A gourmetização da carne mudou até os nomes dos cortes no Brasil.
O contra-filé virou chorizo.
O filé de costela agora é ancho.
A raquete? Você vê nos cardápios como shoulder.
Se durante décadas o churrasco brasileiro tinha a picanha como protagonista, esse monopólio começou a ruir – impulsionado por um consumidor mais exigente e empresas que apostaram nas carnes de maior qualidade.
É o caso da Prime, dona da marca 481, que começou há pouco mais de uma década quando Marcelo Shimbo deixou uma carreira de 11 anos na JBS, onde foi responsável pela criação da Swift Black – a marca premium dos irmãos Batista.
De lá pra cá, a Prime se tornou uma das maiores vendedoras de carne premium no Brasil, tanto para o consumidor final quanto para restaurantes, assim como a maior importadora de cortes de wagyu, que podem chegar a R$ 2 mil por quilo.
A empresa faturou R$ 180 milhões ano passado e espera crescer 20% em 2025.
Foi na JBS que Shimbo começou a explorar o mercado de carnes de alto padrão e entendeu as limitações da indústria tradicional, que operava com foco em volume e tinha pouco interesse por padronização ou valor agregado.
Ao mesmo tempo, Shimbo percebeu que o mercado premium vinha se desenvolvendo aceleradamente, com a abertura de steakhouses e a popularização de ‘influenciadores de churrasco’ como Netão Bom Beef, que tem 2 milhões de seguidores nas redes.
Mas havia um problema: enquanto os clientes não sabiam onde encontrar carne de qualidade, o food service também estava sendo mal atendido ou não tinha mão de obra especializada para lidar com as proteínas.
“O restaurante comprava cinco quilos de carne para servir um bife de 300 gramas. E ainda perdia 20% no corte. Era assustador,” Shimbo disse ao Brazil Journal.
Foi aí que Shimbo decidiu passar de executivo a empreendedor, criando a Prime.
O primeiro passo foi encontrar fornecedores que entregassem carne com a qualidade desejada – e com regularidade.
Shimbo procurou alguns frigoríficos – primeiro na Argentina e no Uruguai, e depois no Brasil – e começou a dar consultorias para melhorar a qualidade da carne. Os novos parceiros permitiram à Prime garantir a qualidade e a rastreabilidade das carnes que vendia.
“É possível produzir carne no Brasil tão boa quanto em qualquer lugar do mundo, mas é preciso mudar a forma de criação: dá mais trabalho, custa mais, mas também resulta em maiores margens,” disse.
Resultado: a Prime foi uma das responsáveis pelo desenvolvimento da criação de raças bovinas mais nobres no Brasil. Por exemplo, a produção de carne Angus, conhecida por ter um grau mais alto de marmoreio e com maior qualidade, disparou.
Em 2024, a Associação Brasileira de Angus, entidade que certifica a qualidade da carne, atestou 51 mil toneladas de carne, um salto de 90% em cinco anos.
“Hoje, no Brasil, a chance de comprar uma carne boa e a um preço razoável é real. Isso não era possível há dez ou quinze anos,” disse o chef Gustavo Bottino, criador do evento Churrascada, o maior do estilo do Brasil. “O desenvolvimento desse mercado foi fundamental para melhorar a qualidade dos pratos.”
Essa mudança na produção também abriu caminho para resolver dores antigas dos restaurantes. Inspirado na americana Buckhead Beef – uma unidade da Sysco e referência no fornecimento de carnes porcionadas para o food service nos EUA – Shimbo adaptou o modelo ao Brasil, passando a entregar cortes já pesados e embalados, prontos para o cozimento.
“É como se o restaurante passasse a comprar carne como se comprasse garrafas de água. Muda tudo: controle de custo, padrão, estoque e até o espaço da cozinha,” disse Shimbo.
Para atender a essa demanda, Shimbo montou uma fábrica em Louveira, no interior de São Paulo, equipada com máquinas alemãs que cortam 1,2 tonelada de carne por hora, com precisão milimétrica. Para montar a operação, a Prime buscou investidores de private equity e trouxe a gestora Baraúna para o cap table.
Hoje a Prime fornece carne para mais de 1.500 restaurantes no Brasil, incluindo hamburguerias e casas especializadas.
O varejo responde por 35% das vendas – um número que deve subir com o avanço das boutiques de carne fora do eixo Rio-São Paulo, onde hoje estão 80% dos clientes da empresa.
Cerca de 65% da carne comprada pela Prime já tem o Brasil como origem, mas Shimbo continua apostando na importação para trazer cortes ainda mais premium. (A empresa já é o maior importador de wagyu no Brasil.)
“Comercializamos quase mil quilos por mês. Os fornecedores japoneses ficam assustados com o quanto o Brasil consome,” disse.
Shimbo não descarta uma venda estratégica no futuro, mas quer continuar tocando o negócio. “Essa empresa funciona bem para dois tipos de compradores: uma distribuidora focada em food service ou um frigorífico que queira operar no premium.”