O Governo pretende publicar nesta segunda-feira um decreto com uma série de restrições para a emissão debêntures incentivadas, um poderoso instrumento de funding para empresas de infraestrutura que é isento de imposto de renda.
Há duas propostas principais na mesa.
A primeira é proibir a emissão desses títulos por setores que têm uma alta rentabilidade, como o de óleo e gás. A segunda é proibir o uso dessas debêntures para o pagamento de outorgas de leilões de concessões.
Um executivo do setor de petróleo disse que a medida atrapalha um pouco o financiamento das empresas do setor — mais pela duration do que pelo custo.
“A grande vantagem das debêntures incentivadas é o prazo longo, de 10, 12 anos,” disse ele. “Mas ela é uma dívida incentivada, mas não é necessariamente barata.”
Ele dá o exemplo de uma debênture incentivada que saia a CDI + 2%. “Ela fica mais cara do que emitir um bond lá fora a 7%, 8%. E hoje todas as empresas relevantes de petróleo — Prio, 3R, Enauta, PetroRecôncavo — já têm acesso ao mercado internacional.”
Percy Soares Neto, o diretor-executivo da Associação Nacional das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto (ABCON), diz que o setor tem muito a perder se as mudanças acontecerem de fato.
Para ele, impedir o uso das debêntures incentivadas no pagamento de outorgas seria muito ruim para as empresas — mas ainda pior para os governadores e prefeitos que pretendem fazer licitações e arrecadar recursos com as outorgas.
“Essa limitação vai impactar muito o apetite dos investidores em proporcionar outorgas maiores,” disse ele.
“Não existem fontes de financiamento tão baratas e efetivas quanto as debêntures incentivadas de infraestrutura, que foram um avanço muito importante feito pelo Congresso. São títulos muito usados em todos os projetos e que são bons pro investidor, pro mercado financeiro e para os operadores de infraestrutura.”
Naturalmente, parte do interesse do Governo com a medida é aumentar sua arrecadação — num momento em que o Ministro Fernando Haddad busca obsessivamente novas fontes de receita para tentar fechar as contas.
Mas há algo mais por trás.
Ao limitar uma importante ferramenta de financiamento das empresas, o Governo quer desestimular a competição nos leilões. O objetivo: tentar reduzir as outorgas pagas e, dessa forma, reduzir as tarifas cobradas dos consumidores.
Percy diz que o Governo está correto em seu diagnóstico — mas errado no prognóstico.
“Principalmente no setor de saneamento, é verdade que o investimento mais a outorga acabam sendo remunerados pela tarifa, até porque o saneamento é de concessão sub-nacional, então não tem nenhum fundo de estabilização nacional. É só a tarifa que cobre integralmente os custos do projeto e que reequilibra os contratos.”
Mas, “ao restringir as debêntures, você não impede que a competição seja por meio de outorga, você só torna o custo de capital maior. E o operador vai ter que reajustar isso na tarifa de qualquer forma para que o equilíbrio do contrato seja mantido.”
Para ele, uma alternativa mais razoável seria avaliar novos modelos de leilão. Um bom exemplo, segundo ele, foi o leilão de saneamento do Amapá, que aconteceu em 2021.
Esse leilão foi baseado num desconto na tarifa mais uma outorga. Basicamente, o Estado estipulou um desconto máximo de 20% e, quando os interessados batiam nesse teto, o leilão era decidido pelo valor da outorga. No final, um consórcio liderado pela Equatorial Energia venceu, oferecendo um desconto de 20% na tarifa e uma outorga de R$ 3 bilhões.
“Com esse modelo, você consegue fazer uma redução na tarifa que não seja predatória, e ao mesmo tempo garantir que o player que venceu tem condições de fazer os investimentos,” disse Percy.
Para o mercado de capitais, o impacto das restrições às debêntures incentivadas também será relevante.
No ano passado, houve 107 ofertas de debêntures incentivadas, que levantaram R$ 67 bilhões — em comparação aos R$ 40,7 bi de um ano antes, e aos R$ 27 bi de 2020.
Para este ano, o pipeline também é robusto. Um banker estima que há 14 operações na fila para sair até abril, somando R$ 13 bilhões.
Para este banker, criar restrições para a emissão de debêntures incentivadas seria um tiro no pé do próprio Governo, já que “há um cunho fiscal super importante.”
“Apesar de parecer que o Governo está abrindo mão de arrecadação, não é bem assim,” disse ele.
Ele nota que, antes das debêntures incentivadas, quem financiava esses projetos de infraestrutura de longo prazo era o BNDES e outros bancos públicos — com taxas subsidiadas que acabavam impactando o Tesouro.
“Se voltasse para esse modelo anterior, o custo fiscal certamente seria maior.”
Na Faria Lima, a tentativa de mexer num instrumento-chave para o setor de saneamento foi interpretada como uma segunda tentativa do Governo nesta direção. No começo do ano passado, o Governo Lula se movimentou para alterar substancialmente o Marco do Saneamento — mas foi barrado pelo Congresso, e acabou fazendo apenas mudanças marginais.