“Quando Claudio Abbado termina o ensaio, a gente se pergunta o quanto falta para ele ir embora. Mas, ao final de cada concerto, imploramos para que passe mais tempo com a gente.”

A frase, proferida por um trompista da Filarmônica de Berlim – que por motivos óbvios não quis sair do anonimato – no início dos anos 2000, reflete os sentimentos extremos que o maestro italiano provocava em seus comandados.

Abbado era um homem de poucas palavras, e seus ensaios eram pontuados por momentos de silêncio. “Prefiro me comunicar com olhos e mãos,” declarou ele no documentário Hearing the Silence (2004).  Certos regentes incendeiam um grupo sinfônico. Outros se impõem pelo rigor e pela rigidez de sua condução.

Abbado seduzia seus comandados com uma condução suave, em especial os “desenhos” da sua mão esquerda, que moldava a melodia enquanto com a direita ele marcava o compasso das obras.

Dez anos depois de sua morte, poucos regentes ostentam um currículo tão poderoso. Abbado foi diretor musical do alla Scala de Milão nos anos 1960 e 1970; assumiu – e rejuvenesceu – a Sinfônica de Londres na década de 1970 e a Ópera Estatal de Viena. Ele ainda assumiu o cargo de principal regente convidado da Sinfônica de Chicago e foi um colaborador constante da Filarmônica de Viena.

Em 1989, alcançou o Santo Graal da regência: a Filarmônica de Berlim o escolheu para suceder Herbert von Karajan (1908-1989), com quem a orquestra atingira o status de melhor grupo sinfônico do grupo. Abbado comandou os berliners até 2002.

A conduta pessoal do maestro é um legado tão importante quanto sua contribuição musical.

Nascido em Milão no dia 26 de junho de 1933, Abbado foi desde cedo um abnegado defensor de causas humanitárias. Foi testemunha da presença de oficiais alemães em sua cidade natal e viu a mãe ser presa por dar abrigo a uma criança judia.

O desprezo pelas ditaduras era tão grande que se recusava a conduzir obras do italiano Otorino Respighi (1879-1936) e do alemão Carl Orff (1895-1982), dada a simpatia desses ao fascismo e ao nazismo.

Quando assumiu alla Scala, uniu-se ao pianista Maurizio Pollini na cruzada para a popularização da chamada “música erudita”: tocavam para operários de fábricas e Abbado chegou a baratear os ingressos da casa de ópera para atrair um público com poder aquisitivo menor.

Em Berlim, recusou-se a ser chamado pelos músicos de “maestro” – uma exigência do ditador Karajan. “Me chamem de Claudio,” pediu. A postura democrática, na qual o regente assumia mais uma posição de colaborador do que a figura imponente pela qual era temido, abriu espaço para novas figuras de liderança – um de seus últimos apadrinhados foi o venezuelano Gustavo Dudamel, um dos principais talentos da regência atual.

Abbado possuía um repertório abrangente, com destaque para as interpretações das sinfonias do austríaco Gustav Mahler (1860-1911). Mas foi um homem de seu tempo. Em todos os grupos que dirigiu, comandou obras de autores do século XX, como Pierre Boulez, Luigi Nono, Karlheinz Stockhausen e Arnold Schoenberg.

Quando esteve à frente da Filarmônica de Viena, criou o Wien Modern, festival que deu guarida a novos compositores. Em Berlim, adicionou obras de música contemporânea ao lado de criações do período clássico e romântico (especialidades de seu antecessor, Karajan) e criou um festival dedicado à música de câmara. Sua partida da orquestra se deu, entre outras coisas, pela pouca vendagem dos discos e por achar que os berliners deviam se abster do cruzamento da música erudita com o rock – mas estes preferiram desobedecer o chefe e lançaram um discutível álbum com o grupo Scorpions.

Claudio Abbado saiu de Berlim em 2002 e passou a se dedicar à Orquestra Jovem Gustav Mahler, formada por jovens instrumentistas, e à Sinfônica de Lucerne, uma espécie de seleção de músicos saídos dos principais grupos sinfônicos do mundo. Diagnosticado com um câncer no estômago, morreu em 20 de janeiro de 2014.

Sua obra permanece irretocável.