NEW YORK – Edmond J. Safra, um dos banqueiros mais relevantes do século 20, morreu em 1999, aos 67 anos, vítima de um incêndio criminoso em sua mansão, em Mônaco. Avesso a entrevistas, deixou raros depoimentos em primeira pessoa sobre sua jornada profissional e pessoal.

Edmond fundou quatro instituições financeiras em três continentes: o Republic Bank of New York; o Trade Development Bank (TDB) em Genebra; o Safra Republic Holdings, em Luxemburgo; e o Banco Safra em São Paulo, liderado mais tarde por seus irmãos mais novos, Joseph e Moïse.

Viveu entre a Europa, Oriente Médio e América Latina, e doava dinheiro com a mesma voracidade com que ganhava. Falava sete idiomas, casou-se aos 43 anos, mas não foi pai – dizia que seus bancos eram seus filhos. Inclusive, por muitos anos, morou na cobertura de um deles, em Manhattan.

Poucos anos após seu falecimento, a fundação que leva seu nome contratou profissionais para coletar histórias das centenas de pessoas que conviveram com ele.

O vasto arquivo de áudios, além de documentos e papeladas, foi digitalizado e aberto ao jornalista americano Daniel Gross, especializado em história financeira.

Ao longo de quase cinco anos, Gross transformou o material no recém lançado A Banker’s Journey – How Edmond J. Safra Built a Global Financial Empire (Editora Radius, 307 páginas, disponível no Kindle, mas ainda sem tradução para o português), no qual relata detalhadamente a trajetória cosmopolita de Edmond, os bancos que fundou, a campanha de executivos da American Express para difamá-lo (objeto de um outro livro), as conspirações envolvendo sua morte e sua filantropia.

Gross também entrevistou a viúva, Lily Safra, que colaborou com fotos de arquivo pessoal e leu o manuscrito final. Lily faleceu em julho.

Edmond nasceu em Beirute, de uma família síria judaica com origem em Alepo. Seu tataravô já era um banqueiro renomado na época do Império Otomano. Seus pais tiveram quatro filhos e quatro filhas. A mãe de Edmond morreu cedo, mas seu pai, Jacob, tinha um pequeno banco em Beirute e viu nele um menino prodígio.

Apesar de não ser o primogênito e ter sido péssimo aluno (estudou até os 14 anos), Edmond foi pinçado pelo pai aos 15 para captar clientes em Milão. O ano era 1947, e a Europa enfrentava o pós-guerra. O resto é história.

Daniel Gross conversou com o Brazil Journal sobre o livro e o legado do banqueiro.

Edmond circulava pela Europa e Oriente Médio. Por que ele foi para o Brasil?

Apesar de ricos, os Safra eram refugiados. Nos anos 50, Beirute não era um lugar seguro para judeus. O apartamento deles tinha sido saqueado. Apesar da riqueza e dos relacionamentos que eles tinham, inclusive com os Rothschild, nenhum país da Europa dizia: “Ei, mude-se para cá, torne-se um cidadão”.

Há muitos judeus sírios nos EUA. Mas, naquela época você não podia simplesmente aparecer e pedir cidadania. Já o Brasil estava aberto. Havia muito poucos judeus sírios, provavelmente dezenas. O desenvolvimento do Brasil estava em um patamar muito diferente, mas o país estava muito aberto para eles. Então Edmond se mudou para lá e levou seu pai, suas irmãs e irmãos, Ellie, Joseph e Moïse.

O Brasil era muito hospitaleiro, tanto pela segurança física, pois ninguém iria atacá-lo, como pela segurança religiosa. Ele não seria assediado por praticar judaísmo ou construir uma sinagoga. Os brasileiros estavam construindo fábricas, negócios e se envolvendo no comércio. Mesmo com a burocracia local, ele conseguiu obter sua cidadania, criar instituições financeiras e bancos e fazer parte do establishment muito rapidamente.

Sempre digo que sua vida girou em torno de certos pólos. Nos anos 50, ele estava no Brasil, e parte do ano em Genebra, Beirute, e sul da França no verão. Anos mais tarde, ele ficava mais em Nova York e Londres, e menos no Brasil. Mas o Brasil foi uma base muito importante para ele e sua família. Seu pai morreu lá. A etapa do Brasil é uma espécie de refúgio, uma casa para as gerações seguintes do Safra. Foi muito, muito importante.

E como foi essa chegada?

Edmond chegou no Brasil em 1954, aos 22 anos, sem falar português. O Brasil, no entanto, era essencialmente uma economia fechada, onde não era permitido intercambiar moedas livrementes. As tarifas eram altas e o país controlava o que entrava e saia. Era um clima de negócios muito diferente do qual Edmond estava acostumado. Em Beirute e na Europa ele vivia num mundo livre para negociar.

Em poucos meses, ele começou a comprar café e vender para um conhecido em Nova York. O que ele sabia do café? Nada. Mas sabia como negociá-lo. Além disso, muitos egípcios e libaneses do Brasil trabalhavam na área têxtil, então ele se envolveu com uma fábrica de sacos de juta, no qual se transporta café, e passou a negociar com Europa Oriental, fazendo escambo: trocava café por moedas fortes, relógios, equipamentos industriais, já que moedas não eram facilmente intercambiáveis.

Com essas conexões internacionais, ele entendeu quase instintivamente como trabalhar as costuras do comércio da época. O Brasil era um país em crescimento, as pessoas precisavam de serviços financeiros. Então ele começou uma empresa com seus irmãos, que posteriormente tornou-se um banco muito grande, o Banco Safra.

O seu livro ressalta a relevância de ele ter sido um outsider.

Sim. No Brasil, ele era libanês. Na Suíça, ele tinha passaporte brasileiro. Em Nova York, ele não era um judeu Ashkenazi, ele era um judeu sefardita. Em Londres, ele definitivamente não era britânico. Até mesmo no Líbano, onde até certo ponto os judeus eram integrados à malha social, eles eram, de alguma forma, outsiders.

edmond safraPor um lado isso é negativo porque as pessoas suspeitam de você, não sabem de onde você vem. Edmond sempre esbarrou com este desafio. Mas ser um outsider lhe ensinou como as coisas funcionam em outros lugares. E, claro, se você trabalha  com finanças internacionais, entender diferentes sistemas é uma grande vantagem.

Onde quer que Edmond entrasse, ele tinha conexões com redes internacionais, e a compreensão de como os bancos funcionam. Seja em Beirute, na Arábia Saudita ou na Suíça. Ele sabia que todos eram diferentes de Nova York, e foi capaz de criar instituições que capitalizaram as diferenças.

Como?

Em Nova York, ele tinha um banco envolvido em empréstimos ao consumidor. Na Suíça, oferecia serviços bancários privados. Mas no Brasil, ele focava no corporate bank para atender empresas multinacionais que estavam chegando ao Brasil na época.

Ser um outsider lhe ensinou que, se você quer trabalhar entre culturas, países e fronteiras, você precisa se sentir confortável. Edmond falava sete idiomas, você podia colocá-lo com os Rothschild em Londres, com sefarditas no Brooklyn, com os locais no Brasil, e ele se sentia bem com todos.

Você sublinha no livro que a visão dele sobre os bancos também era diferente de seus contemporâneos. Por que?

Porque sua primeira obrigação era proteger o depositante. E isso veio de sua herança na Síria e de Beirute, onde não havia Banco Central, nem seguro de depósito. Ele dizia aos depositantes: “Vou garantir que esteja aqui quando você precisar. Seja por guerra, caso você acabe refugiado, ou se algo terrível acontecer. Isso é a responsabilidade do banqueiro.”

Ele tinha total desinteresse pelo jeito americano de emprestar. Seja cartão de crédito, carros ou hipotecas, o chamado financiamento ao consumidor, onde cobra-se uma taxa de juros alta e perde-se uma certa quantia. Edmond enxergava essa lógica invertida. Ele gostava de ter muitos depósitos porque ele investia cautelosamente, e ganhava mais.

Para quem ele fazia empréstimos?

Ele só emprestava dinheiro para conhecidos, porque devolver um empréstimo era questão de honra para a família. Ao adquirir  depósitos nos EUA, vindos de clientes de classe média em Nova York, no Republic Bank, ele não os colocou em cartões de crédito e hipotecas.

Ele emprestava 50 milhões de dólares ao Banco Central da Venezuela, que na época sempre pagava sua dívida, e também ao Banco Central das Filipinas, para empréstimos que eram garantidos pelo Banco Mundial ou pelo Eximbank. Esses empréstimos pagavam uma taxa de juros mais baixa, mas o pagamento era garantido, então ele não perdia o sono com isso.

E isso foi fundamental. Seus bancos tinham capital aberto. O Republic Bank abriu seu capital em 1971, então a cada trimestre você podia ver como ele ganhava dinheiro. Seus bancos quase não tiveram perdas de crédito. Nos EUA, as perdas de crédito são aceitáveis. Você apenas tenta mantê-los abaixo de um certo nível. Edmond tinha zero intenção de ter perdas de crédito. Essa é uma diferença muito grande.

Seus bancos não emprestaram muito dinheiro, tinham baixa alavancagem, mas eram muito lucrativos. Ninguém conseguia entender como ganhar tanto dinheiro no setor bancário sem ser imprudente ao conceder empréstimos. Porque é assim que você ganha dinheiro.

E quem quisesse empréstimo tinha que olhar nos olhos dele? 

Ouvi inúmeras histórias assim. Ele administrava três bancos com um bilhão de dólares, e se alguém queria uma linha de crédito de 2 milhões de dólares, ele fazia questão de sentar para um almoço, ou conhecer a pessoa em seu escritório. É assim que ele avaliava o risco de crédito.

Edmond levava o sucesso de seus clientes para o lado pessoal. Ele tinha interesse genuíno em suas vidas. Milhares deles, claro, eram estranhos. Mas muitos milhares eram pessoas que ele conhecia, seja porque eram judeus, porque eram ligados a Aleppo, eram libaneses, ou o conheciam de Beirute, Genebra ou de qualquer um dos muitos outros lugares que ele chamava de lar.

Edmond foi uma figura paterna para seus irmãos mais novos, Joseph e Moïse. Como era a relação entre eles no final de sua vida?

O combinado era Joseph e Moïse tomarem conta dos negócios no Brasil e o Edmond no restante do mundo. Mas o Banco Safra acabou expandindo suas operações para Nova York e Europa. Os irmãos construíram seu próprio negócio e tiveram filhos. Neste contexto, tratava-se de um negócio familiar.

O Banca Safra é privado. Os bancos de Edmond na Suíça e Nova York eram de capital aberto. Edmond possuía 30%. Mas o restante das ações estava em poder do público, qualquer um podia comprar ações.

Mas Edmond não teve filhos biológicos. Mesmo o banco sendo de capital aberto, ele o via como um negócio de família e relutava em selecionar CEOs e transferir o controle dos bancos. No final dos anos 90, Edmond foi acometido pela doença de Parkinson e não conseguia mais administrar como de costume: de manhã, ele estava no telefone com a Ásia, depois com a Europa, e à noite com os EUA. Era um esquema 24 horas por dia, 7 dias por semana. Ele dirigia todas essas instituições.

Edmond chegou a anunciar que estava saindo, e esperava-se que seus irmãos iriam se envolver, especialmente Joseph, de quem Edmond escutava conselhos. Esperava-se que ele se tornaria CEO do Republic Bank. Em parte, porque o Banco Safra já era um empreendimento grande e bem sucedido. E em parte porque administrar um banco em Nova York, de capital aberto, é um elenco de personagens totalmente diferente. Então Joseph teria que passar muito tempo lá.

Por alguma razão, eles não conseguiram chegar a um acordo. Então, Edmond decidiu vender “seus filhos”. “Vou vender meus bancos e assim não terei que me preocupar com sucessão”. Ele vendeu todos em cash porque não queria ter ações de mais ninguém. Isso aconteceu em 1999, e ele morreu em dezembro daquele ano.

Ele teve uma enorme veia filantrópica, ajudando comunidades judaicas pelo mundo e fundações como a Michael J. Fox, focada na pesquisa da cura de Parkinson. De onde veio isso?

Em Alepo e Beirute, a comunidade judaica tinha um conselho comunitário formal, com presidente, secretário e um tipo de imposto anual: quem estivesse bem de vida, pagava uma quantia para sustentar a sociedade funerária, dotes de casamento para as meninas órfãs, e demais contas. E os Safra estavam entre as principais famílias.

Quando eles saíram da Síria e Beirute, essa infraestrutura desapareceu, mas Edmond seguiu com a tradição, agindo como uma instituição de um homem só, um guardião da diáspora judaica sírio-libanesa. Essa parte da história me fascina. Ele sempre viu a conexão entre sucesso profissional e a doação de dinheiro.

Sempre que judeus sefarditas, fosse no Brooklyn ou São Paulo, se reuniam para construir uma sinagoga ou centro comunitário, eles o procuravam. E ele dizia algo como: “Bem, vocês precisam de US$ 300 mil. Faço um empréstimo. Assinem aqui dizendo que vocês vão pagar de volta.” E eles respondiam: “Bem, não podemos pagar de volta. Não temos esse dinheiro.” Edmond então dizia: “Tudo bem. É o princípio. Façam o que puderem.” E dava o dinheiro.