O mercado de gestão de fortunas está ficando cada vez mais competitivo no Brasil, com players como XP e BTG financiando novas plataformas independentes.
Mas o Julius Baer – um dos líderes desse mercado no País – acha que esse crescimento tem um limite.
“Obviamente, essas plataformas podem criar uma relação de confiança forte com o cliente, mas num mundo onde as exigências estão se tornando mais e mais complexas, cada vez maiores e cada vez mais internacionais, eu acho que tem um limite até onde essas gestoras independentes podem ir para servir seus clientes,” o CEO global da empresa, Philipp Rickenbacher, disse ao Brazil Journal.
Com R$ 70 bi sob advisory, a operação brasileira é uma das 10 maiores do Julius Baer e tem crescido a uma taxa média composta de dois dígitos nos últimos cinco anos.
O Julius Baer entrou no Brasil em 2011 com a compra de uma participação na GPS; cinco anos depois, chegou a 100% do capital. Em 2018, comprou a Reliance – uma outra distribuidora independente – e juntou os dois negócios.
Hoje, o Julius Baer tem duas verticais no Brasil: o Family Office, uma operação multi-custódia, e o chamado Advisory Office, que opera com a custódia na plataforma do Julius Baer na Suíça.
Philipp conversou com o Brazil Journal sobre a competição, o cenário global e M&As.
Qual a sua perspectiva para o mercado de wealth management globalmente neste ambiente de alta volatilidade e taxas de juros subindo?
Eu diria que a gestão de patrimônio é mais necessária do que nunca. Se você olhar a quantidade de players, a quantidade de investimentos que estão migrando para o wealth management, fica claro que essa é uma indústria muito, muito atrativa.
Esse é um modelo [de negócios] que não é dependente apenas de condições de mercado. É um modelo que funciona em momentos de calmaria e que, obviamente, também funciona quando as coisas ficam difíceis lá fora. Agora, obviamente, as coisas estão bem difíceis com o que está acontecendo em termos geopolíticos – o mundo saindo da covid e entrando numa situação de guerra na Europa – e com a economia num cenário de inflação global.
O que está acontecendo com o portfólio médio dos clientes de vocês no último ano com o Fed dando cada vez mais sinais de que vai subir as taxas e com tudo que temos visto no mercado de ações? O que os clientes estão fazendo?
Essa é uma declaração mais generalista porque é claro que existem especificidades locais, mas o core do nosso aconselhamento para os clientes globais é sempre começar com uma alocação diversificada dos ativos. É a alocação dos ativos que gera uma performance consistente de longo prazo e aconselhamos fortemente nossos clientes a construir portfólios bem diversificados, portfólios que possam gerar retornos em mercados tradicionais mas que também tenham uma gestão de risco apropriada contra eventos específicos.
Obviamente, a alta dos juros e a queda dos valuations das ações está pressionando todo mundo. Mas você tem que ajudar o cliente a continuar com os investimentos em equity. Os portfólios se beneficiam muito disso, e estão apenas sofrendo no curto prazo.
Mas temos diferentes tipos de clientes. Temos aqueles que têm uma aversão grande a risco e estão olhando apenas para a preservação do capital, e aqueles mais agressivos, que investem em apenas uma classe de ativos ou tem um portfólio concentrado em um país com uma volatilidade muito maior.
Você disse que durante a covid você ajudou os clientes a continuarem investidos como eles deveriam. Nesse momento, você tem aconselhado eles a reduzir a exposição a risco?
Temos estado mais cautelosos desde o início de 2022. Mas não vamos aconselhar os clientes a simplesmente sair de algum investimento. Eu acho que essa não é a coisa certa a fazer, muito menos num momento onde a inflação está começando a subir.
Por outro lado, também não falamos para os nossos clientes dobrarem a aposta quando o mercado está indo bem. Especialmente nessa situação, o risco político tem um papel muito grande no universo dos investimentos, maior até que o desenvolvimento da economia. E é muito muito difícil jogar com sucesso num ambiente de risco político.
Então, a gente pediu aos nossos clientes para observar mais e aconselhamos alguns clientes a se desalavancar. Achamos que isso faz todo sentido. Queremos que nossos clientes preservem seu capital e seu poder de fogo. E acho que temos conseguido mantê-los numa forma muito boa para se beneficiar quando a névoa da guerra se dissipar.
Como a maior plataforma de wealth management independente do Brasil, vocês têm visto uma competição agressiva dos bancos locais?
Posso falar da competição global. Eu acho que o wealth management é um setor muito competitivo. Mas conseguimos criar nossa história de crescimento e nossa história de sucesso nos últimos 15 anos na esteira desses grandes espaços em branco que ninguém queria entrar.
Nossa franquia na Ásia, por exemplo, começou essencialmente do zero no início dos anos 2000 e hoje está consistentemente no top 5 dos wealth managements da região. Isso aconteceu num mercado muito muito competitivo.
Eu realmente acho esse tipo de competição saudável, porque nos ajuda a nos manter focados e a nos diferenciar. Eu acho que a gente tem um modelo de negócios muito diferenciado, um pure play no wealth management, diferente dos grandes bancos integrados, que tem modelos de negócios mais desafiadores e que geram distrações. Além, é claro, de conflitos de interesse.
Já em comparação com os players pequenos, eles não têm o footprint internacional que a gente tem, não tem a profundidade e amplitude que temos, e não tem as soluções e o balanço que a gente consegue trazer para a mesa.
Acho que temos sido bem sucedidos – não apesar, mas por causa – da competição em todos esses mercados.
Você falou mais sobre a competição global. E a competição no mercado local?
Fernando Vallada, presidente do Julius Baer Brasil: Basicamente, temos três tipos de players no mercado doméstico: os bancos tradicionais, os wealth managements e multifamily offices (como o Julius Baer) e as corretoras, que têm esse novo estilo e footprint digital. É claro que quando estamos competindo por um cliente, isso depende da categoria, do que o cliente está buscando…
Você mencionou três tipos de competidores: bancos, wealth management e corretoras. Nunca pensei nas corretoras como concorrentes de vocês, porque elas dialogam com um público mais de varejo, ainda que elas tenham operações de nicho. Minha impressão era que as plataformas independentes que estão sendo criadas com executivos deixando o Credit Suisse, por exemplo, e a XP colocando dinheiro, eram seus reais competidores. Estou errado?
Fernando Vallada: Esse é um bom ponto. Quando eu mencionei corretoras, eu estava me referindo mais a esses gestores de recursos independentes conectados às grandes plataformas.
Philipp: Na realidade a gente trabalha com algumas dessas gestoras independentes e empresas menores capacitando-os e sendo o banco de custódia de alguns deles. Eu olho para eles mais como complementares do que como uma competição.
Eu não acho que eles podem competir. Obviamente eles podem ter uma relação de confiança forte com o cliente, mas num mundo onde as exigências dos clientes estão se tornando mais e mais complexas, cada vez maiores e cada vez mais internacionais, eu acho que tem um limite até onde essas gestoras independentes menores podem ir para servir seus clientes.
Além disso, há essas múltiplas pressões regulatórias. Não sou um expert na regulação do mercado brasileiro, mas minha suposição, pelo meu conhecimento, é que ela está caminhando para convergir com o cenário global. Acho que a pressão regulatória sobre as gestoras menores vai aumentar e reduzir suas possibilidades de realmente servir os clientes numa maneira completamente flexível e aumentar os seus custos dos serviços.
Com isso, eu realmente acredito que eles são um nicho, um nicho relevante e que vai continuar existindo, porque acho que existe um mercado para esse tipo de relação. Mas essas relações não conseguem cobrir 100% das demandas de clientes ultra high net worth.
Eu mencionei o BTG e a XP fazendo investimentos para criar players independentes, por meio de M&As. Vocês enxergam oportunidades de M&A no Brasil, até como forma de reagir a esse cenário dos bancos e corretoras fazendo M&As para competir com vocês?
Eu acho que M&As são parte do ferramental global do Julius Baer, mas não comentamos sobre a estratégia de M&A por país.
Parte da história de crescimento do Julius Baer nas últimas décadas tem sido por meio de M&As, e fizemos algumas transações muito decisivas globalmente. A compra do negócio de gestão de fortuna internacional da Merrill Lynch foi uma delas. Foi uma transação muito grande.
Nosso caminho de crescimento no Brasil também foi feito por meio de aquisições, da GPS e da Reliance. Mas essas são transações de uma natureza mais transformacional, que permitem que a gente ganhe massa crítica e habilidades críticas necessárias para aquele mercado. Esse é o approach que adotamos no passado.
Isso não impede a gente de fazer deals específicos em alguns casos… O que não fazemos é financiar projetos greenfield, como essas corretoras estão fazendo.