A ação da Cosan caiu quase 9% na sexta-feira depois do anúncio da compra da participação de 6,5% na Vale.
Depois que o mercado fechou, a companhia fez uma teleconferência com investidores – e está publicando mais detalhes sobre o financiamento da operação nesta segunda-feira.
O Brazil Journal conversou no domingo com Marcelo Martins, o chief strategy officer da Cosan.
Marcelo, que trabalha na holding de Rubens Ometto há 15 anos, é o mesmo executivo que costurou a aquisição da Esso (em 2008), a JV com a Shell e a criação da Raízen (2011), a compra da Comgás (2012), a aquisição da ALL em 2015 (dando origem à Rumo) – além da reorganização societária que simplificou a estrutura da Cosan, há dois anos.
Marcelo disse que o investimento na Vale é mais um passo da Cosan na construção de um portfólio de negócios de recursos naturais. “O que mudou desta vez foi a forma como estruturamos a aquisição, e o fato de que não teremos o controle do negócio, ainda que possamos ajudar muito.”
Abaixo, trechos da conversa.
A ação da Cosan caiu muito na sexta-feira depois que saiu a notícia da compra da participação na Vale. Por que o mercado não gostou do movimento?
Acho que o mercado não teve tempo para entender o movimento, porque realmente nunca tínhamos usado uma estrutura como essa. Todos os nossos M&As anteriores foram no modelo clássico – com controle absoluto e sem usar derivativos. Mas a beleza desta transação é justamente essa. A ação da Vale é muito líquida, e esta estrutura nos dá proteção caso a ação caia abaixo de um certo preço, ainda que também limite nosso ganho a partir de um determinado nível. Além disso, ela nos permite ter uma opcionalidade: sair da posição a qualquer momento – se o investimento não caminhar como imaginamos – e capturar muito valor se as coisas forem na direção que esperamos.
A maioria – senão a totalidade – dos negócios da Cosan tem geração de caixa muito recorrente. Neste sentido, a Vale é diferente, porque o negócio dela é mais cíclico do que, por exemplo, a distribuição de gás ou de combustíveis. Por que vocês estão entrando num negócio volátil?
A Vale é uma empresa de commodities, e essa ciclicalidade de fato existe – mas ela também é uma grande geradora de caixa, pouco alavancada, e deverá continuar pagando um bom dividendo, ainda mais considerando sua grande capacidade de atração de capital em negócios específicos que possam exigir maiores investimentos.
O minério produzido pela Vale é de altíssima qualidade, e será fundamental na transição energética global. Além disso, o mercado também não precifica adequadamente o negócio de metais básicos da empresa.
Nós achamos que temos muito a contribuir para a mudança desse cenário, tanto com o nosso track record em outros negócios, quanto no apoio ao time de gestores de primeira que a Vale tem. Nós acreditamos que uma governança alinhada e focada nas decisões estratégicas relevantes será muito benéfica para a companhia.
Vocês falam muito na opcionalidade que essa transação cria. Como funciona a operação financeira, na prática?
Compramos 1,5% da empresa nesse momento. Os recursos para esta posição à vista vieram de um financiamento com Itaú e Bradesco que será repago por uma estrutura de ações preferenciais resgatáveis – ou seja, a Cosan vai pegar um pedaço do dividendo que recebe de Compass e Raízen – apenas destas duas empresas – para amortizar no tempo. A estrutura que os bancos nos deram está ligada ao percentual dos dividendos, e não a um prazo específico. Ou seja, essas preferenciais podem ser resgatadas em 10 anos, ou num prazo ainda mais longo. Vamos perder esse pedaço dos dividendos, mas do outro lado ganhamos o dividendo da Vale.
Os demais 5% fazem parte de uma estrutura com derivativos que nos permitirá comprar mais ações ou desmontá-la rapidamente. A coisa funciona assim. A Cosan não terá que fazer desembolso nenhum até o final de 2024, quando os primeiros 15% dos derivativos vão vencer – isto é, é só ali, daqui a dois anos, que teremos que decidir convertê-los ou não em ações. Por isso, não faz sentido falar em venda de ativos do nosso portfólio para financiar essa posição.
E o segundo desembolso só vai acontecer no final de 2025. Daqui até lá – dois ou três anos – é tempo suficiente para a gente testar a nossa tese e comprovar se ela cria mesmo o valor que imaginamos estar criando com este investimento.
Os dividendos da Cosan devem ser menores nos próximos anos, já que a companhia pretende usar os dividendos de suas empresas operacionais para resgatar as preferenciais com os bancos? E esse fluxo de dividendo perdido é compensado pelos dividendos que a Vale paga?
Nossa geração prevista de caixa – mais os dividendos pagos pela Vale – deve ser suficiente para honrar quase todos os desembolsos dessa e de outras obrigações da Cosan, bem como para o pagamento de dividendos a nossos acionistas. Se tivermos que tomar alguma dívida, vai ser muito pequena e só lá na frente.
Na sexta-feira, Raízen e Rumo sofreram junto com a ação da Cosan. Vocês podem decidir vender o controle dessas empresas para financiar a posição na Vale?
De forma alguma. A Raízen e a Rumo, assim como as demais empresas que controlamos, são negócios estratégicos para a Cosan. Não temos nenhum interesse – e muito menos necessidade – em vender essas empresas. Já deixamos claro isso para nossos investidores na teleconferência de sexta-feira. Nossa prioridade é e continuará sendo o plano de investimentos previstos nas empresas do grupo.
No futuro, podemos sim considerar a venda de alguns ativos que não consideramos estratégicos, como o terminal que foi anunciado recentemente pela Rumo. Somos gestores de portfólio; temos que ter a disciplina de rever e nos desfazer recorrentemente de ativos que não trazem mais o nível de retorno desejado pela empresa.