“Dizem que você é um gafanhoto”, brincou Angela Merkel certa vez, durante uma reunião em Berlim com Stephen Schwarzman, o fundador da Blackstone. Observando a chanceler alemã com os indicadores acima da cabeça, como se fossem as antenas do inseto, o executivo respondeu em sua defesa: “Sou um bom gafanhoto.”
A imprensa e os políticos alemães faziam barulho por causa da compra de participações nas empresas do país por fundos estrangeiros. Os fundos de private equity são “gafanhotos” que devoram as companhias, disparou o então vice-chanceler, Franz Müntefering. Merkel, contudo, quis ouvir o que Schwarzman tinha a dizer em sua defesa.
O executivo explicou à chanceler que o negócio deles era comprar, consertar e vender empresas. “Somos proprietários e gestores, não só investidores”, disse ele. “Quanto mais rápido uma empresa cresce, mais alguém pagará por ela.”
O próprio Schwarzman conta a história em Como Chegar Lá: Lições pela busca da excelência (Intrínseca, 352 páginas, R$ 40,60), um livro de memórias pessoais mas também de relatos por alguém que viveu por dentro alguns dos momentos fulcrais do mundo dos negócios nas últimas cinco décadas. O executivo oferece também um guia com dicas e insights para jovens empreendedores.
Obviamente, “chegar lá” requer muito talento e esforço, mas a fórmula de Schwarzman deu certo até agora. Fundada em 1985 com um capital inicial de US$ 400 mil, a Blackstone hoje tem US$ 731 bilhões em ativos sob gestão. A taxa média de crescimento nesse período foi de cerca de 50% ao ano. O grupo controla mais de 200 empresas, que dão emprego a 500 mil pessoas e cujas receitas somadas ultrapassam US$ 100 bilhões ao ano.
Stephen Schwarzman nasceu na Filadélfia em 1947. Seu pai, judeu filho de imigrantes de origem austríaca, tinha uma próspera loja de cortinas e roupas de cama, entre outros itens que vendiam muito bem no auge do baby boom pós-guerra. Trabalhando no negócio da família, Schwarzman sonhava grande desde cedo (aliás, uma de suas dicas é que não vale a pena pensar pequeno, porque o trabalho para fazer um empreendimento será praticamente o mesmo, mas as possibilidades de retorno são muito distintas).
O menino indagava ao pai porque ele não abria filiais da lojas e imaginava um dia ser uma nova Sears. Mas o pai não tinha tanta ambição. “Sou um homem muito feliz. Temos uma bela casa. Dois carros. Tenho dinheiro suficiente para mandar você e seus dois irmãos para a faculdade. Do que mais eu preciso?”, respondeu o pai. O filho precisava de mais, muito mais. “Meu pai pode ter vetado a ideia de transformar a Schwarzman Curtains and Lines na primeira Bed, Bath & Beyond,” diz ele no livro.
Depois de se formar em um curso de cultura em Yale, conseguiu uma oportunidade de trabalho numa empresa de Wall Street. Deixou o primeiro emprego um tanto frustrado com a experiência — analista de empresas — e passou seis meses no Exército. Foi então aceito na Harvard Business School, o que lhe abriu as portas para uma vaga na Lehman Brothers, sua grande escola — pelas boas e más razões.
Em 1978, depois de seis anos no banco, intermediou seu primeiro grande negócio. O siciliano Anthony Rossi queria vender a Tropicana, a empresa de cítricos fundada por ele três décadas antes na Flórida. Schwarzman passou a comandar a área de M&A do Lehman.
Mas cinco anos depois, o banco entrou em apuros. Uma de suas divisões fez apostas ousadas e equivocadas com notas promissórias. O Lehman acabou salvo ao ser comprado por uma subsidiária da American Express. Não demorou muito para Schwarzman deixar o emprego em busca de abrir o seu próprio negócio.
Surgiu então a Blackstone, que Schwarzman fundou ao lado de Pete Peterson, ex-presidente do Lehman. A ideia era usar a vasta lista de contatos de ambos no mundo empresarial para captar recursos para um fundo de private equity.
Não foi fácil no início: tiveram que viver por algum tempo prestando serviços de consultoria. O primeiro cliente a bater na porta foi um sujeito de calça de couro, jaqueta preta e quepe de motoqueiro, ao estilo de Marlon Brando em O Selvagem. Era Sam Zell, interessado em fazer investimentos no setor imobiliário.
Em 1988, Schwarzman e Peterson uniram-se a um jovem e talentoso banqueiro, Larry Fink, que havia deixado o First Boston. Criaram a Blackstone Financial Management, com foco em hipotecas. Depois de algum tempo, desentendimentos sobre a estratégia e a divisão acionária da nova empresa levaram à separação dos negócios, e Fink criou a BlackRock.
Enquanto a Blackstone se tornou a maior gestora mundial de ativos não tradicionais, a BlackRock fez o mesmo com os ativos tradicionais. “As habilidades de Larry eram complementares às minhas”, diz Schwarzman. “Eu me especializei em ativos de pouca liquidez; ele, em títulos de alta liquidez. Poderíamos ter trabalhado nos dois lados do mesmo negócio.”
Uma das lições de sucesso oferecidas por Schwarzman é: “Não perca dinheiro”. Parece óbvio, mas em se tratando de negócios arriscados cujos lucros virão somente no longo prazo, isso requer método e talento.
O executivo conta como as lições aprendidas com um dos maiores erros de avaliação da Blackstone levaram ao desenvolvimento de uma cultura em que as decisões são feitas por um conselho e de maneira consensual. Os favoráveis a uma compra, por exemplo, precisam convencer os céticos. O processo de decisão foi estabelecido depois de um investimento desastrado numa fabricante de peças para automóveis e aviões. Os prejuízos levaram um grande investidor a fuzilar Schwarzman: “Você é incompetente ou só burro? Que tipo de imbecil desperdiçaria dinheiro assim?”
O livro é uma biografia oficial. Schwarzman reconhece um ou outro erro ao longo da carreira, mas gasta mais tempo falando de seus grandes feitos. Um deles foi o IPO da Blackstone em junho de 2007. As ações saíram a US$ 31, numa captação total de US$ 7 bilhões com a empresa avaliada em US$ 35 bilhões. Foi o segundo maior IPO da década, perdendo apenas para o Google.
Os bons números foram ajudados pelos investimentos de um fundo chinês. Se o dinheiro do Japão havia sido importante nos primeiros anos da Blackstone, a partir dali o capital da China teria uma relevância crescente no futuro do grupo. Schwarzman contou com a tolerância estratégica de longo prazo dos chineses para enfrentar a crise de confiança nos piores dias da crise de 2008 e 2009. Apesar da boa saúde financeira, suas ações chegaram a valer menos de US$ 4, um décimo do valor de estreia na Bolsa.
O fato é que a crise foi superada. Schwarzman passou por diversos momentos de recessão e queda dos mercados em sua trajetória profissional. O fundamental foi ter paciência — e caixa — para esperar a retomada e aproveitar as oportunidades de compra. A Blackstone foi uma das firmas que emergiram ainda mais fortes depois da crise. As suas ações negociam hoje na máxima histórica (US$ 146), depois de terem caído abaixo de US$ 42 no início da pandemia. A empresa vale US$ 175 bilhões.
Mas, afinal, como chegar lá?
Schwarzman lista algumas reflexões. As vendas raramente são fechadas na primeira tentativa. É preciso insistir e ter paciência para negociar. O sucesso advém de raros momentos de oportunidade que precisam ser aproveitados. Seja ousado, mas sem abrir mão do senso moral. A informação é o ativo mais importante no mundo dos negócios — o que não quer dizer trapacear como Bobby Axelrod.
A propósito, Schwarzman relembra no livro a prisão de colegas do Lehman em 1986 acusados de tráfico de informação. Ele usa o episódio para dizer aos novos executivos da Blackstone que se trata de algo intolerável e que ele mesmo os denunciaria caso visse algo do tipo. “Não digo isso para assustar, mas para ajudá-los, para eliminar a dúvida e simplificar o processo de tomada de decisão”, escreve o fundador que chegou lá.