Os empréstimos de bancos públicos concedidos à Petrobras e o plano do Banco do Brasil e da Caixa de jogar uma boia salva-vidas para a Sete Brasil deixam uma coisa bem clara: os bancos estatais continuam sendo usados para fazer aquilo a que os privados se recusam.
Primeiro, os fatos.
Na sexta-feira, a Petrobrás anunciou ter conseguido três linhas de crédito com bancos brasileiros, dois deles estatais: 4,5 bilhões de reais com o Banco do Brasil (uma modalidade de empréstimo que financiará exportações da empresa); um “limite de financiamento pré-aprovado” (um empréstimo ‘standby’) com a Caixa, de 2 bilhões de reais e prazo de até cinco anos; e outro standby com o Bradesco, de 3 bilhões de reais e prazo também de até cinco anos.
Além disso, a empresa mandatou o banco inglês Standard Chartered para fazer uma “venda com arrendamento e opção de recompra” de plataformas no valor de até 3 bilhões de dólares. (O banco internacional, como se vê, foi o único que entrou numa operação com lastro em ativos. Os bancos nacionais deram um crédito ‘clean’.)
Mais ou menos na mesma hora em que a Petrobras anunciava ter encontrado crédito no maternal seio do Estado, O GLOBO noticiava que a Sete Brasil — empresa criada para construir sondas para a exploração do pré-sal — está em tratativas finais com o Banco do Brasil e com a Caixa para um empréstimo de 3,7 bilhões de dólares — quase 12 bilhões de reais no câmbio de sexta-feira.
“A ideia inicial é obter esses recursos até o fim deste mês,” disse o jornal. Tem mais. A Sete espera ainda obter mais 1,7 bilhão de dólares em uma linha da Caixa através do Fundo de Investimento em Infraestrutura (Finisa). As informações constam da página 8 do relatório financeiro da Sete Brasil relativo ao ano de 2014, que foi publicado na semana passada.
Os acionistas da Sete Brasil são os fundos de pensão Petros, Previ, Funcef e Valia; os bancos Santander, Bradesco e BTG Pactual; a própria Petrobras; o fundo FI-FGTS, que administra parte do dinheiro do FGTS; e os investidores privados EIG Global Energy Partners, Lakeshore, e Luce Venture Capital.
É curioso que num momento em que a política econômica está sofrendo uma reversão de curso de 180 graus — um processo no qual a maquiagem está dando lugar à racionalidade –, os bancos públicos continuem sendo usados para remediar problemas que o mercado não quis resolver. Fosse a Sete Brasil merecedora de crédito neste momento, haveria uma fila de bancos privados na porta.
Até o mais reverenciado (e liberal) emprestador brasileiro, o BNDES, se recusa há meses a assinar um contrato que liberaria 5 bilhões de dólares para a Sete.
O BNDES resolveu se incomodar com o fato do ex-diretor da Sete Brasil, Pedro Barusco, que também foi gerente da Petrobras, ter afirmado que recebeu propina dos estaleiros para a construção das sondas. Já a Caixa e o Banco do Brasil, se forem adiante com o empréstimo bilionário, mostrarão que têm muito mais apetite para risco. Quem sabe os presidentes do Banco do Brasil e da Caixa se disponham a ser pessoalmente solidários nestes empréstimos, para mostrar que eles atenderam à análise de crédito mais implacável?
O problema destes ‘bailouts’ encomendados pelo Governo é que eles reforçam a ideia perversa de que o capitalismo no Brasil não tem risco — dependendo de quem precisa de ajuda, claro.
É muito dinheiro em jogo. O Banco do Brasil tem acionistas minoritários que devem se interessar pelo assunto. Já a Caixa — que poderia ser rebatizada de “Caixa Preta” por ser 100% estatal e exibir muito menos transparência que o BB — tem como acionistas 200 milhões de brasileiros que serão chamados a salvá-la se estes créditos azedarem em seu balanço.
Nos anos 80, a Caixa — um banco que tem um monopólio sobre uma parte importante da vida brasileira, pois administra o Minha Casa Minha Vida, os recursos do FGTS, fundos constitucionais, etc. — marcou época com um comercial que dizia: “Vem pra Caixa você também, vem!” Hoje em dia, este slogan define a posição do Governo com relação a créditos problemáticos, particularmente em setores onde o Executivo se sente obrigado a resolver o problema (dos acionistas) porque o devedor teria importância ‘sistêmica’.
Os grandes fundos de pensão estatais são todos acionistas da Sete Brasil. Isto foi provavelmente uma decisão de Governo, e acabou se provando uma péssima ideia. Agora, o Governo vai jogar dinheiro bom em cima de dinheiro ruim, usando o balanço dos outros (e o nosso dinheiro, para ser preciso).
Os aposentados e pensionistas dos grandes fundos de pensão estão sendo chamados a contribuir de novo com os fundos depois que apareceram rombos bilionários por causa da queda da Bolsa e por, digamos, uma ‘alocação ineficiente’ de recursos. Convém às associações que representam os aposentados da Funcef e da Previ exigir, panelas em punho, que Brasília trate o seu dinheiro com o mesmo carinho dispensado a acionistas de certas empresas.
E convém aos brasileiros entender que o FIES pode sofrer cortes, a conta de luz pode subir, mas a Sete Brasil — Deus me livre! — não pode quebrar.