A Robinhood anunciou esta semana que seus clientes dos EUA poderão apostar em partidas de futebol americano no home broker da corretora — inclusive quem vive em estados onde essas apostas são proibidas.

Essa premissa, impensável há um ano e questionada na Justiça americana por mais de 10 estados, se tornou possível graças ao boom dos chamados ‘mercados preditivos’ — ou prediction markets, as plataformas que permitem apostar nos resultados de diversos eventos, da escolha do Papa às decisões do Fed — e também por conta do inexistente apetite regulatório do Governo Trump. 

O serviço será oferecido aos clientes da Robinhood através de uma parceira da corretora, a Kalshi, uma startup cofundada pela brasileira Luana Lopes Lara em 2018 e que foi recentemente avaliada em US$ 2 bilhões numa rodada Série C.

Luana Lopes Lara ok

A Kalshi é uma bolsa de derivativos especializada em event contracts e licenciada pela Commodity Futures Trading Commission (CFTC) desde 2020, ou seja, ela pode listar contratos futuros sobre eventos verificáveis — como a performance do dólar no próximo mês — desde que a CFTC entenda que o tema em questão não vai contra o interesse público.

Isso é importante porque os contratos foram ficando cada vez mais “criativos”, e a última gestão do órgão, ainda no Governo Biden, utilizou a justificativa para rejeitar um pedido de autorização da Kalshi para a criação de contratos políticos em 2023.

A CFTC argumentou, entre outras coisas, que os produtos poderiam minar a confiança pública no processo eleitoral; abrir espaço para manipulação política; e se pareceriam mais com apostas do que com instrumentos de hedge.

Não satisfeita, a Kalshi questionou a decisão na Justiça e ganhou, argumentando que o que oferece é sim uma ferramenta de gestão de risco, já que permite que um investidor proteja seu capital de determinada situação. Com isso a empresa participou, junto com pares setoriais, do frenesi dos mercados preditivos que tomou conta da eleição presidencial americana de 2024. 

No pico, US$ 245 milhões foram movimentados em um dia na plataforma, a empresa disse à Bloomberg. Mas a grande vitória da Kalshi foi o resultado da eleição em si, já que o discurso antirregulação de Trump se encaixava perfeitamente com o momento da empresa.

Apesar disso, com os apostadores sumindo depois das eleições, os prediction markets ainda buscavam uma nova fronteira, e a indústria de apostas esportivas pareceu o alvo perfeito. Segundo a American Gaming Association (AGA), ela movimentou US$ 150 bilhões e gerou uma receita de US$ 14 bi nos EUA no ano passado.

Só que as apostas esportivas não haviam sido exploradas antes porque a CFTC proíbe a criação de contratos de “gaming”, o que era interpretado como uma vedação contra produtos de loteria, cassinos e apostas esportivas, que são de responsabilidade estadual.

Em busca de uma CFTC mais amigável, a Kalshi se aproximou de Trump — a ponto de nomear o primogênito do Presidente como conselheiro da empresa — e disponibilizou apostas esportivas em seu site três dias após o republicano tomar posse.

Deu certo: a CFTC não vedou a prática, e o favorito para assumir o posto de chairman da agência é Brian Quintenz. Quem é ele? Um membro do board da Kalshi. 

Diversos estados americanos — tanto entre os que proíbem apostas esportivas (como Califórnia e Texas) quanto alguns onde a prática é regulamentada e gera impostos — pedem na Justiça que a Kalshi deixe de oferecer o produto, mas sem sucesso até aqui.

A empresa diz que não lucra em cima das perdas dos clientes, o que portanto não configura aposta, e que seus contratos têm compensação, liquidação e cumprem capital requirements como qualquer outro derivativo, além de argumentar que está sob jurisdição federal e não estadual por conta da licença da CFTC.

Já desejada antes, essa licença se tornou um superpoder e uma condição básica para operar no setor. A Polymarket — startup do ramo que foi acusada de violações regulatórias e chegou a ficar fora do mercado americano — pagou US$ 112 milhões pela bolsa de derivativos QCEX, que é licenciada pela CFTC, e poderá voltar a operar.

Enquanto os reguladores seguem em silêncio, o lançamento de apostas esportivas se provou um acerto para a Kalshi (e para o setor), com o segmento já respondendo por 80% do volume negociado na plataforma, mostram dados da Bloomberg Intelligence.

Agora, com o início da temporada de futebol americano, a expectativa é que os números cresçam ainda mais, já que o esporte é o mais visto nos EUA e movimentou US$ 35 bilhões em apostas na última temporada, apontam estimativas da AGA.

Ao contrário do mercado de apostas tradicionais, a estrutura dos prediction markets em tese não permite a criação de produtos mais elaborados, como apostas múltiplas.

No entanto, o que não falta é gente interessada em entrar no setor. 

A Kalshi está firmando parcerias com corretoras de varejo, como a Robinhood, e com wholesalers, a exemplo da Susquehanna; enquanto Crypto.com, Interactive Brokers e Coinbase estão desenvolvendo seus próprios mercados preditivos. 

Até mesmo a gigante das apostas FanDuel, que trabalha diretamente com os estados americanos, anunciou uma parceria com o CME Group para adicionar apostas baseadas em eventos ao seu portfólio.

Sua concorrente DraftKings também não descarta entrar. “Temos que sentir que a oportunidade vale mais a pena do que os ruídos que podem surgir com ela,” o CEO Jason Robins disse em call com analistas. “É uma questão de risco-retorno.”