Roberto Campos foi um dos maiores economistas brasileiros, e um homem à frente do seu tempo.
Na redemocratização, foi eleito deputado, mas como havia sido ministro do regime militar, suas ideias eram vistas com desconfiança por boa parte da sociedade.
Apesar disto, elas continuam válidas — e urgentemente necessárias no Brasil de hoje.
Abaixo, um trecho da entrevista de Roberto Campos ao Roda Viva em 1991.
Um jornalista da TV Cultura pergunta ao economista como interpretar sua frase, “ou o Brasil acaba com a Unicamp, ou a Unicamp acaba com o Brasil”.
Roberto Campos: Isso era uma piada, e a piada foi mal transcrita. Eu nunca disse isso. O que eu disse foi o seguinte: Ou o Brasil acaba com os economistas da Unicamp ou os economistas da Unicamp acabam com o Brasil.
A minha quizila [inimizade] é com os economistas da Unicamp — não com os físicos, os matemáticos, os biólogos, os cultores das ciências sociais em geral da Unicamp.
Acho que os economistas da Unicamp foram os inspiradores intelectuais, os criminosos intelectuais da concepção do Plano Cruzado [que congelou os preços para combater a inflação].
O Plano Cruzado criou uma cultura especial, a cultura do Cruzado. Que, a meu ver, induzirá toda uma geração brasileira a uma falsa concepção do problema inflacionário e do problema do desenvolvimento.
A cultura do Cruzado encerra três subculturas:
A subcultura anti-empresarial;
A subcultura do calote, e
A subcultura do dirigismo.
Essa subcultura anti-empresarial é perceptível no Plano Cruzado com aquelas punições ao empresário, pondo na cadeia quem pratica preços desalinhados… Essa mentalidade anti-empresarial deriva de uma definição errônea da inflação.
Aí você diz, ‘e daí’? E daí um número de consequências grande surge. Se inflação é alta de preços, então o culpado é o empresário, que faz a alta de preço. Mas se a inflação é expansão monetária, então o culpado é o governo.
Veja que a mudança da definição cria cultura uma anti-empresarial.
Eu acho isso gravíssimo porque, dos vários “ários” que temos por aí — o operário, o funcionário, o missionário — o realmente importante é o empresário.
Operário todos podemos ser. Funcionários todos queremos ser. Missionários são úteis, mas eles falam na vida do além-túmulo, e nós queremos a vida corrente. O dínamo da sociedade é o empresário. Isso é um recurso natural raríssimo.
Estou lendo um livro interessante sobre a saída do socialismo, e uma das angústias dos poloneses é que eles querem privatizar, mas não encontram empresários lá, só funcionários. Então alguém teve essa brilhante ideia: ‘vamos então fazer um concurso para empresários!’
Criaram uma banca examinadora com três camaradas — um designado pelo sindicato, um pela comunidade e um pelo Ministério Público — a examinar empresários. Veja que ideia ingênua!
A capacidade empresarial é uma coisa nativa. Ela pode ser aperfeiçoada aqui e ali por escolas de administração de negócios, mas basicamente é uma coisa nativa, um instinto, que deve ser respeitado!
Imagina, num concurso, o Amador Aguiar [fundador do Bradesco], o Sebastião Camargo [da Camargo Corrêa], e eu. Eu daria uma surra nessa gente num concurso: eu falaria latim, um pouco de grego, citaria Aristóteles, recitaria Shakespeare…. Ganharia do Amador Aguiar e do Sebastião Camargo facilmente. Mas quando chegássemos ao mercado, eles saberiam como ganhar dinheiro, e eu não!