Não pode comprar. Também não pode vender.
Diversas corretoras de valores bloquearam hoje a negociação de papéis de empresas que fizeram ofertas 476 recentemente por parte de investidores não-qualificados, aqueles com menos de R$ 1 milhão de patrimônio.
A determinação — que afetou empresas como a Vamos, Infracommerce e HBR Realty, todos IPOs sob a regra 476 — impediu milhares de pessoas físicas de operarem esses papéis no pregão de hoje, e vem num momento de tensão e correção de preços nos mercados globais.
As empresas emissoras — que não têm qualquer controle ou responsabilidade sobre quem compra e quem vende suas ações — foram inundadas por emails de pessoas físicas pedindo esclarecimentos.
Os investidores enviaram emails às empresas listadas perguntando se poderiam ou não comprar ações, porque haviam sido bloqueados pelas corretoras — e com as justificativas mais estapafúrdias, como “há uma regra nova da CVM” ou “tem algo a ver com bloqueio de BDRs.”
A decisão das corretoras de bloquear os negócios veio depois de conversas entre elas e a B3 nas quais a Bolsa disse haver identificado “bases inchadas” de investidores nas ofertas 476 — e pediu atenção ao cumprimento das regras.
A B3 disse ao Brazil Journal que é a Instrução 476 — e não normas da bolsa — que estabelece que os IPOs com esforços restritos são direcionados exclusivamente a investidores profissionais no momento da oferta, e a investidores qualificados nos 18 meses seguintes de negociação no mercado secundário.
Conforme definido no artigo 16 da Instrução, os intermediários (as corretoras) são responsáveis por essa verificação e controle. Apesar disso, algumas corretoras estavam permitindo ao investidor de varejo negociar essas ações.
Ainda que a responsabilidade pelo monitoramento dos CPFs seja das corretoras, participantes de mercado se perguntam por que a B3 demorou tanto a exigir o cumprimento da regra, e o que a fez agir agora.
O episódio deveria convidar os reguladores — CVM e B3 — a refletir sobre a lógica de impedir um investidor de varejo de comprar ou vender um papel por 18 meses depois de um IPO. Qual propósito está sendo servido para o avanço do mercado de capitais?
Uma oportunidade de corrigir isso está na reforma das regras para as ofertas públicas de ações, que está sob análise na CVM. O período de discussão com o mercado encerrou em julho, mas a autarquia ainda não publicou uma nova regulamentação.
Por ora, resta o problema prático da iliquidez gerada pelo próprio mercado no pequeno investidor brasileiro, que agora não consegue liquidez em papéis recém-comprados.
O chefe de compliance de uma corretora disse ao Brazil Journal que uma das possibilidades sendo estudadas é a corretora recomprar os papeis de quem quiser vender.
No final, todo mundo tem um pouco de culpa no cartório: a CVM por ter uma regra antiga, a B3 por ter dormido no ponto, e as corretoras por falhas de observância.
Mas quem paga o pato é o investidor — numa cultura de Bolsa que ainda está só engatinhando.