 44 milhões na empreitada.
‘Open,’ a propósito, está no nome da empresa – cujo objetivo primordial, sustentam os advogados de Musk, era desenvolver a inteligência artificial “para beneficiar a humanidade.”
A ideia, então, era ter um concorrente independente para o Google, da Alphabet, então considerado a maior potência nesse campo e que havia comprado, em 2014, a britânica DeepMind, uma das precursoras em sistemas avançados de IA.
Em um email de 2015 citado no processo, Altman disse a Musk que seria impossível evitar o desenvolvimento de inteligência artificial e “seria bom se alguém que não seja o Google faça primeiro.”
A OpenAI é hoje a líder na chamada inteligência artificial generativa, que cria conteúdo novo – como textos, imagens e vídeos – a partir de simples comandos em linguagem comum, sem a necessidade de o usuário saber programação.
O Google, enquanto isso, enfrenta uma crise por causa do fiasco do Gemini — a sua resposta ao ChatGPT e aos bots de IA da Microsoft.
Uma questão que estará em debate no tribunal é que, em 2019, a OpenAI alterou sua estrutura organizacional. Surgiu a OpenAI LP, uma entidade com fins lucrativos.
Neste novo braço da startup, a rentabilidade do capital aplicado pelos primeiros investidores ficou restrita a 100x o dinheiro colocado no negócio. Segundo a CNBC, investidores que vieram mais tarde, como a Microsoft, possuem direito a uma rentabilidade menor.
Hoje a OpenAI é uma empresa extremamente lucrativa, avaliada recentemente em US$ 86 bilhões.
Além disso, a empresa mantém com a Microsoft um contrato de exclusividade depois de a big tech ter feito um aporte de US$ 10 bi na startup no início do ano passado. A companhia de Bill Gates já havia colocado dinheiro na OpenAI em em 2019 e 2021, totalizando US$ 13 bi.
Com a sequência de aportes, a Microsoft detém 49% do capital do braço for profit da OpenAI.
Além de capital, a Microsoft oferece capacidade computacional nos servidores da Azure. Quanto mais complexos os sistemas, maior a necessidade de servidores – um ativo essencial nessa guerra tecnológica e comercial.
A Azure ganha vendendo aos seus clientes a possibilidade de utilização de suas ferramentas para treinar sistemas de AI e desenvolvimento de aplicativos baseados na tecnologia da OpenAI.
Graças ao acordo, o sistema de inteligência artificial desenvolvido pela OpenAI está por trás de produtos da Microsoft como o Copilot e o Bing. (Na última semana, a Microsoft apresentou o chatbot Copilot AI para Outlook e Excel.)
Os advogados de Musk querem que a OpenAI abra os seus códigos para outras empresas e encerre sua parceria com a Microsoft.
Argumentam ainda que o GPT-4, o modelo de IA generativa mais avançado da OpenAI, é hoje basicamente um produto da Microsoft, e “movido principalmente por aspectos comerciais, e não de segurança.”
Outro ponto que causará muito debate na corte é que a OpenAI, segundo Musk, havia se comprometido a não comercializar nenhum produto que fosse considerado de ‘inteligência artificial geral’ – IAG, em português, ou AGI na sigla em inglês.
Trata-se de um sistema capaz de ter uma performance similar ou mesmo superior à dos seres humanos em atividades cognitivas complexas.
Em 2022, pesquisadores da Microsoft testaram o GPT-4 antes de ele ser lançado oficialmente e publicaram o paper ‘Sparks of AGI,’ dizendo que o sistema demonstrava sinais de uma inteligência superior, como por exemplo na criação de códigos.
“O GPT-4 é um algoritmo de IGA,” dizem os advogados de Musk. “Os próprios cientistas da Microsoft reconhecem que o GPT-4 ‘alcança formas de inteligência artificial geral’.”
Pelo seu acordo com a OpenAI, a Microsoft tem acesso apenas ao licenciamento de produtos pré-IGA.
Independentemente da discussão se o GPT-4 tem características de inteligência artificial geral ou não, a OpenAI, assim como outras companhias, vem trabalhando no desenvolvimento de um modelo de superinteligência que conseguirá, teoricamente, bater os mais poderosos cérebros humanos.
O novo e mais poderoso modelo da OpenAI é o Q*, ainda em desenvolvimento e que, possivelmente, terá capacidades de inteligência geral.
O processo traz uma série de questões únicas e sem precedentes claros, disse a newsletter DealBook depois de consultar advogados sobre os contornos da briga jurídica.
“Não está claro o que constitui ‘vencer’ num caso como esse, dado que as motivações de Musk parecem ter sido as suas frustrações e suas diferenças filosóficas com a OpenAI,” diz o NYT.
É uma história repleta de plot twists.
Em 2017, Musk havia tentado assumir o controle da OpenAI. Pretendia incorporar a startup à Tesla, segundo a Reuters. Não conseguiu, afastou-se da empresa e iniciou o desenvolvimento da sua própria tecnologia de inteligência artificial, a xAI – que, segundo ele, será um sistema mais seguro.
Musk deixou o posto de co-chair da OpenAI em 2018 e começou a reduzir seus aportes na empresa até 2020, quando eles pararam de vez, segundo o Wall Street Journal.
É neste contexto que ganha relevância a Microsoft, que patinava nessa área. Para a OpenAI, a falta de capital representava a restrição de acesso à capacidade de processamento necessário para manter seus algoritmos em evolução.
A OpenAI ainda é controlada pelo braço sem fins lucrativos. Em seu conselho estão alguns acadêmicos favoráveis ao modelo open source e muito mais preocupados com a segurança do IA do que o empreendedor obstinado típico do Vale do Silício.
No final do ano passado, o conselho tentou derrubar Altman do comando executivo da empresa, acusando-o de falta de transparência na tomada de decisões.
Altman chegou a anunciar que iria para a Microsoft comandar uma nova unidade de IA, mas, quando tudo parecia definido, uma rebelião dos funcionários da OpenAI – que ameaçaram deixar a empresa em massa – acabou mantendo o fundador no cargo. A Microsoft, obviamente, jogou pesado para não perder sua primazia na startup.
Paralelamente a tudo isso, a SEC na semana passada abriu uma investigação para saber se Altman prestou informações imprecisas e enganosas aos investidores da OpenAI. O comunicado do regulador americano ocorreu na quinta-feira, horas antes de Musk entrar na Justiça contra a empresa.
O acordo da OpenAI com a Microsoft também está sob análise das autoridades antitruste nos EUA e na Europa.
Musk tem sido, ao menos publicamente, um defensor de restrições ao alcance dos sistemas de IA para que a tecnologia não se torne uma ameaça – em vez de um benefício – para a humanidade. No ano passado, ele foi um dos signatários de um manifesto em defesa de uma pausa no desenvolvimento dessa tecnologia.
Para a OpenAI, Musk tem se movido pelo ressentimento.
Em um email circulado para os funcionários na sexta-feira, Altman e Jason Kwon, o chief strategy officer da startup, disseram que o sucesso fez da empresa um alvo de ataques e ações na Justiça.
“Acreditamos que as alegações nesse processo são fruto dos arrependimentos de Elon por ele não estar envolvido na companhia atualmente,” disse Kwon, segundo a imprensa americana.
Para Musk, contudo, a startup se transformou em “uma subsidiária da maior empresa de tecnologia do mundo: a Microsoft” – e “está não apenas desenvolvendo como refinando a IAG para maximizar os lucros da Microsoft, em vez de beneficiar a humanidade.”
