Vale a pena investir nas últimas emissões de debêntures de infraestrutura?
 
A resposta é simples e direta: não, não vale. 

Para entender o porquê, precisamos falar sobre a dinâmica desse mercado.

Uma lei criada em 2011 isentou as pessoas físicas de imposto de renda sobre rendimentos de debêntures de projetos de infraestrutura, compradas diretamente ou através de fundos. O objetivo era diminuir a dependência estatal do financiamento à infraestrutura e fomentar a captação destes recursos via mercado de capitais. Funcionou.
 
Até o momento, R$ 75,6 bilhões de debêntures incentivadas foram emitidas para financiar projetos de energia, logística e transporte, saneamento básico, mobilidade urbana, telecomunicações e irrigação. A média anual de emissões passou de R$ 5,1 bilhões até 2016 para R$ 9,1 bilhões em 2017 e R$ 23,9 bilhões em 2018.
 
Aí entra a dinâmica (às vezes perversa) desse mercado. As ofertas primárias podem ser feitas com amplo esforço de colocação (para investidores em geral), conforme a Instrução CVM 400, ou com esforço restrito de colocação, para investidores profissionais (CVM 476), permitindo a participação de apenas 50 investidores que após 90 dias podem vender suas posições também a investidores qualificados. 

As emissões 476 não precisam de prospecto, barateando os custos e reduzindo o tempo total. 
 
Já as ofertas primárias de debêntures que chegam diretamente às pessoas físicas são as emissões 400.  O trabalho para estruturação e distribuição é maior, resultando em taxas (cobradas pelas instituições financeiras coordenadoras) mais elevadas e menores taxas de retorno ao investidor. Para ganhar o mandato, e por consequência os fees, as instituições financeiras concorrem agressivamente, prometendo ao emissor que conseguirão vender seus papeis na menor taxa e com o vencimento mais longo possível – o que é contrário aos interesses do investidor.
 
Como a lei também estende o benefício fiscal aos bancos, com redução de 10% na alíquota de IR, os bancos têm aproveitado esta assimetria e encarteirado as emissões 476.  É mais lucrativo para um banco carregar uma debênture de infraestrutura de Petrobras, por exemplo, do que dar uma linha de crédito comum para a empresa.  Os bancos coordenadores frequentemente encarteiram as melhores emissões num primeiro momento para depois revedê-las ao mercado com um ganho adicional — o que é legítimo, mas mostra como este mercado está sujeito a este tipo de arbitragem.
 
O investidor pessoa física deve observar ainda uma outra variável: o mercado secundário.

Atualmente, existe um descompasso entre os mercados primário e secundário. Desde o início de julho, os spreads de crédito passaram por um ajuste técnico. Muitas pessoas físicas que haviam comprado papéis com altas taxas aproveitaram a queda dos juros reais para realizar o ganho, vendendo suas debêntures. Esse movimento fez com que os spreads de crédito aumentassem no mercado secundário. As emissões primárias não acompanharam o aumento na mesma velocidade, pois muitos preços já haviam sido definidos anteriormente.

Em outras palavras: hoje, o investidor consegue encontrar debêntures com taxas melhores no mercado secundário do que no primário — mas, infelizmente, são poucas as pessoas físicas que têm acesso a este mercado diretamente, que equivale a um mercado de balcão.
 
Adicionalmente, as novas emissões estão saindo com prazos de vencimento e durations extremamente longos, que nem sempre conversam com os objetivos do investidor. Prazos mais elevados deveriam vir acompanhados de maior spread de crédito — mas não é o que temos visto. As novas emissões estão saindo com spreads similares a outras, com duration mais curto, que negociam no mercado secundário.
 
Hoje, em muitos casos, acaba sendo vantajoso comprar papéis mais curtos no secundário, com spreads muito próximos ou superiores aos das novas emissões sendo oferecidas no mercado primário.
 
Marcelo Lara Nogueira é sócio da Journey Capital, uma gestora especializada em crédito privado e renda fixa.