Elon Musk estava inconformado com seu desempenho em sua própria rede social. Convocou uma reunião da equipe técnica e exigiu que lhe apresentassem uma explicação para a queda de engajamento de suas publicações mais recentes.

Ele esperava que a resposta ao problema estivesse em uma falha nos algoritmos. Mas um engenheiro especializado em machine learning ousou apontar um fator externo: as buscas pelo nome de Musk no Google haviam caído muito desde que o conturbado processo de compra do Twitter se encerrara, meses antes.

Ou seja, talvez as pessoas apenas tivessem perdido o interesse no homem mais rico do mundo. 

Musk não gostou da explicação. “Você está demitido. Demitido!” disse ao engenheiro, que trabalhava há quase dez anos no Twitter.

O episódio se deu em 2023, alguns meses antes do Twitter ser rebatizado como X. E é apenas um dentre vários exemplos da personalidade explosiva de Musk coletados por Kate Conger e Ryan Mac, repórteres de tecnologia do The New York Times, em Limite de Caracteres – Como Elon Musk Destruiu o Twitter (Todavia; 488 páginas; tradução de Bruno Cobalchini Mattos, Christian Schwartz, Marcela Lanius e Mariana Delfini), que chega nesta segunda-feira às livrarias.

Nessa crônica da compra do Twitter, entram as complexidades das grandes fusões corporativas, as intrincadas questões técnicas da gestão de uma rede global e as renhidas batalhas ideológicas em torno da liberdade de expressão. O centro da narrativa, porém, acaba convergindo para as idiossincrasias de Elon Musk. Foi por um capricho que ele decidiu comprar o Twitter, que hoje é em grande medida governado por suas obsessões.

Musk

A história começa em 2015, quando Jack Dorsey, um dos fundadores do Twitter, retorna ao posto de CEO, do qual havia sido afastado sete anos antes. Não chegou a ser um retorno triunfal.

A rede consolidou uma posição tranquila – em 2020, tinha 152 milhões de usuários ativos por dia e estava cotada em torno de US$ 25 bilhões – mas Dorsey não demonstrava um ímpeto inovador para fazer frente a novos concorrentes como o TikTok e o Snapchat.

Em novembro de 2021, Dorsey entregou a chefia do Twitter a um sucessor de sua escolha, o engenheiro Parag Agrawal. Como membro do conselho da empresa, porém, o ex-CEO entusiasmou-se quando um homem que ele admirava apresentou-se para derrubar Agrawal: Elon Musk, o chefão da Tesla e da SpaceX.

A oferta do homem mais rico do mundo foi irrecusável: compraria o Twitter – onde tinha 22 milhões de seguidores – por US$ 44 bilhões. Depois de assinar o contrato, em abril de 2022, Musk, sempre volúvel, quis recuar, alegando que o Twitter não lhe revelara a porcentagem real de bots e contas falsas.

Só em outubro, acossado por um processo na Justiça, Musk finalmente pagou os bilhões prometidos. O Twitter converteu-se em uma empresa de capital fechado, sob seu comando. Agrawal e seus colaboradores mais próximos foram demitidos no primeiro dia.

Limite de Caracteres narra em detalhe as excruciantes idas e vidas das negociações. Mas a melhor parte da história vem em seguida, quando o novo rei e sua corte entram na sede da empresa, em São Francisco.

Musk estava convencido de que o Twitter era dominado por esquerdistas que censuravam usuários da direita. Tinha lá suas razões para pensar assim.

Durante a campanha eleitoral de 2020, o The New York Post publicou uma reportagem indicando que Hunter Biden, o enrolado filho do então candidato Joe Biden, havia intermediado um encontro de um empresário ucraniano com seu pai. A apuração baseava-se em mensagens vazadas de um laptop.

O Twitter derrubou o compartilhamento da reportagem, sob pretextos muito fracos. Esse fiasco foi maior e mais grave do que Kate Conger e Ryan Mac dão a entender no livro. Sob a guarda de Musk, porém, os fiascos seriam ainda mais numerosos e rumorosos.

Um dos primeiros desastres foi a ideia de vender selos de usuário verificados por módicos US$ 8. A novidade levou a uma desastrosa proliferação de perfis falsos. Houve até uma conta fajuta da farmacêutica Eli Lilly prometendo distribuição gratuita de insulina – o que causou uma queda de 5% das ações da companhia naquele dia.

Em seu arrasador programa de demissões, Musk desmontou toda a estrutura de moderação de conteúdo, que ele via como uma central de censura. Como resultado, vídeos de pornografia infantil e imagens chocantes de pessoas sendo espancadas e assassinadas passaram a circular pela rede.

Musk define-se como um “absolutista da liberdade de expressão”, mas sua defesa desse princípio é, como Limite de Caracteres demonstra, seletiva. No Brasil, o X, hoje suspenso, mediu forças com o STF (esses eventos, muito recentes, não constam do livro). Em países como Turquia e Índia, porém, a rede fez amplas concessões à censura do governo.

Musk defende, isso sim, a expressão das ideias com as quais concorda – e vem referendando ideias perigosas na rede onde é dono e soberano. Já deixou até um comentário favorável em um post que propagava uma teoria conspiratória antissemita.

A proliferação de extremistas no X, incentivada por Musk, afasta a principal fonte de receita da rede. Grandes anunciantes, como Apple e Disney, abandonaram o X porque não desejam ver sua marca associada a posts racistas ou neonazistas.

Segundo relatam Kate Conger e Ryan Mac, Musk acreditava que gerir o Twitter seria mais fácil do que produzir carros elétricos ou colocar foguetes em órbita. Mas os problemas de uma rede social são de outra natureza. Não há engenharia capaz de determinar, por exemplo, onde fica o limite entre moderação de conteúdo e censura.

A vocação do X, insiste Musk, é ser “the global town square”. Na aparência, essa é uma ambição democrática. Mas repare no artigo definido: Musk não está oferecendo uma praça ao mundo; ele quer ser dono da praça global.

E ele exige ser ouvido nessa praça única: depois da demissão do engenheiro que o contrariou, um novo código foi inserido no algoritmo do Twitter, para sempre recomendar aos usuários as publicações de Elon Musk.