COPENHAGUE — Tendências vêm e vão na alta gastronomia, mas alguns raros restaurantes permanecem como objeto de desejo perene entre os gourmets.
O Noma — comandado por René Redzepi — está neste Olimpo, e conseguir uma mesa para provar seu menu degustação é uma tarefa insalubre.
Para muitos dos turistas que dão com a cara na porta, a solução tem sido tentar experimentar a cozinha de Redzepi de forma indireta: nos estabelecimentos abertos por seus ex-pupilos.
Não faltam opções: há padarias, restaurantes onde a grande protagonista é a Nova Cozinha Nórdica (uma escola que propõe uma valorização modernizada dos ingredientes e técnicas escandinavos), e casas que celebram as origens internacionais de seus chefs.
Mas numa Copenhague hoje tomada por excelentes opções gastronômicas, não dá mais para viver de currículo.
O Brazil Journal visitou vários “nepo babies” do Noma para que você não desperdice nenhuma garfada em sua próxima viagem à cidade.
Nada mais justo que começar pelo Barr, que parece ser um filho exemplar.
A casa tem o próprio Redzepi como sócio, junto com o chef Thorsten Schmidt, e trabalha com ingredientes do vizinho Mar do Norte além de ocupar o bucólico antigo endereço do Noma, com vista para os canais de Christianshavn.
Mas o menu de quatro etapas não me comoveu muito, desde a entrada de bacalhau com espinafre e alho-poró, até o prato de alburno (peixe de água doce) servido com cenouras e molho de peixe.
Se a ideia é provar os pescados e frutos do mar regionais, há uma opção com menos pompa e mais sabor: o Kødbyens Fiskebar, do ex-sommelier do Noma Anders Selmer, que fica em uma zona industrial convertida em praça de alimentação hipster no bairro de Vesterbro.
O espaçoso salão tem bastante luz natural, um aquário cilíndrico tomado por peixes prateados e um extenso balcão que circunda o principal bar da casa.
Com a taça de vinho branco sempre cheia, mandei para dentro um quinteto de ostras; amassei uma divina salada de beterraba, coração de atum, queijo e caviar; e me forcei a finalizar a refeição com um macio rodovalho (um peixe-chato de água salgada) grelhado — a vontade era seguir desbravando o refrescante cardápio.
Vá com tempo.
Conquistada a Escandinávia, analisemos alguns herdeiros internacionais do Noma.
Primeiro vamos tirar do caminho o Juju, a minha maior decepção.
Até poucos meses atrás, o restaurante localizado em Østerbro servia um menu degustação combinando as gastronomias coreana e nórdica — o que lhe rendeu uma estrela Michelin.
Agora, o chef Kristian Baumann, ex-aprendiz de Redzepi, decidiu transformar a casa em uma lanchonete especializada em hambúrguer de frango empanado picante.
Don’t get me wrong, o cara sabe o que está fazendo. O pão é macio sem perder a pegada, o frango é estaladiço, o picles é intenso e o molho coreano gochujang (uma pasta fermentada de malagueta e condimentos) é o protagonista apimentado e aromático que todo bom lanche merece.
Sem dúvidas é uma boa opção para um lanche rápido perto do Castelo Rosenborg, mas fica a sensação de que podia ser muito mais — como o Bar Vitrine é.
Este é o gastrobar de vinhos mais intimista e disputado de Copenhague no momento, e o hype é merecidíssimo.
Em uma despretensiosa loja de esquina no bairro de Indre By — com fachadas de vidro, mesas comunitárias apertadas e mobília de madeira — uma ex-chef do Noma, a Dhriti Arora, serve a melhor comida com inspiração indiana que eu já provei.
Foi humanamente impossível não repetir o kathi, uma espécie de tortilha feita com um pão folhado indiano recheada com um suculento frango marinado, pimentões grelhados e alho-poró tostado.
Das mãos do sous-chef da casa, o português João Reis, também saem boas pedidas, a exemplo das invulgares croquetas de mexilhão apimentadas.
Dhriti e João fundem referências na sobremesa, uma bebinca (um bolo cremoso de coco tradicional da culinária indo-portuguesa de Goa) com creme de rum. Um doce sem excessos, de gente grande.
Como o cardápio não é fixo as descrições acima são ilustrativas, mas o sommelier Rohan saberá te aconselhar sobre o pedido e, principalmente, sobre a harmonização.
Ele me levou do vinho branco à grapa durante o jantar e adicionou uma indelével camada sensorial à experiência.
Para refeições ainda mais aconchegantes — de café da manhã a “almolanches” — recomendo vivamente os pães e doces da cidade.
Há bons folhados na Hart, rede de padarias em que Redpezi é sócio de um ex-padeiro do Noma, o Richard Hart. Gostei especialmente do de canela, que desmancha na boca, e do de sementes de papoula, que é mega crocante.
Mas se só puder visitar uma padaria, definitivamente escolha a Juno, pois não é a toa que a casa de Emil Glaser, um ex-confeiteiro do Noma, vem sendo alardeada como a melhor de cidade.
O brioche de maçã com geleia de ruibarbo (planta com talo ácido e avermelhado) é sweet and sour e a indulgência certeira para pegar no tranco pela manhã.
E o perfumado e almofadado rolinho de cardamomo vai além: as papilas gustativas ganham vida própria na boca e louvam Vasco da Gama e companhia por terem descoberto o caminho até as especiarias da Índia.
Desapertem os cintos e boa viagem.