O esquema funcionou bem no início. Até escalar.
A fábula é longe de surpreendente. São infinitos os exemplos de leis, normas e políticas públicas que notoriamente colhem o exato oposto do intencionado, mas perduram porque sua militância acredita que ideias e intenções nobres dizem tudo para uma tomada de decisão, não importando o quão contraproducente ou desavisadas sejam.
Incentivos são um princípio da natureza, e não da cartilha de ninguém. Economistas supostamente entendem de incentivos, e a fábula inglesa os ilustra bem. Pensemos que tipo de incentivos sociais nossa constituição e seus mecanismos estruturais de transferência de renda nos dão. Não há nada mais justo e nobre que tributos de regiões mais ricas custeiem o desenvolvimento das regiões mais pobres do país. Mas isso acontece?
O Brasil tem mais de cinco mil municípios, sendo nada menos que 90% deles custeados (mais de 80% de suas receitas) por repasses federais. Em nome da criação de autonomia regional e da exclusividade do conhecimento sobre os problemas de regiões específicas, o contribuinte das grandes cidades patrocina há décadas salários e custeios de literalmente milhares de prefeituras Brasil afora. Mas e os problemas sociais dessas regiões, após tanto tempo e dinheiro investido assim, diminuíram ou aumentaram com isso?
Para responder essa pergunta, pense agora nos estados brasileiros. Um cidadão de Alagoas, estado minúsculo, tem à sua disposição (per capita) muito mais poder público que um cidadão baiano. Pense em qualquer serviço do estado, segurança por exemplo. A secretaria de segurança pública da Bahia é responsável pela segurança de muito mais gente que seu par alagoano. O cidadão alagoano é em tese privilegiado: sobre ele incide mais Estado que o baiano, e para ele direciona-se muito mais dinheiro público oriundo do Sudeste. Supõe-se então que os indicadores de segurança pública sejam bem melhores em Alagoas que na Bahia, e que o IDH médio alagoano seja bem mais alto que o baiano.
Infelizmente, não é o que mostra o resultado das PNADs. Enquanto milhares de grupos e clãs políticos como a família Calheiros em Alagoas alimentam-se desse sistema — tal como os criadores de cobra aproveitavam-se da boa intenção do senhor inglês — os resultados não são o defendido por aguerridos militantes das cartilhas desenvolvimentistas. Não raramente a incidência de mais Estado piorou a qualidade de vida em áreas pobres, como o próprio leitor pode constatar nas tabelas do Atlas Brasil.
É preciso um exercício intelectual honesto, baseado na observação de causas e consequências a partir de dados históricos, em vez de nos pautarmos por máximas e frases de efeito que não ajudam ninguém.
Por mais bem intencionado que seja, o brasileiro ‘de esquerda’ está há décadas criando cobras, e aumentando o tamanho da desigualdade que diz combater.