O filme Blackberry, em cartaz nos cinemas e na Netflix, é um contundente lembrete da efemeridade do sucesso no mundo volátil da tecnologia.
O filme desenterra a história da Blackberry, que viveu seus dias de titã da indústria de smartphones, narrando sua ascensão vertiginosa e subsequente declínio com uma lente crítica que ressoa como advertência para a arena corporativa moderna.
A trama se desenrola por meio de entrevistas penetrantes, arquivos de reuniões de conselho e uma rara visão interna sobre as batalhas estratégicas que ocorreram nos corredores da empresa. Nesta tragédia corporativa, a arrogância e a miopia das lideranças são os protagonistas.
À medida que o filme avança, emerge uma lição simples: o sucesso passado não é garantia de futuro. Embriagada pelo domínio inicial no mercado, a liderança da Blackberry tornou-se complacente, desdenhando a ameaça representada pela inovação disruptiva que vinha de rivais como a Apple e o Android. A falta de uma governança robusta, capaz de enfrentar os desafios emergentes e de reorientar a empresa na direção necessária, é retratada como um fator crítico que contribui para o declínio da Blackberry.
A arrogância, miopia e o excesso de autoconfiança que muitas vezes permeiam a cultura corporativa podem criar um ambiente tóxico e estagnado, desprovido de inovação e adaptabilidade. A falta de diversidade, tanto em termos de demografia quanto de perspectivas, amplifica ainda mais esses problemas, pois leva a um pensamento de grupo e uma falta de desafio ao status quo.
Este caldeirão de atitudes e falta de inclusão resulta em uma desconexão com as necessidades do consumidor, bem como uma resposta tardia ou inadequada às mudanças do mercado. Sem uma variedade de vozes e perspectivas, as empresas podem ficar presas em um ciclo de autoafirmação que mascara a realidade externa, levando a decisões empresariais desinformadas e potencialmente desastrosas.
Em uma era onde entender e antecipar as necessidades do cliente é a espinha dorsal do sucesso contínuo, a Blackberry falhou miseravelmente. A presunção da empresa de que seus usuários permaneceriam leais, mesmo quando alternativas mais inovadoras e centradas no usuário estavam disponíveis, é pura miopia corporativa.
Além disso, o filme alude a uma ameaça mais ampla e onipresente: a disrupção acelerada que a Inteligência Artificial está prestes a desencadear sobre o mundo corporativo. Neste cenário, a história da Blackberry serve como um prelúdio sombrio dos desafios que as organizações modernas enfrentarão em um futuro próximo.
A história da Blackberry não é apenas uma lição de humildade corporativa, mas um alerta para os conselhos de administração contemporâneos. As exigências da governança proativa, uma compreensão profunda do consumidor, e a preparação para a disrupção tecnológica são imperativos para a sobrevivência e o sucesso contínuo.
O filme insta os conselhos a cultivarem uma cultura de inovação e adaptabilidade, enfatizando que a verdadeira liderança reside na capacidade de antecipar mudanças, adaptar-se a elas e evoluir.
Blackberry é mais do que uma retrospectiva histórica; é um espelho que reflete as falhas e as exigências da paisagem corporativa moderna, proporcionando insights valiosos.
A transformação digital surge como um dos riscos mais significativos para as corporações modernas, superando em muito as ameaças tradicionais como fraudes e outros problemas históricos.
Ao contrário destes problemas – que podem ser mitigados através de controles internos e auditorias – a ameaça representada pela inovação digital disruptiva é externa e muitas vezes imprevisível. Requer uma abordagem proativa, uma cultura de aprendizado contínuo e a capacidade de se adaptar rapidamente. O risco é exponencial, e as empresas que não se prepararem para essa nova era de disrupção vão se tornar a próxima Blackberry.
Andiara Petterle integra os conselhos do Assaí Atacadista, Melhoramentos, Knewin e Sicredi, é professora do IBGC e ex-executiva do Grupo RBS.