No início da semana, o CEO da Ambev circulou um email interno falando do progresso da companhia em inovar. Com o título “Estamos rejuvenescendo”, o texto de Jean Jereissati focava na criação e no lançamento da Brahma Duplo Malte.
O email vem num momento em que a Ambev deixa para trás um modelo obcecado por custos, reconhece a fragmentação do mercado e da mídia e abraça novos processos e atitudes para tentar voltar a crescer.
Abaixo, a íntegra do email:
Em 2018, quando estava fechando meu ciclo como presidente da AB InBev na Ásia, convidei a Joey Wat, presidente da Yum China Holdings e ex-CEO da rede KFC na China, para falar ao conselho da AB InBev sobre os dilemas e sucessos da companhia que ela comandava. O KFC é um fenômeno por lá.
Entre novas receitas, lançamentos e processos de inovação, ela contou a história do Okinawa Sea Salt Milk Ice Cream, um novo sorvete de casquinha premium vendido aos montes no KFC asiático.
Ele é cremoso à terceira potência graças a uma quantidade maior de gordura do que a do sorvete tradicional. E ele é feito à base de um leite vindo do Japão (que é reconhecido pelo padrão de qualidade de seus produtos), com uma receita especial que refletia a tendência da mistura do sal com o doce, como os sofisticadíssimos caramelos salgados. A casquinha é um cone escuro, e o sorvete em si, um pouco azulado, remetendo às férias com o mar azul de Okinawa, um dos lugares mais badalados do verão japonês e do asiático.
Que saudade daquele sorvete. Era pura indulgência.
Logo que cheguei ao Brasil, usei esse exemplo em uma conversa com a turma de vendas. Queria uma companhia que tivesse novas competências e capacidades para inovar – e me inspirava nos elementos que criaram esse sorvete inesquecível.
Inovação, para mim, deriva de um mix:
– Um pouco de arte, afinal, o consumidor nunca vai dizer exatamente o que ele quer.
– Técnica, para fazer os ajustes corretos ao longo da concepção.
– A paixão pela alquimia de uma receita única, aquela que dá água na boca só de lembrar.
– A exigência por ingredientes exclusivos e superiores.
– Fazer projetos-piloto e mudar o que for preciso para deixar o consumidor desejando aquele produto.
– Criar um ecossistema formado por clientes e fornecedores que também compartilham do valor gerado pelos novos produtos.
– Deixar a demanda andar na frente da produção.
– Sorte, afinal, todo grande sucesso também conta com ela.
– E tempo… Menos ansiedade e mais paciência. Tempo para honrar o ócio necessário de que a arte precisa para fluir. Para que os pilotos cumpram o papel de serem períodos de testes, não como o começo de um desdobramento. Para cometermos erros e jogarmos vários testes fora antes de achar o ponto. E, principalmente, para respeitarmos os ciclos e o tempo do consumidor.
Demorou para essa mistura começar a fazer sentido por aqui. “Ele está completamente maluco”. Li essa frase no rosto de muitos depois daquela conversa. E, um ano mais tarde, tive a confissão de um amigo aqui da Ambev de que as pessoas realmente me acharam maluco naquela conversa.
Sempre fomos as pessoas que não tinham tempo a perder. E o processo que eu propunha parecia que iria nos tomar anos sem ser eficiente. “Você está dizendo que faltar produto é bom?”, me questionavam. Além disso, propunha uma mudança em um eixo clássico: priorizar a busca pela bebida mais desejada pelos consumidores, e não mais a fabricação de um grande volume. O choque é natural. Afinal, aqui na Ambev, onde estou há 22 anos, a gente aprende a pensar grande, a produzir em escala, a buscar a excelência, a não ter ruptura.
Hoje, 18 meses depois daquela conversa, atingimos um marco importante. Nossa participação de mercado na cesta de novos produtos que foram lançados nos últimos três anos é maior do que nossa participação total no Brasil. Estamos rejuvenescendo. E o mais legal é que estamos fazendo isso todos juntos. Vocês abraçaram de forma surpreendente as mudanças, e nós voltamos a lançar tendências, a abrir o caminho e a criar os próximos assuntos.
Essa é uma conquista de todos nós. E ela se deve a uma companhia que está mais criativa, como eu nunca havia visto antes. Uma empresa que trabalha sem silos nem melindres e que eleva a própria barra diariamente. Um time de inovação com 200 pessoas a mais do que quando cheguei e que conta com a ajuda de toda a companhia. Uma organização mais ágil, criativa e aberta ao novo.
A Brahma Duplo Malte talvez tenha sido o nosso produto que mais seguiu essa nova cartilha. Digo isso com o risco de estar sendo injusto com a Beats GT, que também foi concebida a partir da nova mentalidade. Mas a Duplo Malte seguiu a cartilha completa.
Ela é cremosa à terceira potência graças a uma retenção maior da proteína de malte do que a da cerveja tradicional (que o nosso conhecimento cervejeiro e os nossos processos de fabricação modernos nos permitiram conseguir). Um líquido dourado ouro, encorpado, e uma espuma resiliente, com uma receita especial que combina a refrescância do Malte Pilsner com o sabor do Malte Munich – ambos marcando no gosto mais do que o lúpulo. A embalagem é elegante, bordô, e me remete às memórias das melhores experiências que já tive, me fazendo sonhar em poder botar um chapéu de novo e seguir para Barretos.
Que delícia. É puro desejo.
A Duplo Malte enfrentou resistências e medos. Mas ela foi mais forte. Ela questionou nossas certezas, que pareciam sempre definitivas. Ela ouviu muitos nãos em diversas reuniões. Ela venceu nossa experiência, que soava constantemente certeira. A Duplo Malte venceu a hierarquia corporativa. Ela nos permitiu errar. E só fez isso porque ouviu o consumidor.
Quando as pessoas falavam de um só “puro”, ela veio em dobro. Ela teve sorte de ter lives em seu caminho, que a fizeram ficar conhecida por muita gente. Ela nasceu em uma companhia que está apostando em entreter, não em interromper. A Duplo Malte seguiu a cartilha e, principalmente, o tempo de maturação dela. E vale lembrar: a Duplo Malte passou por tudo isso e ainda foi lançada no meio da pandemia da COVID-19. A Duplo Malte foi simples, mas nada simplista.
Na apresentação que fez ao conselho da AB Inbev, a Joey Wat contou que sua equipe não dava conta da demanda pelo novo sorvete. As pessoas faziam fila para comprar. E ele sempre acabava em algum momento da semana.
Quando isso acontecia, os atendentes, educadamente e com um sorriso no rosto, pediam desculpa aos clientes que não conseguiam provar o sorvete naquele dia.
“Sorry, já estamos comprando todo o leite das vaquinhas do Japão. Mas volte, quem sabe amanhã teremos”.
Hoje, fico feliz de ver vocês menos tensos e estressados porque está faltando Duplo Malte – só o Soufen que brinca comigo dizendo que está perdendo os cabelos. Vocês estão empolgados em não encontrar a Beck’s em todos os lugares, até porque a gente não vende para todo mundo. E estão muito tranquilos em ver a Beats GT aparecer só de vez em quando. Vejo vocês com sorrisos largos no rosto e acredito que é porque estamos juntos fazendo essa transformação e estamos construindo a história do jeito certo.
Obrigado! Vamos com tudo! Conto com vocês!