Faz três décadas que conheço João Marcello Bôscoli e Pedro Mariano. O primeiro dos nossos inúmeros encontros se deu em 1995 no estúdio Mosh, na zona oeste de São Paulo, quando a dupla tinha acabado de ser contratada pela gravadora Sony Music.

Claro, eu sabia quem era a mãe deles e logo percebi que ambos haviam herdado a personalidade forte dela. (Há, porém, diferenças gritantes entre os dois: João tem o humor ácido e o carisma do pai, o jornalista Ronaldo Bôscoli; Pedro é observador como o “criador”, o pianista e arranjador César Camargo Mariano). 

Por mais que tivesse tido conversas que foram além do campo profissional, havia pelo menos assunto sobre o qual nunca tive coragem suficiente para perguntar: “Afinal de contas, como era Elis Regina longe dos palcos? Como ela era como mãe?”

Agora, minha curiosidade é respondida, com riqueza de detalhes, no especial Sou Filho Dela – Elis Regina, em cartaz no PlayPlus, o serviço de streaming da TV Record.

A curta duração – pouco mais de meia hora – é o suficiente para conhecer detalhes que boa parte dos fãs de Elis desconhecem: sua rotina como mãe e dona de casa, a recordação que os filhos e conhecidos trazem dela. “Ela levava para a escola, fazia o açougue, fazia compras… Não é apenas uma voz num disco para as pessoas,” diz Pedro Mariano.

João e Pedro eram piás quando Elis morreu, em 19 de janeiro de 1982, aos 36 anos. 

Um tinha onze anos, o outro seis. 

Certamente só entenderam o tamanho da mãe na idade adulta. 

O que eles trazem à tona, portanto, era o ser humano por trás do ícone da MPB. João emociona-se ao relatar o momento em que, ainda bebê, foi desenganado pelos médicos (ele sofria de um problema alérgico), mas foi “salvo” pelo canto da mãe, que passou a noite inteira ao seu lado. 

Pedro, por seu turno, mostra objetos pessoais da mãe – entre eles o passaporte e uma carteira, contendo alguns cruzeiros e centavos – e a estátua diminuta de uma coruja, presente que lhe deu no Dia das Mães. É outra cena pungente: ele parece agarrar-se àqueles pertences porque são um sinal da presença da mãe naquele lugar.

Um dos trunfos do mini documentário é ambientar a conversa dos irmãos num estúdio que reproduz a casa em que a família morou, na Serra da Cantareira (zona norte de São Paulo). 

São os momentos em que se sentem à vontade para juntar os caquinhos de memória e reconstruir a vida naquele local – que incluía uma horta, onde Elis plantava e colhia boa parte dos alimentos para a família. Sou Filho Dela traz ainda cenas de apresentações e entrevistas de Elis, além de depoimentos da cantora Wanderléa e de Marisa Ramos, amiga de infância da maior intérprete brasileira. O próximo programa será dedicado a Elza Soares.

Ah, sim… Nas poucas vezes em que João falou da mãe – nenhuma por insistência minha – ele contou como ela saudou o lançamento de Off the Wall (1979), de Michael Jackson. Disse que o menino fazia “uma discoteque legal”. Em outra, usou uma citação dela na hora de eu escolher um prato para nosso jantar. 

“Se minha mãe estivesse aqui, ela te diria: ‘Como comida de verdade, que faça bosta!’,” naquele misto de Elis e Bôscoli que tanto me encanta. 

Mas nada me deixou tão próximo à família quanto este Sou Filho Dela.