Antes de criar o Mêntore Bank a partir de sua firma de consultoria tributária, Vanderson Aquino teve uma realidade bem distante da Faria Lima, onde fica a sede da instituição de pagamento que deve lucrar R$ 300 milhões este ano.
Nascido numa família humilde de Fortaleza, o hoje CEO de banco chegou a passar fome. Sua mãe tinha apenas 14 anos quando o menino nasceu – o que aconteceu apesar de ela tentar um aborto quatro vezes, já que corria risco de vida com a gestação.
Aos 13, quando seu pai abandonou a família, Vanderson começou a trabalhar vendendo coco nos semáforos. Um ano depois, conseguiu um emprego de office boy num escritório de contabilidade.
“O dono do escritório não pagava a passagem de ônibus, então eu tinha que fazer tudo a pé. Mas por conta disso, Fortaleza inteira me conhecia,” Vanderson disse ao Brazil Journal. “Até hoje, algumas pessoas ainda me chamam de ‘o menino que andava cantando,’ porque eu andava pela cidade cantando coisas que me colocassem pra cima.”
Com as dificuldades que enfrentava — e o bom humor com que levava a situação —, o jovem office boy conquistava a simpatia das pessoas.
“Quando eu chegava na Receita Federal, na Junta Comercial ou na Prefeitura, todo mundo via aquele adolescente banhado de suor, cansado e queriam me ajudar. Então, abrir uma empresa, que era algo que demorava 2 meses, eu conseguia fazer em 2 dias,” disse.
O bom trânsito o fez receber um convite de outro escritório de contabilidade — e sua vida começou a mudar. No novo trabalho, Vanderson combinou de despachar com os órgãos públicos à tarde, para aprender sobre contabilidade de manhã.
Em 2015, Vanderson empreendeu pela primeira vez: abriu uma consultoria tributária para atuar no interior do Maranhão, Piauí e Ceará.
O Mêntore Bank nasceu quatro anos atrás de um spinoff dessa consultoria, com foco num nicho que recebe pouca atenção dos bancões.
O banco assume a folha de pagamento das empresas, e dá um crédito rápido e de curto prazo aos funcionários, com foco nos que ganham até três salários mínimos.
Com esse modelo de negócios, o empresário espera faturar R$ 1 bi este ano – e lucrar R$ 300 milhões. No ano passado, a instituição de pagamento, que opera por meio de um FIDC, cresceu receita e lucro em 380%.
Nesta conversa com o Brazil Journal, Vanderson falou sobre o modelo de negócios e os planos do Mêntore.
O modelo de negócios do Mêntore não é muito explorado pelos bancões, que preferem focar nos funcionários com salários mais altos. Quais produtos vocês oferecem hoje?
Nosso foco principal é a folha de pagamento. Então, a gente faz uma venda B2B para operar no B2C. Fechamos com empresários que, de preferência, tenham um volume relevante de funcionários para que ele possa abrir a conta pessoa jurídica conosco e possa fazer o pagamento das contas pessoa física com a gente. Focamos num público até 3 salários mínimos, com os funcionários na base da pirâmide.
Mas por que focar nesse perfil?
Quase a totalidade dessa base salarial não tem acesso a crédito, e a gente disponibiliza um crédito rápido e de curto prazo para eles.
O primeiro item do motor de crédito de um banco é o Serasa, e o Brasil tem mais de 70 milhões de pessoas negativadas. Então já existe essa enorme base de pessoas que não entram no crédito, a não ser por bancos que trabalham com crédito estressado ou pela área de consignado. Mas se você tirar isso, esse pessoal não tem crédito nenhum.
Vocês dão crédito com antecipação de salário?
Sim. A antecipação de salário é o principal produto. Como temos o valor que ele recebe com a gente na conta, o nosso sistema calcula um percentual em cima do salário líquido, dependendo do tempo que ele tem de casa. Fazemos duas faixas: se ele tem 3 meses é uma faixa, e se tem mais de 3 meses é outra faixa. Porque até 3 meses ele não tem direito adquirido das férias e do décimo terceiro, então a rescisão corre o risco de vir zerada.
Qual a inadimplência de vocês hoje?
Nossa inadimplência hoje é muito baixa. Gira em torno de 0,2%.
Esse produto de folha de pagamento é quantos por cento da sua receita hoje?
É 100%.
Mas imagino que você vai querer plugar outros produtos…
Sim. Temos o desenho de alguns produtos que estamos trabalhando para entrar, mas em todos eles vamos adotar a sistemática de profit sharing. Vamos pegar alguém do mercado que já faça aquele produto, que entre com todo o risco, e vamos fazer a parceira e dar um percentual em cima do lucro.
Nossa operação dá 30% de margem de lucro desde o início. Nunca abaixo disso. Então tenho um receio muito grande de entrar num produto que a gente não conhece e acabar perdendo dinheiro. Por isso essa opção de entrar no profit sharing.
Vocês começaram atendendo as empresas do Ceará?
A primeira empresa foi do Ceará, mas a segunda já foi do Rio Grande do Norte, e buscamos abraçar o Brasil inteiro. O primeiro cliente foi uma empresa de terceirização de mão de obra chamada Serval, que tem 8 mil funcionários no Ceará. Mas hoje o Ceará responde por 4% da nossa receita só.
Mas vocês tem alguma empresa âncora do Ceará, como uma Pague Menos?
O Santander tem 35% de share na folha de pagamento e eles vão atrás das empresas que têm uma marca forte e compram a folha. Eles também compram muito mais folha de empresas em que o topo da pirâmide representa mais do que a base.
A Pague Menos tem uma marca muito forte e 70 mil funcionários, então ela é muito interessante para eles.
Tem um fato curioso que ilustra bem isso. Eu fui prospectar um cliente aqui em São Paulo que tem também milhares de funcionários. No ‘bid’ estávamos nós, o Santander e o Bradesco. No final a gente ganhou, só que teríamos que pagar a multa por rescisão, porque a empresa já tinha um parceiro e ia ter que rescindir o contrato.
Quando eu fui pagar, o parceiro anterior falou para fazermos um acordo. Ele dispensava a multa, mas a gente teria que deixar 3 mil funcionários com ele e ficar com os outros 67 mil. Ele fez isso porque ele só queria o topo da pirâmide, que é o que todos os bancos também querem.
No Brasil, nós não temos concorrentes que fazem só o nosso produto e que tenham esse foco na base da pirâmide. Mas no Ceará temos cinco concorrentes! Por que? Porque há quase 20 anos foi para lá um diretor do Bradesco comprar a folha das construtoras e ele só queria do mestre de obras para cima.
O pedreiro e o servente ele não queria. Aí ele chegou para um cara de meio de pagamento e falou, ‘vamos montar um negócio?’. Eles desenharam um produto para processar a folha do pessoal da base, porque o Bradesco só queria o alto escalão.
A partir daí o Ceará foi tendo essa tecnologia, evoluindo e criando concorrentes. Por esse fato histórico lá atrás.
Como vocês conquistam clientes? Vocês têm uma força de vendas que vai atrás das empresas?
Neste mercado de folha de pagamentos, o que é leiloado hoje é quase inexpressivo porque os bancos resolveram parar de comprar folha – porque os clientes acabavam já processando a folha com ele ou já gostavam do banco, ou ele dava crédito para ele. Hoje os bancos só compram quando tem uma marca forte envolvida ou uma pirâmide salarial muito propensa. Tirando isso eles não vão.
Então, às vezes a gente chega oferecendo um valor pela folha, o que acaba sendo um diferencial. Também temos alguns diferenciais de produto. Com a gente ele pode pagar a folha 24 horas por dia, 7 dias por semana.
Outro diferencial é que tem empresas que contratam mil funcionários de uma vez só e tem que pedir para o banco abrir conta salário de todos, e os bancos não querem fazer isso. Nós criamos uma espécie de agência dentro do RH das empresas, e o próprio RH consegue abrir em 1 minuto, em lote, as mil contas dos funcionários.
Mas quantos vendedores vocês tem?
Até dezembro, a gente só trabalhava com o modelo de partnership. Quando montamos o Mêntore não tínhamos recursos para sair contratando gerentes comerciais, então fomos pegando quem tinha relacionamentos em cada estado, mostrando o modelo de negócios e transformando eles em partners. A gente comissiona eles em cima dos resultados, porque nossa cultura é de compartilhamento do sucesso.
O Mêntore deu certo porque quando chamamos esses caras, dividimos meio a meio com eles. Além disso, se um dia o Mêntore for vendido ou fizer um IPO, esses partners passam a integrar a sociedade para ter a parte deles. Então, ele tem tanto a recorrência mensal durante todo o contrato dos clientes que eles trazem, dividido meio a meio, quanto o potencial de valorização da empresa.
Mas hoje eles são sócios do banco, ou eles só viram sócios em eventos de liquidez?
Não. O nosso contrato com eles tem uma cláusula de bônus de subscrição que, pelo gatilho de um IPO ou de uma venda, eles passam a integrar a sociedade. E nesse caso, eles vão ganhar ações equivalentes a 50% de tudo que eles contribuíram. Por exemplo, se tivermos 10 milhões de contas, e um desses partners trouxe 1 milhão de contas, ele trouxe 10% do negócio, então ele vai ter 5% do negócio.
Tem vendedor aqui que ganhava R$ 20 mil por mês e que hoje tira R$ 1 milhão. Isso de compartilhamento do sucesso dá muito certo. As pessoas passam a viver a empresa.
Agora estamos mudando este modelo um pouco. Estamos contratando alguns gerentes comerciais, o que vai ser um modelo diferente.
E quantos partners vocês têm hoje?
Só oito. Antes era um regime geográfico, mas ano passado mudamos para um regime de geografia prioritária, mas não exclusiva.
Qual o perfil desses caras? São ex-gerentes de bancos?
São pessoas com um networking muito forte. Formadores de opinião. Mas tem uma variedade. Tem um cara que vendia planos de saúde a vida toda e que conhece as empresas que têm muitos funcionários. Tem outro que vendia vale-alimentação da Alelo e também conhece todas as empresas. E também tem advogados, que têm credibilidade com os empresários.
Todos eles montam uma empresa para trabalhar com a gente e sempre que eles trazem clientes eles ficam com 50% do lucro líquido daquele cliente que ele trouxe.
Você já fez alguma rodada ou você é dono de 100% do negócio?
Eu sou dono de 90% hoje. No Ceará tem algumas famílias tradicionais, e para começar eu chamei uma delas, que é a controladora do Grupo J Macedo. Mas não temos nenhuma vontade hoje de fazer uma rodada. Devemos faturar R$ 1 bi este ano com lucro de R$ 300 milhões. E o nosso lucro é muito parecido com a geração de caixa, porque são empréstimos curtos. Então não temos necessidade de pegar dinheiro no mercado.
Como você processou toda a dificuldade que você passou na vida?
Quando minha mãe engravidou de mim, o médico disse que um dos dois ia morrer, pela idade dela e por ela ter tido minha irmã um ano antes. E minha mãe chegou a ir para o centro cirúrgico para fazer o aborto legal. Ela tentou quatro vezes, mas não conseguiu abortar.
E depois que eu nasci, ela sempre me contou essa história. Ela dizia que eu tinha uma missão de impactar a vida das pessoas, porque não era para eu ter nascido.
O pessoal fala da fome. Mas a fome não é vontade de comer, ela é a ausência da expectativa. E a ausência da expectativa de comer é pior do que depressão, pior do que qualquer coisa. É uma dor que dói muito. Mas em meio a tudo isso, eu sempre achei que ia ter uma coisa diferente, que esse jogo ia virar. Que de alguma forma eu ia conseguir ser grande e impactar na vida das pessoas.
Você disse que o Mêntore tem a ver com a história do trabalho da tua mãe. Como assim?
Minha mãe não tinha estudo nenhum, era analfabeta, e arranjou um trabalho para descascar castanha de caju, uma profissão que lá no Ceará eles chamam de “castanheira”. Foi aí que eu tive a inspiração para o Mêntore. Porque ela só ia receber o salário em 30 dias, mas já estávamos na situação de passar fome, e fomos até uma financeira para ela antecipar parte do salário.
Quando ela conseguiu o dinheiro, eu fiquei pensando que isso era um negócio que ajudava muito as pessoas. No dia que o funcionário recebe, em geral ele já gasta todo o salário e ainda faltam 29 dias no mês. Nesses 29 dias eles vão recorrer a quem? Se o filho ficar doente e precisar ir na UPA, como faz? A UPA é de graça, mas o Uber para levar ele pra UPA não. E se precisar de uma recarga de telefone?
Tem muitas pessoas que fazem um empréstimo com a gente por causa de R$ 10.