A epidemia do coronavírus traz muitos riscos para o crescimento do PIB este ano. 
 
10887 40e28d7a b493 dfd5 011f 7a43b255fa21Há muita incerteza sobre a extensão dessa crise, mas não restam dúvidas de que o contágio é inevitável. Caso a economia brasileira estivesse em melhor forma, com vigor de investimentos, seria mais fácil navegar nas águas mais turbulentas.

Por isso, e na esteira de um resultado mais magro do que o esperado no PIB de 2019, o mercado tem reduzido sensivelmente as projeções para algo na casa de 1,5%.

Os canais de contágio são vários, do lado comercial e financeiro, e se retroalimentam. Um exemplo: os preços das commodities caem, bem como o volume exportado; o setor sofre e perde a capacidade de atrair o investimento estrangeiro, já prejudicado pela piora do humor do investidor global.  La nave va.

O momento não é para grandes convicções. De qualquer forma, avalio que um crescimento mais próximo de 2% continua factível. 
 
Sem cair no erro de muitos analistas, que atribuem poder excessivo a uma Selic baixa para estimular a economia — subestimando as fraquezas estruturais do Brasil, especialmente depois de uma grave crise — é importante reconhecer que a política monetária vem ganhando potência com o aumento das concessões de crédito e das operações no mercado de capitais.

Certamente será um crescimento puxado pelo consumo das famílias, o que implica um crescimento morno do PIB. O que permitiria um crescimento mais robusto seria a volta vigorosa do investimento, mas ele deverá seguir em recuperação lenta, reagindo às poucas sementes plantadas nos últimos anos, como as concessões de infraestutura, além da retomada do crédito imobiliário.

O caminho do crescimento robusto e sustentado pressupõe reformas estruturais, o que significa que será acidentado. Nem se vislumbram muitas reformas no atual governo, nem se conseguirá colher rapidamente seus frutos. Um exemplo é a reforma trabalhista de Temer, de 2017, que só recentemente começou a impactar a geração de empregos.

Nesse contexto de recuperação do crédito e fraquezas estruturais, o crescimento não apenas é modesto, mas muito desigual entre setores. O consumo puxado pelo crédito corre na frente, enquanto setores da indústria ficam para trás, prejudicando o investimento produtivo. Não será a Selic baixa que irá salvar a indústria e acelerar investimentos, e sim as reformas estruturais. As lideranças da indústria por décadas erraram o alvo das críticas.

O baixo crescimento produz um ambiente econômico mais incerto e, portanto, com oscilações desagradáveis de curto prazo. Por exemplo, após um “Black Friday” aquecido, é natural que o Natal e as vendas de início do ano decepcionem. Uma vez ajustadas as finanças, os consumidores voltam às compras. Poderemos ter boas notícias adiante.

Esses movimentos alimentam também ciclos de estoque de curto prazo, gerando oscilação nos indicadores da indústria.

Esses ciclos de curto prazo, acentuados por eventos transitórios como a liberação do FGTS, recomendam serenidade aos empresários, para não se entusiasmarem em demasia na alta nem tampouco se frustrarem excessivamente a cada piora dos indicadores.

O que mais preocupa, na realidade, aumentando o risco de contágio da crise, é a incapacidade do governo de tocar as reformas de uma maneira efetiva e coerente. Não há uma agenda estruturada de governo. Perdeu-se o segundo semestre do ano passado e este ano começou mal. Ajudaria muito para a atração de investimentos um governo focado nas reformas, estabelecendo prioridades, apresentando as propostas à sociedade e fazendo a boa política no Congresso.

O momento demanda serenidade das lideranças do setor privado e espírito público no apoio às reformas — e exige seriedade e responsabilidade de governantes.
 
Ruídos só aumentarão o contágio.
 
Zeina Latif é consultora econômica.