Nas últimas 72 horas, grandes empresas listadas na Bovespa se movimentaram para saber, em Brasília, se era verdade que o Governo planeja acabar com a dedução da despesa com juros sobre o capital próprio (JCP) da base do Imposto de Renda e tributar dividendos — medidas que, se adotadas, colocariam a proverbial pá de cal sobre o moribundo mercado acionário brasileiro.
Consultando seus lobistas e membros do Governo, a resposta que as empresas obtiveram é de que não há, neste momento, um movimento político para transformar essa proposta em realidade. E mais: ouviram que é improvável que estas medidas sejam votadas ainda este ano, ainda mais dada a dificuldade do Governo em aprovar no Congresso o seu “perdão fiscal” — com lances tão dramáticos que fazem o roteirista de House of Cards parecer um amador.
Ou seja, as chances de que algo mude já em 2015 são remotas.
Desde que o rumor começou a circular na segunda-feira — quando derrubou algumas ações em até 7% — investidores internacionais têm ligado para os departamentos de relações com investidores para saber se o rumor é verdade.
A princípio, a proposta de taxar dividendos e acabar com o JCP parece coisa da cabeça de dois petistas. A proposta está num projeto de lei de autoria dos deputados Renato Simões e Ricardo Berzoini , ambos do PT de São Paulo. Berzoini é o atual ministro de Relações Institucionais.
Ontem à noite, Simões disse à Reuters que a MP “não é uma posição do governo (federal), mas de dois parlamentares. O projeto está em fase bem embrionária de discussão, e os próprios autores entendem que como medida pontual tem muito menos força do que em uma reforma tributária mais ampla”.
Nem o ministro da Fazenda, Guido Mantega, quis se envolver nessa: disse a repórteres que não teve nada a ver com o projeto de lei.
A dúvida deve persistir até que, finalmente empossados, Joaquim Levy e Nelson Barbosa possam ser questionados diretamente.
Apesar das negativas, há motivos para crer que o arrocho aos dividendos — vamos chamar assim — seja uma ideia com apelo muito mais amplo em Brasilia do que apenas a cabeça de dois deputados.
No debate sobre dividendos, é importante diferenciar os dividendos pagos por empresas tributadas pelo lucro real (como as grandes empresas listadas na Bolsa) dos dividendos pagos por pessoas jurídicas constituídas por profissionais liberais que prestam serviços a terceiros (as PJs que sustentam boa parte da classe média).
Ao que tudo indica, os dividendos que o Governo gostaria de taxar são a distribuição de lucros feita por estas últimas, conhecidas como pessoas jurídicas “de caráter personalíssimo”. Pelo sistema atual, os sócios não têm que pagar imposto sobre os dividendos distribuídos porque as PJs já foram taxadas — seja pelo Simples ou pelo lucro presumido.
Historicamente, a Receita diz que os dividendos são taxados na maioria dos países, e sempre propôs um modelo em que parte do dividendo seja taxado na PJ (na alíquota de PJ) e parte ao ser recebido pela pessoa física (nas alíquotas de PF).
Por duas vezes nos últimos dez anos, o Governo tentou mexer na legislação para aumentar a taxação destas PJs. Se isto é algum consolo, em ambas as vezes saiu derrotado.
A primeira vez foi em 2004, quando Levy era secretário do Tesouro e Antonio Palocci estava na Fazenda. A grita contra a MP 232 de dezembro de 2004 foi tão grande que o Estadão a considerou “uma das maiores manifestações do setor privado contra o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.”
Em 2007, o Governo tentou de novo. Mais uma vez, a sociedade pressionou e ganhou a parada. Nada menos que 61 dos 81 senadores assinaram uma emenda do Sen. Ney Suassuna que proibia fiscais do trabalho de classificar as PJs de caráter personalíssimo como uma “relação de CLT disfarçada”. Na época, o secretário-adjunto da Receita era Carlos Alberto Barreto, hoje o secretário da Receita.
Como é difícil distinguir as PJs que foram constituídas apenas para reduzir a carga fiscal do contribuinte das outras, outros países adotaram uma regra de bolso: 30% do resultado é taxado na alíquota de PJ, e 70% na alíquota de PF.
Quanto ao JCP, muitos formuladores de políticas públicas o consideram uma “jaboticaba” — algo que só existe no Brasil — e defendem sua extinção.
A conversa sobre dividendos e JCP já é parte de debates na Receita há anos, mas entrou na agenda mais recentemente graças a um estudo feito pelo economista Fábio Avila de Castro, funcionário da Receita e aluno de mestrado da Universidade de Brasília. Castro escreveu sua tese sobre a progressividade do Imposto de Renda da Pessoa Física e o seu efeito na redistribuição de renda . A tese ganhou notoriedade ao ser discutida na coluna de Ribamar Oliveira, no Valor do dia 13/11.
“Castro observa que o Brasil é um dos poucos países que isenta totalmente a distribuição de lucros e dividendos, com o argumento de que é preciso evitar a bitributação. A renda isenta com lucros e dividendos passou de R$ 83,8 bilhões em 2006 para R$ 207,6 bilhões em 2012, um aumento nominal de 148%,” escreveu Oliveira. “Entre as sugestões apresentadas por ele para tornar a tributação brasileira mais progressiva está a taxação em 15% dos lucros e dividendos. Isso daria receita adicional de R$ 31 bilhões.”
Assim como o caminho do Inferno está cheio de boas intenções, o caminho da ortodoxia Levy-Barbosa parece estar pavimentado pelo aumento de impostos.