PARIS – Pensador sensível e autêntico, David Hockney parece que entendeu tudo sobre a vida desde cedo: “Acho que sou ganancioso, mas não por dinheiro – sou ganancioso por uma vida emocionante.”
Seu estilo original e inventivo, aliado ao domínio da técnica da pintura e um profundo conhecimento de história da arte, fazem dele um dos artistas mais completos e importantes da atualidade. Em 1990, recusou um título de cavaleiro da Rainha. “Não valorizo prêmios de nenhum tipo,” disse à época. “Valorizo minhas amizades.”
Agora, a Fundação Louis Vuitton está celebrando a vida e a carreira deste monstro da arte contemporânea em David Hockney: 25 Anos, que fica em cartaz até 31 de agosto.
Hockney, que completa 88 anos em julho, levou o joie de vivre para as telas, e embora a exposição se concentre nos últimos 25 anos, a exposição tem mais de 450 obras, abrangendo o período de 1955 a 2025.
Está tudo lá: suas primeiras obras, a icônica série splash das piscinas, a vastidão das paisagens californianas, os retratos dos anos 60 e as pinturas em menor escala, e os desenhos no IPad das árvores de Yorkshire e a primavera da Normandia.
“Olhar tem sido um dos grandes prazeres da minha vida,” o pintor costuma dizer.
As obras foram escolhidas pelo próprio artista em colaboração com a curadora, Suzanne Pagé. “Esta exposição revela a incrível capacidade de David Hockney de reinventar continuamente sua arte, abraçando tradição e modernidade, pintura e novas tecnologias,” Pagé diz no texto de apresentação.
Hockney nasceu em Bradford, na Inglaterra, em uma família classe média. Seu pai gostava de fotografia, e a mãe sempre o incentivou nas atividades artísticas.
Começou seus estudos na Bradford School of Art, mas logo se mudou para Londres para cursar a prestigiosa Royal College of Art, onde se formou com distinção em 1962. Junto com Twiggy, Mary Quant, Rolling Stones e Pink Floyd, foi uma das principais figuras dos Swinging Sixties, o movimento cultural que elevou Londres a capital mais cool do mundo.
Sua primeira exposição, no ano em que se formou, foi um sucesso de vendas e crítica. Hockney nunca escondeu sua sexualidade em sua vida e nas telas (representando graficamente o amor homossexual, o que na época foi revolucionário), quando ser gay era considerado ilegal na Inglaterra.
Com o dinheiro das primeiras vendas, mudou-se para a Califórnia em busca do sol e de mais liberdade. Em 1966, começou a dar aulas de desenho na UCLA, onde conheceu Peter Schlesinger, que se tornou seu amante e muso inspirador.
Na América, começou a experimentar outras técnicas como gravuras, fotografia e prints (em fax, xerox e impressora). A curiosidade de experimentar novas tecnologias desde cedo explica como chegou, décadas depois, em 2010, aos desenhos no iPhone e no iPad.
Yorkshire está no centro da mostra, com bosques densos que contrastam com a vastidão das paisagens dos Estados Unidos. Hockney encontrou naquela parte de seu país natal o cenário perfeito para exercitar sua obsessão pela natureza e sua variedade infinita. Em diversas entrevistas, repete que o desenho e a pintura de pessoas, objetos ou paisagens, exigem a fixação do olhar com tal intensidade e de modo ininterrupto, revelando detalhes e sensações que um olhar descompromissado nunca perceberia.
No período em que passou na Normandia, Hockney retratou as graduais mudanças das estações, de forma por vezes fantástica. Durante a pandemia ficou lá isolado e, naquele período duro, todo dia mandava os desenhos que fazia no iPad aos amigos com a mensagem: “Não se esqueçam que eles não podem cancelar a primavera.”
Nessa época, passou a desenhar mais no iPad e viu no meio uma forma de capturar a emoção imediata que sentia ao acompanhar cada mudança sutil na natureza, como a lua subindo e o céu escurecendo.
Aliás, uma das salas mais espetaculares da mostra é aquela dedicada às obras noturnas. Depois de uma imersão em cores vibrantes e alegres, o visitante chega a uma sala mais sóbria, iluminada de forma a mimetizar a luz lunar. São 13 desenhos e duas telas do mesmo tamanho (difícil distinguir entre a impressão e a pintura) em que a lua reina majestosa. Hockney se inspirou nos impressionistas, particularmente em Monet.
Amante de música, Hockney também criou cenários e figurinos para mais de 10 óperas em 20 anos. Em 1975, projetou a cenografia para a ópera de Stravinsky, “ O Progresso do Libertino” – a produção viajou o mundo e até hoje é encenada. Desde então, trabalhou em inúmeras outras produções, com destaque especial para a sua montagem de Tristão e Isolda, de Wagner, que rendeu críticas entusiasmadas do New York Times. A cenografia o levou a novos caminhos na pintura e na percepção do impacto da luz nas cores.
Na última e maior galeria da fundação foi montado um espaço imersivo em que o visitante mergulha nesses cenários e figurinos projetados desde a década de 1970.
O intenso azul do mar inunda a sala ao som de Wagner – e ali se confirma o quão profundo e mágico é o universo de David Hockney e seu amor incondicional por todo tipo de arte.