A CVM está prestes a decidir se, na Bolsa brasileira, um investidor pode manter ações em nome de terceiros sem ter que assumir sua titularidade.
A controvérsia envolve uma das maiores empresas do Brasil (a Gerdau), uma série de investidores (gestores de fundos de ações), e, acima de tudo, uma regra cujo esclarecimento terá repercussão para diversas outras empresas e para a saúde do mercado de capitais como um todo.
A Metalúrgica Gerdau controla a Gerdau SA com uma participação que chega a 82% das ações com direito a voto da empresa — as ações ON — incluindo aí ações detidas diretamente pela família Gerdau Johannpeter. Pela Lei das SA, se o controlador comprar mais de um terço das ações da controlada em poder do mercado (o chamado ‘free float’), ele tem que fazer uma oferta para comprar todo o resto daquela classe de ações. (A lei obriga o controlador a fazer esta oferta para proteger o acionista minoritário, que poderia ficar num papel sem liquidez.)
Em 8 de dezembro do ano passado, com a ação ON da Gerdau negociando a 8,24 reais, a BNDESPar (braço de investimentos do BNDES) resolveu exercer uma opção que lhe dava direito de vender um lote de 6% das ações — as ‘GGBR3′ — por 29,97 reais cada para a Metalúrgica.
Para a BNDESPar, a operação era ótima, mas para a Metalúrgica, era um problema: ao comprar as ações, a Metalúrgica Gerdau teria adquirido mais de 1/3 das ON da Gerdau em circulação, o que, pela Lei das SA, a obrigaria a fazer uma oferta por todas as outras GGBR3 — uma conta que hoje sairia na casa de um bilhão de reais.
Para evitar isso, a Metalúrgica fez um contrato com o BTG Pactual pelo qual o banco vai carregar as ações em seu balanço em troca de receber uma remuneração igual ao CDI + 1% ao ano por um período de três anos. A Metalúrgica continuará exposta à variação de preço nas GGBR3, e acertará a diferença com o banco periodicamente. Esse contrato, conhecido como ‘total return swap’, é uma operação absolutamente comum no mercado, mas, neste caso, serviu para evitar que a Metalúrgica ultrapassasse o limite imposto pela lei e tivesse que fazer a oferta.
Há algumas semanas, fundos de investimento que são minoritários da Gerdau enviaram uma reclamação à empresa, dizendo que a Metalúrgica havia atingido uma participação acionária na Gerdau que a obriga a fazer uma oferta pelas ONs remanescentes. A CVM foi copiada, mas ainda não se manifestou.
“Nos EUA, as ações objeto de um swap destes são consideradas como ações do controlador,” diz um gestor que acompanha o assunto de perto e que tem ações tanto da Metalúrgica quanto da Gerdau SA. “Se a CVM decidir que você pode comprar ações por swap e não admitir ser o dono, isso abre espaço para todo tipo de operações que violariam a Lei das SA.”
No limite, “você vai poder fechar o capital de uma empresa com swap, vai evitar ficar desenquadrado no Novo Mercado usando swaps, e vai poder driblar a obrigatoriedade de certas ofertas, as [chamadas] ‘poison pills’, usando swaps. As ofertas públicas não vão mais existir se você puder usar os swaps para fazer o que quiser.”
Quando a BNDESPar exerceu sua opção de venda, a Gerdau divulgou um fato relevante notando que o BNDES havia vendido sua posição, e o BTG, comprado. Para quem olhasse de fora, era como se o BTG tivesse decidido se tornar um acionista da empresa. Já a Metalúrgica Gerdau, nas notas explicativas de seu balanço, mostrou ao mercado que contratou o BTG para uma operação financeira em que o banco prestava-lhe o serviço de carregar as ações.
Hoje, a ação ON da Gerdau negocia a cerca de 7,40 reais, enquanto a PN negocia a 9,40. A diferença enorme de preço só tem uma explicação: a baixa liquidez das ONs, que torna impossível para grandes investidores entrar e sair do papel. (Apenas 11,5% das ONs estão em poder do mercado.)
Se a Metalúrgica for obrigada a fazer uma oferta por estas ações, ela terá que pagar o valor econômico — uma conta que tenta determinar o valor da empresa usando projeções de seu fluxo de caixa no futuro. Gestores argumentam que o valor econômico das ONs deveria ser próximo da média das estimativas dos analistas que cobrem a empresa, que hoje é de 13,61 reais por ação. Usando este número, a conta para a Metalúrgica ficaria em 900 milhões de reais.
Mas a Metalúrgica não precisaria gastar seu caixa. A empresa tem 252 milhões de ações PN da Gerdau, que valem 2,4 bilhões de reais. Se vender 66,2 milhões de ações (26,2%) destas PNs no mesmo preço que pagar pelas ONs — ou se vender 95,7 milhões de ações PNs ao preço de hoje — ela poderá recomprar as ONs sem desembolsar nenhum centavo.
A Gerdau disse à coluna que está confiante de que a operação não gera a necessidade de uma oferta.