Em agosto de 2023, uma empresa praticamente invisível no mercado de corridas por aplicativo em São Francisco tinha menos de 0,1% de participação.
Vinte meses depois, chegou a 27%, tirando espaço de gigantes como Uber e Lyft.
O que explica essa virada meteórica? A resposta não está apenas na tecnologia, mas em uma combinação de estratégia, paciência e visão de longo prazo.
O mercado de veículos autônomos pode movimentar trilhões de dólares nas próximas décadas, abrangendo transporte de passageiros, logística e serviços ainda inimagináveis.
Entre os principais competidores, duas filosofias opostas se destacam: a da Tesla, baseada na monetização de software, coleta massiva de dados e implementação rápida em uma frota global; e a da Waymo, a subsidiária da Alphabet – na qual somos comprados aqui na IP – focada no desenvolvimento meticuloso de um sistema totalmente autônomo, operando primeiro em áreas controladas antes de buscar expansão.
Para entender a estratégia da Waymo é preciso compreender sua origem. Ela nasceu no laboratório de moonshots do Google. Iniciado em 2009 como “Project Chauffeur”, o projeto foi concebido por Sebastian Thrun, cujo trabalho no DARPA Grand Challenge – uma competição de veículos autônomos patrocinada pelo governo americano – efetivamente catalisou a indústria de veículos autônomos.
A motivação de Thrun era profundamente pessoal, nascida da perda de um amigo em um acidente de carro. Sua visão era clara: eliminar o erro humano do trânsito.
A visão de que a segurança está acima de tudo é o DNA da Waymo até hoje. Desde o início, o objetivo não era criar um assistente de direção mais inteligente, mas resolver o problema completo da direção.
Desde os primeiros testes, um insight se mostrou decisivo para moldar sua estratégia: humanos não lidam bem com sistemas que funcionam “quase sempre”. A tendência é confiar demais e ser pego de surpresa quando ocorre uma falha.
Esse diagnóstico levou o projeto a abandonar a ideia de assistência avançada e buscar diretamente a autonomia total (Nível 4), eliminando a necessidade de intervenção humana.
O sistema criado – chamado Waymo Driver – combina três elementos que trabalham de forma integrada: i) sensores LiDAR, câmeras de alta resolução e radares, garantindo visão 360° com redundância e precisão; ii) mapas de alta definição, que registram cada detalhe do ambiente com precisão de centímetros, reduzindo erros e focando o processamento apenas nos elementos dinâmicos; e iii) inteligência artificial, responsável por perceber, prever e planejar a rota mais segura. Essa abordagem oferece confiabilidade superior, embora exija mapeamento prévio e limite a velocidade de expansão.
A Tesla segue o caminho oposto: elimina sensores caros, aposta apenas em câmeras e inteligência artificial e treina seus algoritmos com dados gerados por milhões de carros de clientes espalhados pelo mundo.
O resultado é uma tecnologia mais barata e potencialmente mais escalável, mas que ainda luta para superar o Nível 2 de autonomia, que exige supervisão constante do motorista.
Recentemente, a empresa sofreu um revés significativo nos Estados Unidos: um júri determinou o pagamento de uma indenização de US$ 329 milhões por um acidente fatal envolvendo o Autopilot. O episódio gerou questionamentos sobre a segurança da estratégia de lançamento acelerado e mostrou como incidentes dessa natureza afetam a percepção pública e o apetite regulatório para todo o setor.
Neste contexto de pressão pública e regulatória crescente, a Tesla iniciou em junho um programa piloto em Austin: um serviço de viagens pagas com veículos autônomos, mas acompanhados por um motorista de segurança, presente para assumir o controle manual em caso de falha do sistema ou situação imprevista.
Com uma frota limitada de Model Y e operação restrita a zonas geográficas específicas, o serviço representa uma abordagem incremental diante dos riscos técnicos e legais.
A Waymo, por sua vez, vem expandindo.
Hoje já opera comercialmente e sem motorista de segurança em Phoenix, São Francisco, Los Angeles e Austin. A empresa opera em Atlanta via app do Uber e se prepara para chegar a Dallas, Miami e Washington, D.C., além de iniciar testes em Nova York.
Este, aliás, é outro ponto importante do modelo de negócios da Waymo: ela vai operar tanto no modelo B2C (em que o usuário pede o carro via app da empresa) quanto no modelo B2B2C, em que a Waymo é integrada à plataforma dos concorrentes.
Os resultados em São Francisco ilustram o avanço da companhia: em agosto de 2023, sua participação em viagens por aplicativo era praticamente zero; 20 meses depois, alcançou 27%.
O número de viagens semanais saltou de 10 mil para 250 mil, enquanto o Uber perdeu participação, caindo de 60% para 45%, e a Lyft recuou para menos de 20%. Mesmo com tarifas mais altas, a ausência de gorjetas (comuns nos EUA) aproxima o custo final da Waymo ao de concorrentes humanos.
Apesar do avanço dos veículos autônomos, três obstáculos permanecem. O primeiro é regulatório: a legislação para veículos autônomos ainda é fragmentada e pode se tornar mais restritiva após acidentes de grande repercussão. O segundo é tecnológico: embora o sistema funcione de forma confiável na maioria dos cenários, o “último 1%” de situações imprevisíveis exige engenharia de redundância e bilhões de quilômetros de simulação. O terceiro é financeiro: o custo elevado por veículo exige ganhos de escala e redução de preços.
Na corrida pela autonomia, segurança e escalabilidade serão os critérios que definirão os vencedores. A Tesla aposta no tamanho da sua frota como trunfo para criar uma AI competente mesmo com sensores mais baratos, enquanto a Waymo aposta em primeiro resolver completamente o problema com um pacote exaustivo de sensores, para depois simplificá-lo e barateá-lo.
Hoje, essa disputa é uma das mais interessantes no mundo da tecnologia.
Pedro Cezar de Andrade é sócio da IP Capital Partners.
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