Depois que assumir o Instituto Combustível Legal (ICL) logo depois da virada do ano, Emerson Kapaz poderia muito bem ser chamado de “ministro.”
Afinal, o ex-deputado federal pelo PSDB e fundador do Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE) e do Instituto ETCO vai tentar resolver um problema de R$ 26 bilhões – uma cifra maior que o orçamento de muitos ministérios.
A União e os Estados perdem anualmente R$ 14 bilhões com a sonegação de tributos no setor de combustíveis – de longe o maior contribuinte do País, com R$ 150 bi de impostos/ano.
Além disso, empresas e consumidores também sofrem com as chamadas ‘fraudes operacionais’, incluindo bombas fraudadas, roubo de combustíveis e gasolina adulterada – uma conta de mais R$ 15 bilhões, nas contas da Agência Nacional do Petróleo.
“O somatório – desconsiderando a sobreposição entre os dois tipos de perdas – é de R$ 26 bilhões,” diz Kapaz.
Os apoiadores do ICL – Ipiranga, Raízen e Vibra Energia – detêm 60% do mercado, mas operam com margens estreitas e têm que lidar com a concorrência desleal de produtores, distribuidores e postos que só sobrevivem porque não pagam impostos.
Além de serem um câncer para a da arrecadação tributária, a sonegação e a adulteração andam acompanhadas de outras patologias, como a corrupção e o crime organizado.
O histórico de relacionamento de Kapaz com o executivo e o legislativo deve ajudar o ICL a avançar sua agenda, que encontra uma oposição poderosa mesmo dentro do Congresso.
A seguir, os principais trechos da conversa com o Brazil Journal.
Quais serão as prioridades da sua gestão?
A prioridade é a ética concorrencial.
Quero somar forças e experiência que obtive em outros setores para buscarmos um novo paradigma na concorrência empresarial no setor de combustíveis. Vamos fortalecer as parcerias com os órgãos de fiscalização e as medidas estruturais para mitigar fraudes tributárias e operacionais, com simplificação tributária, a tipificação da figura do devedor contumaz e a defesa do consumidor, com o combate à bomba branca, por exemplo.
Minha proposta inicial é formar um conselho consultivo com nomes de peso para trazer a sociedade para o debate sobre ética concorrencial e o combate ao mercado irregular. Além disso, seguiremos debatendo com o Legislativo e o Executivo os avanços necessários para a aprovação e sanção de propostas parlamentares.
Que propostas são prioritárias?
Precisamos aprovar a Lei Complementar 192/2022, que faz uma simplificação tributária, o PLS 284/17, que diferencia e tipifica o devedor contumaz, e o PL 8455/17, relativa ao furto de dutos, roubo, descaminho e receptação de combustíveis.
Essas práticas criminosas lesam o Governo e toda a sociedade em R$ 14 bilhões anualmente. Para se ter uma ideia, com os valores sonegados todo ano – apenas no setor de combustíveis – seria possível pagar os salários de 36 mil novos médicos e 100 mil novos policiais, a duplicação de 1.100 km de estradas e a educação de 2 milhões de crianças.
É um dinheiro roubado dos cofres públicos e do bolso da população, e esse roubo atrapalha o desenvolvimento do País.
Por que essa mudança neste momento no ICL?
As sucessões são naturais e fazem parte do dia-a-dia das instituições. O General Guilherme Theóphilo, que me antecedeu, fez um excelente trabalho de fortalecimento de ações de inteligência, segurança e monitoramento para combater a sonegação e irregularidades operacionais junto com o Poder Público.
Ele havia sido Secretário de Segurança Nacional e saiu do Ministério com o então Ministro Sérgio Moro. O Guilherme continua trabalhando com o ICL, vai fazer parte do nosso conselho consultivo.
Agora temos uma discussão mais profunda sobre a tributação dos combustíveis, e é fundamental que o Instituto tenha uma frente de ação estratégica que trabalhe ainda mais em prol da simplificação tributária e pela caracterização do devedor contumaz.
Nos últimos anos, o crime organizado entrou com tudo no setor de combustíveis, muitas vezes usando postos de gasolina para a lavagem de dinheiro. Tem milícia, tem PCC… Como vocês pretendem resolver isso?
A Reforma Tributária é uma prioridade absoluta, porque com ela podemos conseguir alíquotas paritárias. As alíquotas diferentes é que fazem a sonegação aumentar hoje. Outra coisa que vamos lutar contra é a existência da ‘bomba branca’, que foi criada em novembro de 2021 pela resolução 858 da ANP, que gerou muita polêmica no setor.
A ‘bomba branca’ é uma bomba que os postos de marca podem colocar e que é abastecida com o combustível de outros distribuidores que não precisam ser da mesma marca do posto.
O pior é que o posto não precisa informar para o consumidor que a bomba usa um combustível diferente. Se o consumidor vai num posto de marca é porque ele confia no combustível dessa marca. Senão ele iria para um posto mais barato.
Além disso, a ‘bomba branca’ dificulta a fiscalização, porque você não sabe de onde veio aquele combustível.
Um grande problema do setor é o devedor contumaz, que usa a sonegação como seu principal diferencial de negócios. Como combater isso?
Precisamos aprovar o Projeto de Lei 284/2017, que regula o artigo 146-A da Constituição, caracterizando e criminalizando a figura do devedor contumaz de tributos e diferenciando-o do devedor eventual.
Esse projeto passou por todas as comissões mas quase morreu no Senado. Felizmente, o Senador Jean Paul Prates acaba de apresentar um substitutivo, o PLP 164-22.
O PL tipifica o que é o devedor contumaz, e dá alçada para o Fisco cassar o CNPJ desses devedores contumazes, evitando-se novas dívidas impagáveis.
E qual sua relação pessoal com o novo Governo?
Minha relação com esse novo Governo é muito boa. Já tive muito contato com o próprio Presidente Lula, porque o Pensamento Nacional das Bases Empresariais, que eu fundei, propunha uma relação capital-trabalho mais aberta.
Também tenho relação pessoal muito com vários ministros, mas principalmente com o Vice Presidente Geraldo Alckmin, que conheço desde que ele era vice-governador do Mário Covas e eu, Secretário de Ciência e Tecnologia.
Queremos construir uma relação muito forte com o Governo, principalmente para ajudá-los nessa fase inicial, onde se tem todas essas discussões do PIS/Cofins – se volta ou não volta – e da reforma tributária.
Em governos passados do PT o etanol foi muito prejudicado por políticas de preços. Você avalia que existe risco de isso acontecer novamente?
O etanol não pode ser prejudicado frente aos demais produtos da nossa matriz energética, sob pena de provocar distorções concorrenciais e prejuízo ao programa da energia mais limpa.
O Brasil é um dos países com a matriz energética mais diversificada, e o etanol e o biodiesel contribuem com este protagonismo, servindo de referência para o resto do mundo. O etanol se consolidou como combustível essencial e alternativo à gasolina, estando presente, inclusive, na composição da gasolina C, em que representa 27% da composição do litro, garantindo um combustível menos poluente. E o etanol hidratado, utilizado pelos nossos veículos flex, representa 12% da nossa matriz energética.