A Hilab está ganhando espaço no mercado de medicina diagnóstica com uma combinação que agrada tanto consumidores quanto investidores: 20 tipos de testes rápidos e um modelo de negócios asset light.
Fundada há quatro anos, a Hilab inventou um pequeno aparelho (o da foto acima) que é cedido em comodato a farmácias, consultórios, hospitais e prontos-socorros do SUS junto com um ‘kit de testes’ que contém os reagentes químicos.
Na hora do exame, o sangue coletado (tipicamente uma gota para cada tipo de exame) é colocado no aparelho junto com os reagentes. O equipamento da Hilab captura a reação química e envia os dados para um sistema de inteligência artificial que faz uma primeira análise.
Para garantir a acurácia, uma equipe de bioquímicos revisa os resultados na sede da empresa em Curitiba, gera o laudo final e o remete ao paciente via email, SMS ou pelo app.
“O processo todo leva apenas 15 minutos,” Marcus Figueredo, o fundador, disse ao Brazil Journal. “Para o paciente, a sensação é de que foi tudo instantâneo, em tempo real.”
Inicialmente conhecida por seu teste de gravidez, a Hilab hoje faz testes hormonais, de doenças infecciosas (covid, HIV, dengue, zika), e de doenças crônicas como a diabetes.
Desde que surgiu, a Hilab levantou US$ 16 milhões em três rodadas de capital. Na última delas, já na pandemia, a startup captou US$ 10 milhões (R$ 44 milhões ao câmbio da época) com a Península Participações, de Abílio Diniz, e a Endeavor Catalyst.
Os três investidores que já estavam na base acompanharam a rodada: Monashees, Qualcomm Ventures e a Positivo Tecnologia, que foi a primeira investidora da companhia em 2016 e ainda é a maior acionista com 28% do capital.
A Série B avaliou a empresa em mais de R$ 300 milhões (post-money).
Só neste ano, a Hilab já fez 2 milhões de exames — boa parte de covid — e, no dia de maior volume, chegou a produzir 150 mil cápsulas de exames. Para efeito de comparação, a capacidade total do Hermes Pardini é de 200 mil testes/dia.
A Hilab vai fechar o ano com uma receita de R$ 200 milhões, começou a gerar caixa em junho e já tem contratos que devem fazer sua receita dobrar em 2021. Seus clientes incluem as redes Pague Menos e Panvel, a Prefeitura de São Paulo, a Porto Seguro e algumas Unimeds.
Testes laboratoriais remotos (mais conhecidos como testes rápidos) não são uma novidade, e são usados primordialmente em áreas de catástrofe ou para atender pacientes sem condições de ir ao laboratório. Além disso, os testes rápidos ficaram sob uma nuvem de ceticismo depois do escândalo da Theranos, a startup do Vale do Silício que dizia revolucionar a medicina diagnóstica e depois se revelou uma fraude.
“O problema da Theranos era de ciência básica: ela achava que podia fazer dezenas de testes com apenas uma gota de sangue, o que é impossível,” diz Marcus.
Marcus diz que a grande inovação da Hilab está nos processos e controles — que, junto com os algoritmos de inteligência artificial, conseguem aumentar “a repetibilidade e reprodutibilidade dos testes” (indicadores que medem quão previsível eles são).
“Nosso sistema de inteligência artificial basicamente mimetiza o comportamento de um especialista em análise clínica: ele busca os problemas geralmente associados ao teste rápido (que vão desde erros de processo até erros na amostra das imagens) e faz a leitura disso e os cálculos matemáticos para converter isso em resultado,” diz Marcus. “Somando-se a isso a segunda análise do profissional, garantimos que todos os exames vão ter padronização e acurácia.”
Marcus fundou a Hilab junto com seu amigo de faculdade Sérgio Rogal Júnior. Os dois cursaram engenharia da computação na PUC do Paraná e depois fizeram mestrado e doutorado em informática, com concentração em inteligência artificial.
A dupla não caiu de paraquedas na saúde. Quando ainda estavam na graduação, os dois fundaram a Hi Technologies, cujo primeiro produto foi um software de telemedicina. Com o dinheiro da venda do código-fonte em 2010, financiaram o lançamento de seu segundo produto: um oxímetro de pulso, que é vendido até hoje para hospitais e laboratórios.
Os grandes laboratórios dizem que os exames da Hilab não são comparáveis com aqueles feitos num ‘full lab’ e não representam concorrência ao seu modelo de negócios. “A Hilab faz testes rápidos, que dão uma noção da situação do paciente, mas que não podem ser comparados ao processo rigoroso de um ‘full lab’,” diz Wilson Shcolnik, o presidente da Abramed, a associação que representa os grandes laboratórios. “Um médico não vai passar todo o tratamento com base apenas num teste rápido.”
Wilson aponta que o sangue capilar (a gotinha tirada do dedo do paciente) não é capaz de dar as mesmas informações que o sangue retirado da veia no teste tradicional; e que os reagentes usados tem que ser monitorados frequentemente já que podem passar por transformações químicas.
Ele questiona ainda se existe um problema de acesso a exames no Brasil. Cerca de 98% dos exames feitos nos laboratórios afiliados à Abramed são cobertos por planos de saúde, e os brasileiros que não tem plano fazem exames no SUS.
Marcus sustenta que o problema existe. Segundo ele, pacientes da rede privada saem do consultório médico com cinco pedidos de exame em média; já o SUS, gera uma média de 0,75 exame por consulta.