Nesta quarta-feira, 17 de julho, o País terá o desfecho de uma das questões de maior impacto para as contas públicas, e consequentemente para a economia nacional.
É quando expira o prazo dado pelo Supremo Tribunal Federal para que o Governo e o Congresso encontrem medidas capazes de compensar a renúncia de receita resultante da prorrogação – pela enésima vez – da desoneração da folha, que deveria ter expirado no final do ano passado mas acabou prorrogada por decisão do Legislativo.
Nos últimos anos o País vem testemunhando um fortalecimento do Poder Legislativo sem precedentes, com um protagonismo cada vez maior do Congresso na definição das medidas que compõem a política fiscal e na própria execução do orçamento público.
O problema é que, ao exercer esse papel, nossos congressistas na maioria das vezes simplesmente ignoram o conjunto de regras legais destinadas a garantir o equilíbrio das contas públicas – muitas delas, ironicamente, votadas e aprovadas por eles próprios.
A mais basilar dessas normas funda-se na noção singela de que alterações legislativas que criem ou aumentem despesas públicas – ou, ainda, impliquem redução de receita – devem ter seus impactos orçamentários adequadamente estimados, e sua fonte de custeio detalhada.
Nada disso, porém, evitou que no apagar das luzes de 2023 o Parlamento deixasse a responsabilidade fiscal de lado para novamente prorrogar o prazo de validade da medida – desta vez, até o final de 2027 – a um custo estimado de R$ 18 bilhões/ano entre a desoneração das empresas e das prefeituras.
Em termos práticos, a desoneração consiste na redução brutal da contribuição previdenciária devida por 17 setores da economia supostamente intensivos em mão-de-obra – muito embora sejam agraciadas pela benesse até mesmo (e talvez principalmente, dada a força de seu lobby) empresas jornalísticas, que certamente não estão entre as que mais geram empregos no País.
Concebida originalmente no Governo Dilma para combater a informalidade em setores ligados à tecnologia da informação, a desoneração da folha foi ganhando musculatura e se expandindo nos anos seguintes de forma desordenada e pouco criteriosa, um roteiro bastante comum neste País.
É, na prática, um benefício dado sem qualquer contrapartida – e, pior, sem sequer uma medição de sua eficácia enquanto política pública.
Segundo o IPEA, entre 2012 e 2022 o conjunto de setores beneficiados pela desoneração reduziu sua participação no total de ocupados no País de 20,1% para 18,9%, bem como no total de empregos formais no setor privado, de 22,4% para 19,7%.
Enquanto as empresas privadas de outros setores geraram 1,7 milhão de novos empregos com carteira (um crescimento de 6,3%), aquelas beneficiadas pela medida cortaram 960 mil vagas (redução de 13%).
De lá para cá, todos os governos, à esquerda ou à direita, buscaram de forma mais ou menos incisiva acabar com a farra, esbarrando sempre na resistência obstinada do Congresso. No mais recente capítulo da saga, o STF foi acionado pelo Executivo para resolver o conflito e declarar que a manutenção da desoneração fere as normas da Constituição, que impõe o equilíbrio das contas públicas.
Agora o STF, após suspender a medida, deu um prazo para que Governo e Congresso possam avançar em um diálogo institucional “na busca de soluções mais adequadas para a preservação do equilíbrio orçamentário e fiscal.”
Nos últimos dias, o Presidente do Senado – talvez o mais poderoso defensor da desoneração – ficou procurando aquele dinheiro esquecido no bolso da calça, itens como repatriação de capitais, IR sobre reavaliação de imóveis, REFIS de multas de agências reguladoras – enfim, itens não-recorrentes, tapa-buracos medíocres – tudo para não “reonerar” os 17 setores da economia que são, digamos, melhores que os outros.
E como todas as ideias do Executivo envolvem aumentar a carga do setor produtivo – a última é o aumento da CSLL em 1% – nada indica que nossos funcionários no Executivo e no Legislativo serão capazes de chegar a um consenso e produzir as medidas necessárias para cobrir o buraco da desoneração.
Melhor assim.
O pilar de um sistema democrático é a isonomia – incluindo a tributária. Ao escolher setores para receber benefícios, o Legislativo opera de maneira injusta. Por que televisão tem incentivo e clínica médica não tem?
A melhor e mais simples solução que se pode dar a este tema é a derrubada da desoneração, com o restabelecimento da contribuição previdenciária, o mesmo regime a que está sujeita a esmagadora maioria das empresas do País. Qualquer solução “miraculosa” que destoe disso passará inevitavelmente pela transferência dessa conta a terceiros – brasileiros sem tanto poder de lobby.
Além de pôr fim a uma política escancaradamente ineficiente – e que impõe à Previdência um custo insuportável – ao revogar a desoneração o STF sinalizaria aos demais Poderes que a sustentabilidade fiscal é um dever de todos.