BELÉM – Com uma história bastante particular graças a sua localização estratégica às margens do Rio Amazonas, Belém do Pará foi a primeira capital do Norte do Brasil. Abandonada durante décadas, a cidade agora vive um novo momento em preparação para a COP 30, que acontecerá em 2025.
Pousei em Belém no dia da abertura da Bienal das Amazônias. No mesmo final de semana, a cidade foi palco dos Diálogos Amazônicos, e em seguida da Cúpula da Amazônia. Foi muito curioso conhecer a cidade em um momento em que ela estava ocupada por gente do mundo inteiro, pairando pelas ruas com seus crachás.
Minha primeira parada foi no Remanso do Peixe, originalmente a casa da família Castanho, e hoje um dos restaurantes mais conhecidos da cidade. Fiquei com vontade de provar o cardápio inteiro, mas como estava sozinha, tive que me limitar a uma Caldeirada de Filhote. Estava deliciosa, e só me fez querer voltar ainda mais para provar outras delícias, como uma das dez variações de moqueca.
Após o almoço, fui direto ao Mercado Ver-o-Peso. O local funciona há mais de 400 anos como o maior entreposto comercial de produtos extraídos da região amazônica. Por conta disso, seus 25.000 m² foram tombados pelo IPHAN em 1977.
Estaria mentindo se dissesse que não fiquei um pouco assustada no início (e olha que já estive em cada buraco, incluindo várias zonas de guerra). Era muita sujeira, bagunça, pessoas em situação de rua e usuários de drogas.
Vi até uma briga bem aquecida começar ao meu lado, entre os estandes de Cachaça de Jambu e Castanha do Pará. Mas com o passar do tempo, fui conseguindo enxergar além do caos, e entrar na onda; o Ver-o-Peso é um caldeirão de cores, aromas e sabores que não vi em nenhum outro canto do Brasil.
Do mercado, saí andando pelas vielas movimentadas do bairro de Campina até chegar à Bienal das Amazônias. Ocupando uma loja de departamentos desativada, a primeira edição da feira reuniu 120 artistas dos nove países que têm a floresta em seu território.
Entre eles estão nomes consagrados como Adriana Varejão, Arthur Bispo do Rosário, Claudia Andujar e Carlos Cruz-Díez, ao lado de outros em início de carreira. De acordo com Vânia Leal, umas das quatro curadoras da mostra, “a lista foi construída olhando para uma Amazônia profunda, que tem a perspectiva de que não existe uma produção amazônica, e sim um rizoma de multifacetadas individualidades”.
Depois desse banho de arte, segui caminhando até a região onde ficam o Museu de Arte Sacra, a Catedral, o Forte do Presépio e a Casa das Onze Janelas. É lá que você encontra uma das quatro casas do chef Saulo Jennings, que tem três restaurantes no Pará e um no Museu do Amanhã, no Rio. Descobri o trabalho do Saulo neste artigo da National Geographic, que cobriu com maestria a gastronomia paraense, que para mim é a mais rica e interessante do Brasil.
De Belém, peguei um voo para Santarém e um carro até Alter do Chão, para então começar a navegar pelos rios amazônicos.
Os dias a bordo se dividiam entre trilhas pela floresta, experiências com comunidades locais, rituais em aldeias indígenas e mergulhos nas águas doces (e ácidas, o que garante a presença de um total de zero mosquitos).
À noite, tínhamos a recompensa; enormes banquetes preparados com ingredientes locais. O jantar mais especial foi a Piracaia, uma espécie de churrasco de peixes regionais em que comemos tucunaré, pirarucu e tambaqui, todos assados na hora. Nesse dia, fomos acompanhadas pela banda de carimbó do mestre Chico Malta.
Falando em comida, um dos programas de que mais gostei foi conhecer uma casa de farinha. Fomos até à comunidade de São Marcos para aprender a fazer os diversos insumos derivados da mandioca, como a Tapioca, o Tucupi, o Polvilho e a Maniva. Foi incrível manusear a Mandioca Brava, que leva esse nome porque pode ser mortal se trabalhada de forma incorreta.
Outro programa imperdível foram as trilhas que fizemos pela Floresta Nacional do Tapajós. Eu amei testar na pele as medicinas da floresta, e ver como ela funciona como uma verdadeira farmácia ao ar livre. Aprendemos sobre as qualidades de mais de cem espécies arbóreas, como a Jacarandá Copaia, a Andiroba, o Tucumã e a Seringueira.
Em uma das trilhas, caminhamos três horas até chegar em uma sumaúma, uma das espécies mais antigas do mundo (daquelas que são necessárias dez pessoas de mãos dadas para abraçar o tronco). Não tem nada igual à potência dessa árvore. Nos momentos de descanso, parávamos para nadar nos igarapés de águas cristalinas, o palco de algumas das melhores memórias da viagem.
No total, foram 5 noites e 6 dias embarcada. Não quero falar muito mais, porque esse é o típico lugar que você precisa sentir para entender. Se você ainda não foi, vale colocar no topo da sua lista de desejos; a nossa floresta é única no mundo.
Paula Nazarian publica a newsletter NewZ da NAZA.
Imagem: Gabriel da Gama Araújo