Quando emergiu da recuperação judicial e reestreou na Bolsa no fim de 2017, a Eneva ainda carregava o estigma das empresas do grupo X. 

Os investidores ainda temiam que a companhia — a única a produzir energia térmica na boca dos poços de gás no Brasil — não encontrasse gás natural suficiente para atender seus contratos. O re-IPO saiu chorado, com uma redução na faixa indicativa de preço.

Um ano e meio depois, as hesitações do mercado ficaram pra trás, com a Eneva prestes a engatar uma nova fase de expansão baseada na monetização do campo de Azulão, no Amazonas, adquirido da Petrobras.  10679 25c6b66e 4734 0f6b 2ba1 ffccfd6e5f96

No ano passado, a companhia ganhou um contrato para entrega de energia em 2024 sem a necessidade de novo gás, apenas usando o vapor já gerado pela sua principal usina, no Maranhão.

Na transição da tese de turnaround para a de crescimento, a ação da Eneva dobrou desde sua reestreia Bolsa — e não se abalou quando atuais investidores resolveram vender R$ 1,1 bilhão num follow-on no mês passado.  

A liquidez adicional abasteceu gestoras focadas em valor, como Dynamo, Atmos e Velt Partners. 

Recentemente, a S&P atribuiu um rating triple A à companhia, que imediatamente emitiu R$ 2 bilhões em novas debêntures para reduzir o custo da sua dívida de quase R$ 5 bilhões. 

Numa conversa de uma hora, o CEO Pedro Zinner falou ao Brazil Journal sobre a estratégia de alocação de capital da Eneva, o trade-off entre investimentos para exploração e geração de caixa e as opções de crescimento para o complexo de Parnaíba, o principal ativo da companhia, bem como suas expectativas para o campo do Amazonas.

Economista de formação, Zinner passou quase dez anos na área de risco da Vale e foi tesoureiro da BG no Reino Unido, antes de assumir a presidência da Parnaíba Gás Natural — a antiga OGX Maranhão, que era responsável pela exploração de gás que abastecia as usinas térmicas e que foi incorporada à Eneva.

A seguir, trechos da entrevista:

Na época do re-IPO uma das principais preocupações do mercado era se vocês teriam gás para cumprir todos os contratos de venda de energia. Como está essa situação agora? 

Hoje temos 21,4 bcm [bilhões de metros cúbicos]. O prazo médio dos PPAs [contratos de fornecimento de energia arrematados em leilões] é sete anos. Fazendo a conta grosseira: 21 bcm dividido por 3 bcm [que é o que as usinas consomem se integralmente despachadas], são sete anos. Então sim, eu estou coberto.

Vocês vêm seguindo a estratégia de furar os poços conforme é necessário para cumprir os contratos. Faz sentido furar na frente para entrar em novos projetos de longo prazo? Como funciona a estratégia de E&P de vocês?

Primeiro: acelerar as campanhas exploratórias seria uma alocação ineficiente do capital. Eu só gero excedente de caixa quando a usina está despachada [é o ONS que define quando elas devem injetar energia no sistema]. Se eu acelerar a campanha de exploração, vou consumir mais caixa. Se eu tiver um capex maior e o despacho for baixo, não vou ter receita para gerar sobre esse capex — e, portanto, vou destruir valor na companhia. 

O que fizemos? Colocamos uma meta de remuneração variável na companhia como um todo, que é de reposição de reserva: se eu repuser tudo aquilo que estou consumindo de gás no ano, parte desse risco está sendo mitigado e parte desse problema de aceleração de capex, que destrói valor em termos de alocação de capital, também está sendo mitigado. 

Mas, nesse sentido, como esperar que a companhia vá crescer? Os contratos de Parnaíba, no Maranhão, acabam em 2027 e 2036. E partir daí? Quando podemos esperar que haverá gás para novos contratos?

Essa companhia saiu no passado de uma relação entre dívida líquida/EBITDA de quase nove vezes no processo de recuperação judicial e hoje esse múltiplo está em cerca de 2,5 vezes. A minha preocupação é ter essa disciplina de alocação de capital nessa nova fase da empresa e não alavancar demais. 

Todo ano a gente tem um capex de exploração de aproximadamente R$ 100 milhões. Se pensar numa empresa de consumo, é quase como se fosse o marketing: você não vai deixar de fazer essa alocação porque sabe que aquilo faz parte do core da companhia. 

A vantagem é que a gente tem uma ‘learning curve’ muito grande e a capacidade de interpretar a superfície e a estrutura de geologia aumentou muito. Um número mágico: o primeiro poço na Bacia do Parnaíba custou US$ 25 milhões. Hoje, a gente faz um poço entre US$ 1,5 milhão e US$ 2 milhões. 

Estamos terminando a campanha exploratória de R9 [os blocos adquiridos na nona rodada de leilões de blocos de gás]. Um ciclo exploratório dura em média de quatro a seis anos. Demoramos um pouco mais por conta do processo de recuperação judicial. Agora a ideia é que, com esses R$ 100 milhões, a gente começa a fazer exploração em outras áreas. A próxima é a 13a, que a gente começou este ano.

Vocês pretendem utilizar as usinas que já existem no Maranhão depois do fim dos contratos ou construir novas, se acharem mais gás?

Na prática, nossa estratégia é a seguinte: se a descoberta de gás estiver dentro de um raio de 50 a 100 quilômetros da unidade de tratamento de gás e das térmicas, vale a pena conectar dutos, entregar aquela gás nas térmicas e vender energia no mercado livre depois do fim do contrato dos PPAs, porque você consegue girar em cima de uma base de ativos que já está totalmente depreciada. 

Se estiver mais de 100 quilômetros distante, a forma mais inteligente de monetizar aquele reserva é participando de leilões [de energia]. Mas você precisa achar a reserva [de gás] para entrar no leilão. Por isso que essa campanha exploratória é importante – em achando novas reservas, podemos desenvolver novos projetos. Se essas reservas estiveram próximas das térmicas que tenho hoje, não preciso fazer uma térmica nova. 

O que dá pra dizer é que provavelmente não teremos um novo complexo do Parnaíba. Economicamente não faz sentido fazer um novo complexo de 1,4 GW, é muito difícil. O que você vai ver são térmicas mais modulares, entre 50 e 300 MW. É mais eficiente e a dinâmica de retorno dentro dos leilões é mais competitiva — além da alocação de capital ser mais diluída ao longo do tempo. 

E como vocês estão vendo a monetização de Azulão [no Amazonas]? Você acha que entram competitivos no leilão de Roraima [que atenderá o chamado ‘sistema isolado’ e está previsto para 31 de maio]?

A grande vantagem que temos é que o custo do gás onshore é muito mais baixo. O custo do LNG [gás natural liquefeito, na sigla em inglês] na costa é de cerca de US$ 7 ou US$ 8 por milhão de BTU. O gás associado do pré-sal, numa estimativa conservadora, sai por US$ 5 por MM BTU – lembrando que ele está no Sudeste e levar até lá Roraima, que fica no Norte do Brasil, é mais complicado. E o gás onshore, de acordo com as contas da ANP, está em torno de US$ 1,40 por MMBTU. 

A segunda derivada é que quem tem um projeto de LNG além de levar o combustível até a costa do Brasil, depois tem todo um processo de transbordo e transporte daquele LNG até Itacoatiara, no Amazonas e depois até Roraima, que deve encarecer tudo em mais uns US$ 10 a US$ 12 por MMBTU, além do que ele paga na costa. Nós já estamos bem mais perto – e temos que fazer o transporte do gás liquefeito por 1100 km, em caminhões. E a estrada é bem melhor que muita estrada no Rio de Janeiro. 

É um projeto no qual somos competitivos. Conseguimos atender 100% da demanda? Não. Hoje estimamos algo entre 270 MW a 300 MW e conseguimos atender um pouquinho menos da metade. 

E se vocês não levarem o leilão de Roraima? Quais as alternativas de monetização? 

Tem um leilão A-6 [com energia a ser entregue em seis anos], que é uma possibilidade. Nesse caso, construiríamos uma usina na boca do poço. Posso ainda adquirir PPAs menores que estão distressed no mercado. 

Vocês já estão em campanha de exploração em Azulão? 

Não, em evoluindo tanto o plano do leilão do sistema isolado quanto o A-6, a gente deve furar mais um ou dois poços. Tem outra coisa que pode fazer sentido: hoje a ANP tem um processo chamado de leilão reverso, ou leilão permanente. Em áreas adjacentes ali talvez faça sentido fazermos um processo de aquisição de outras áreas, mas aí a decisão é lá para a frente. 

As térmicas a carvão da Eneva deram lucro pela primeira vez em 2018. Podemos esperar que a Eneva vai investir mais nessa fonte, agora que ela não está mais queimando dinheiro? 

Não pretendo investir mais em carvão. Nós compramos a participação de 50% que a Uniper (veículo da alemã E.On) tinha em Pecém II, mas porque foi um ótimo negócio. A fatia que a gente comprou rendeu uma geração de caixa de R$ 62 milhões. Nós pagamos R$ 50 milhões – ou seja, o ativo se pagou em um ano. Vão ter oportunidades similares? Em carvão acho que não tem tanta coisa assim. O que você vai ver ao longo do tempo é o carvão sendo diluído no footprint da companhia. 

E qual a estratégia de M&A de vocês? Mais voltada para térmicas a gás, para novos poços de exploração de gás, ou podemos esperar que vocês invistam em outra fonte de energia? 

A única forma de aquisições em exploração é através de leilões. Eu posso entrar em leilões na Bacia do Amazonas, Paraná, mas preciso achar que vou conseguir transformar esse gás em energia. Eu acho que, em relação a outras fontes, vai depender muito do retorno para o acionista, tem fazer sentido. 

O gás vai sempre estar dentro do escopo. Pode ser que as térmicas da Petro façam sentido dentro do portfólio da Eneva? Pode. Eu adoraria ter um footprint com capacidade de geração em diferentes mercados. Hoje, nossos ativos são concentrados no submercado Norte e Nordeste. E eu acho que vai ter uma mudança na dinâmica de formação de preço. Ao longo do tempo, o preço horário [no qual a energia fica mais cara em momentos de pico de demanda] vai se tornar cada vez mais forte e haverá mudanças na regulação nesse sentido.

Faz todo sentido com energia renovável ganhando espaço na matriz. A pergunta que mais ouço que é: o que você faz quando acabarem os contratos de Parnaíba? Se tiver uma formação de preço horário, eu preferiria muito mais guardar o gás e vender naquele período do dia em que eu sei que o preço está mais alto do que ligar o dia inteiro. Isso acontece em mercados mais desenvolvidos, exatamente para suprir a intermitência da energia renovável. Todo mundo fala de bateria, para armazenar energia. Nossa bateria é o gás. Ele está lá. Uma combinação de térmica a gás com solar é boa? Eu acho sensacional. Se eu conseguisse ter plantas solares lá no Parnaíba, que desligasse durante o dia e ligasse durante a noite. Seria sensacional!

E tem planos nesse sentido, de investir em solar? 

Já temos um projeto piloto de geração distribuída, que está sendo implementado. O que a gente está fazendo tanto em Parnaíba quanto em Pecém é gerar energia solar para suprir parte da demanda de energia das próprias usinas térmicas. Estamos começando a aprender a operar solar porque em algum momento a gente acha que essa pode ser uma boa vertente de crescimento. 

Qual o papel que você enxerga para o gás na matriz energética brasileira?

Essa é até uma visão pessoal: acho que o gás vai ser o combustível de transição. Muita gente fala em migrar para uma matriz mais renovável, mas você precisa ter o gás para efetivamente fazer o atendimento da demanda de pico dentro do sistema. Acho que vai ter demanda por térmicas menores.