Na governança corporativa das empresas brasileiras, 2021 promete ser um ano ‘com emoção’.

O ano mal começou e o Banco do Brasil, a Eletrobras, a Vale e a Petrobras — nessa ordem — já obrigaram seus stakeholders a reagir, seja por atos de seu acionista controlador, seja por atos dos seus ex-controladores, direta ou indiretamente.

Em minha experiência como conselheiro de quatro estatais de capital aberto, a Lei das Estatais consegue blindar todas as situações, se seguida com rigor. 

Em sua exposição de motivos a lei já fala da interferência potencial do Governo do dia:

“Diante da lacuna legislativa quanto à governança das empresas estatais, normas regulamentares provenientes do executivo têm sido editadas, tratando de alguns dos temas relacionados à estrutura e à governança daquelas sociedades. Como é natural, essas normas, oriundas do Poder Executivo, são fortemente influenciadas por visões políticas de Governo, e não por uma orientação de Estado […] É fundamental que a lei imponha padrões de governança a serem observados na gestão das empresas estatais, estabelecidos por decisão de Estado, e que não estejam submetidos aos sabores dos interesses de Governos”.

Os acionistas elegem os conselheiros e estes, por sua vez, elegem os membros da diretoria. Mesmo que a indicação majoritária do CA venha do acionista controlador, sua composição pode ser alterada pelo engajamento dos acionistas minoritários. 

Foi o que aconteceu na Vale em 2019, quando o Grupo de Controle indicou 12 candidatos e elegeu 11, e na Petrobras em 2020, quando a União indicou 8 candidatos e elegeu 7. 

Tudo isso ocorreu por três motivos: engajamento da minoria; adoção do processo de voto múltiplo; e impossibilidade da maioria vetar o candidato indicado pela minoria. 

Recentemente, o IBGC e a AMEC se pronunciaram em relação à competência dos conselhos das estatais em eleger o CEO — uma resposta ao Presidente da República, que mandara recado pelas redes sociais sobre a substituição do CEO do Banco do Brasil, e pela reação dos membros do conselho da Eletrobras quando da renúncia do CEO Wilson Ferreira. 

Quem ocupa posição em conselho de administração ou fiscal nestas companhias deveria ter externado sua posição nesse momento, engrossando a voz daqueles indignados com tamanho prejuízo de reputação que aquelas estatais sofreram, assim como seus acionistas com a expressiva perda de valor, o que afetou o mercado como um todo com a fuga de investidores pela perda de independência do management. 

A CVM terá que afirmar sua autoridade neste tema, dada a perda de R$ 100 bilhões que a Petrobras sofreu nos pregões de 19 e 22 de fevereiro. 

Ademais, a forma como foi requerida a substituição de Roberto Castello Branco atropela claramente a governança da Petrobras. É impossível ocorrer uma AGE até 20/3/21, o término de seu mandato, pois a norma da CVM impõe um prazo de 30 dias para a realização de assembleia no caso de companhias que têm American Depositary Receipts (ADRs) no mercado.

Outra regra que está sendo violada é o Regulamento do Nível 2 da B3, segundo o qual a Proposta da Administração deve conter o nome de todos os candidatos e a companhia deve oportunizar que os minoritários indiquem seus candidatos nas mesmas condições do acionista controlador — para que todos os nomes (incluindo os indicados pela União) passem pelo mesmo background check do Comitê de Elegibilidade.

Por fim, todos precisam ter suas informações inseridas na Proposta e no Manual de Participação da AGE, no Boletim de Voto à Distância e no Proxy Card dos detentores de ADRs.

A companhia corre o risco de responder a processos judiciais, no Brasil e no exterior, caso configurado o abuso de voto de seu acionista controlador.

Se pretendemos ter os mercados internacionais maduros como benchmark, os conselheiros independentes — ao serem atropelados pelo controlador em sua prerrogativa de construir um processo de sucessão — deveriam renunciar aos seus mandatos.

Nada do que está ocorrendo na Petrobras é usual; ao contrário, é inaceitável.

Como membro do Conselho Fiscal da Petrobras e do Conselho de Administração de três companhias, acredito estarmos em meio a um forte retrocesso na governança de quatro de nossas maiores companhias.

Estamos vendo o CEO do Banco do Brasil ser penalizado por estar fazendo o trabalho hercúleo de transformar o banco numa instituição mais competitiva.

Estamos vendo o risco da Vale criar precedentes perigosos ao conferir à maioria o direito de, sem justificar, vetar a eleição de um conselheiro.

Estamos voltando ao passado com a ressurreição do debate sobre a paridade de preço dos combustíveis na Petrobras, ao se pretender destituir quem enfrentou o corporativismo instituído na petroleira. 

Finalmente, ainda veremos muito provavelmente a privatização da Eletrobras fracassar dado um nível de concessões absurdo a atores políticos.

Enfim, todas estas questões gradualmente aumentam o descrédito dos investidores em relação ao já apequenado mercado de capitais brasileiro.

 
Marcelo Gasparino é conselheiro independente na Vale, Cemig e Eternit, membro da Comissão Técnica da AMEC e conselheiro fiscal da Petrobras.