Em 2000, o ator Elias Andreato ganhou reconhecimento como diretor ao comandar Paulo Autran (1922-2007) e Cassio Scapin na peça Visitando o Sr. Green.

A comédia do norte-americano Jeff Baron enfoca um velho judeu envolvido em um acidente de trânsito causado por um jovem executivo. Condenado pela justiça, o rapaz testa a própria paciência em visitas semanais à vítima, que se mostra resistente a qualquer diálogo ou gentileza.  

Passados 25 anos, Andreato volta ao texto de Baron, desta vez, no papel do Sr. Green. Seu parceiro é Johnny Massaro, que interpreta Ross. Sob a direção de Guilherme Piva, o espetáculo tem lotado o Teatro Renaissance em São Paulo em um programa capaz de conjugar entretenimento e reflexão para diferentes públicos. A afinação entre os dois protagonistas, principalmente no equilíbrio entre o humor e a melancolia, é um grande destaque.

Andreato, às vésperas de completar 70 anos, reconhece que a relevância da peça é maior hoje que na época da primeira versão. “As pessoas estão muito mais intolerantes, os preconceitos são maiores e as conquistas em todas as áreas parecem sempre tímidas”, Andreato disse ao Brazil Journal. “Eu não me lembro de a questão da homossexualidade do rapaz ressoar tão forte em 2000, mas agora é visível o impacto na plateia.”

Em meio às birras do idoso e a benevolência do jovem, prontas para gerar situações bem-humoradas, a dramaturgia escrita em 1995 se mantém relevante.

Em uma cena, logo depois de descobrir que Ross é judeu, Green desabafa sobre a recepção no país em que encontrou asilo, no caso os Estados Unidos, logo depois de sua família fugir da Rússia. “Não que eles fossem apaixonados pelos judeus aqui. Eles pensavam que nós tínhamos doenças, que tínhamos um cheiro estranho. Pensavam que nós éramos mentirosos, trapaceiros, ladrões. Mas, pelo menos, não matavam a gente”.

Andreato salienta que, na cena seguinte, Green discrimina a orientação sexual de Ross sob argumentos semelhantes aos que tanto o atingiram no passado. “Eles agem como mulheres, se tocam nos banheiros, molestam crianças, eles são sujos, não são confiáveis”, reage o personagem. O ator completa que essa discussão tão dura pode ser ampliada para vários terrenos, inclusive o etarismo. “O velho sofre preconceitos até hoje e não se dá conta da sua postura diante do rapaz, algo comum de a gente verificar nosso dia a dia.”

Sem legenda 5

Johnny Massaro, de 33 anos, se diz feliz por participar de uma peça sobre assuntos que tocam tanta gente e, inclusive, contemplam a sua intimidade. “Procuro não pensar na arte como terapia, só que a natureza do ofício faz com que a gente encare algumas dores,” afirma. “A sexualidade é só uma ponta do iceberg neste texto, mas gosto de, através dos personagens, fortalecer a ideia de que as pessoas podem viver de diferentes maneiras.”

Popularizado pelo audiovisual e com raras incursões pelo teatro, Massaro celebra o encontro com Andreato como um jeito de aprender lições que, na agitação dos estúdios, não são possíveis. A convivência já fez os dois encontrarem pontos em comum em suas trajetórias, como a falta de artistas ao redor que pudessem abrir caminhos no passado.

“Não posso dizer que venho de uma infância pobre, mas meu pai até hoje é taxista, minha mãe trabalhou como secretária de escola e não cresci entre artistas,” diz ele, que estreou aos 12 anos na novela Floribella, exibida pela Band, de tanto insistir com a mãe para levá-lo aos testes.

A história de Andreato é mais atípica. De origem bastante humilde, ele galgou inúmeros degraus no meio teatral antes da profissionalização. Foi camareiro, contrarregra e assistente de palco até estrear na peça Pequenos Burgueses, da companhia dos atores Renato Borghi e Esther Goés, em 1977. O sucesso, porém, só veio na década de 1990 com os premiados monólogos Van Gogh e Oscar Wilde, escritos e protagonizados por ele.

O encontro com Paulo Autran em Visitando o Sr. Green alavancou uma parceria estendida até a morte do célebre ator, em 2007. Andreato ainda o dirigiu em Adivinhe Quem Vem para Rezar, em 2005, e integrou numeroso elenco de O Avarento, o canto do cisne de Autran, que permaneceu em cartaz até três meses antes de sua morte.

“Fiquei surpreso com o convite porque jamais pensei em interpretar esse personagem, mas acredito que, mesmo sem planejar, eu esteja fechando um ciclo,” confessa Andreato, comovido com os aplausos ao fim de cada sessão.