Uma emissão de bônus de subscrição anunciada pelos controladores da Gol pode diluir os minoritários em mais de 70%, causando indignação entre os investidores da companhia aérea.
Desde que a operação foi anunciada, há uma semana, as ações preferenciais da Gol caem 18%.
“É uma das operações mais nefastas em termos de governança corporativa que vi nos últimos anos,” disse uma fonte, lembrando o histórico turbulento da Gol com seus minoritários.
“Para mim, eles vão fazer na Gol o que fizeram com a Smiles. Sangraram a Smiles e depois fecharam o capital dentro da Gol pagando muito pouco. Agora, aparentemente, querem sangrar a Gol e fechar o capital na Abra,” disse um gestor.
A Abra é holding criada no início do ano pelos donos da Gol e da Avianca — os fundos Elliott, Kingsland e South Lake — para controlar as duas empresas aéreas.
Em fevereiro, a Abra anunciou um investimento de até US$ 451 milhões na Gol e a recompra de US$ 1,1 bilhão em bonds, que estavam negociando no mercado secundário com um desconto de 30% sobre o valor de face. Em troca, a Abra recebeu da Gol senior secured notes no valor de US$ 1,2 bilhão, passando a ser uma credora da companhia e concentrando metade da dívida.
Como a controladora tem 100% do capital votante da aérea, a operação pôde ser aprovada pelo conselho de administração, sem uma assembleia de acionistas.
Nessa transação, a Abra também ficou com a opção de trocar as senior secured notes que recebeu por exchangeable senior secured notes. Ou seja, poderia optar por trocar uma dívida financeira por outro título, conversível em ações. No último dia 14 ela anunciou as condições dessa conversão – enfurecendo investidores e derrubando a ação.
A Gol vai emitir até 1,891 bilhão em bônus de subscrição (warrants) de ações preferenciais.
O preço de emissão do warrant é de R$ 5,84; e ele dá o direito de subscrever um aumento de capital pagando um R$ 5,82 por ação PN da Gol.
Assim, se quiser aderir à operação para não ser diluído, o minoritário vai ter de desembolsar R$ 11,66 por ação (R$ 5,82 + R$ 5,84), valor acima do preço de tela de Gol no dia do anúncio da operação (R$ 9,34) e hoje (R$ 7,64).
A conversão poderá ser feita até 2028, o prazo de vencimento da dívida.
O acionista da Gol terá o direito de subscrever 4,5 bônus de subscrição para cada ação PN que detiver na empresa – essa é a relação necessária para que o acionista mantenha a mesma participação atual na empresa.
A controladora já disse que vai subscrever o total de bônus de subscrição a que tem direito – 991,951 milhões – e esse também é o mínimo necessário para que a operação vá adiante.
Se somente a Abra fizer a conversão nesse total, o que é muito provável, a diluição para os minoritários será de 70,32%, e a participação de controle subirá de 53,88% para 86,58%, amassando o free float para 13,38%.
“A controladora capitalizou a empresa, mas em vez de receber juros ao longo do tempo por isso, está querendo diluir brutalmente o minoritário,” resumiu um analista do buyside.
No fato relevante, a Abra também disse que vai ceder gratuitamente parte de seus direitos de preferência na subscrição para uma subsidiária da Gol, a GOL Equity Finance. Gestores e analistas do buyside não entenderam exatamente o porquê da cessão – e se queixam que a empresa vem divulgando comunicados herméticos e não tem atendido os pedidos de esclarecimento.
“Eu entendi que a controladora está dizendo que a Gol Finance Equity não pagará o R$ 5,84 (preço de emissão), ele vai pagar apenas os R$ 5,82 (exercício). mas não está claro,” disse um gestor.
Os acionistas têm até 26 de setembro para decidir se acompanham ou não a operação.
A Evercore está assessorando a administração da companhia, e a Apsis emitiu uma fairness opinion confirmando o cálculo utilizado para o preço do bônus.
A Gol não se manifestou.
UPDATE: A Gol enviou a seguinte nota ao Brazil Journal na manhã de 22 de agosto.
“A GOL informa que realizou ampla divulgação publicamente sobre a intenção da Abra em adquirir titulos permutaveis de Exchangeable Senior Notes quando foi concluída a reestruturacao da divida mediante a emissão dos Senior Secured Notes com vencimento em 2028, sendo inclusive objeto de fato relevante no dia 3/mar/23. Naquela ocasião, já havia sido divulgada a futura conversão em títulos conversíveis em que a Companhia, seguindo todos os requisitos necessários e previstos pela legislação brasileira, incluía ofertar direito de preferência por meio da emissao dos bonus de subscrição para que todos os acionistas possuam os mesmos termos para participação.
O aumento do capital social autorizado também foi objeto de deliberação em Assembléia Geral Extraordinária.
Vale destacar que o acionista controlador irá também participar pelo mesmo preço de total de exercício + aquisição de bonus de subscrição de R$11,66 para exercer futuramente a conversibilidade. Ou seja, as condições são iguais para todos os acionistas que desejem adquirir o bonus de subscrição de R$5,84 e que tenham direito de realizar o exercício até a data de vencimento da dívida em 2028.
Quanto a estrutura que consiste na cessão dos bônus para a Gol Equity Finance, ela não é nova pois segue exatamente o mesmo processo que foi utilizado por mais de duas vezes no passado em que já foram emitidos titulos permutáveis (em 2016 e 2018).