Bob Sternfels é o global managing partner da McKinsey – o cargo equivalente a CEO global da consultoria. Há quase 30 anos na companhia, o executivo chegou à posição de líder global no auge da pandemia, em março de 2021.
Boa parte da carreira de Sternfels foi dedicada à prática de manufatura. Por causa disso, ele acompanhou de perto o estrangulamento das cadeias de produção global durante a pandemia. Agora, o executivo acredita que um crescimento mais lento na China deve incentivar a diversificação do comércio, o que pode ser uma oportunidade para o Brasil.
Nenhuma tendência, no entanto, é mais relevante para ele que o avanço da inteligência artificial generativa. De acordo com estudos da McKinsey, há o potencial adicional de um PIB do Reino Unido por ano com a produtividade gerada pela IA nos negócios.
“A inteligência artificial está na mente de todos os CEOs, em todo o mundo, e haverá uma corrida por isso,” Sternfels disse ao Brazil Journal. “Nem todo investimento será um bom investimento, então haverá muito dinheiro desperdiçado nesse processo. Mas o foco nas áreas de maior retorno pode separar os vencedores dos perdedores.”
Ao contrário do senso comum, Sternfels acredita que a IA não vai ameaçar os empregos.
“A China perderá 150 milhões de trabalhadores até 2050. Europa, Japão e Coreia também estão encolhendo. Até mesmo o Brasil começa a encolher dentro de 20 anos. Então, teremos um mundo com o problema oposto, com escassez de talento.”
Uma projeção da Goldman Sachs sugere que o investimento global em inteligência artificial pode atingir US$ 100 bilhões até 2025. Como avalia a adoção dessa tecnologia por grandes empresas em todo o mundo?
Em primeiro lugar, este é um shift tecnológico gigante, que muda tudo. E para além do investimento necessário, quero falar dos possíveis retornos.
Fizemos um trabalho em nosso Instituto Global que examinou 63 casos de uso muito específicos, em diferentes setores. Portanto, olhando setor por setor, se você aplicar a IA generativa nas partes mais valiosas do negócio, quanto vale isso? A nossa estimativa é de uma receita adicional global entre US$ 3 trilhões e 4 trilhões a cada ano. Isso equivale ao tamanho da economia do Reino Unido.
Portanto, há outra economia do Reino Unido em potencial de receita a partir do investimento de cerca de US$ 100 bilhões que você mencionou. E acho importante também pensar que isso não é apenas um custo, mas é um retorno sobre o investimento que pode ser transformador para os negócios.
Inteligência artificial está na mente de todos os CEOs em todo o mundo. Todos fazem perguntas sobre como adotar a IA generativa e haverá uma corrida por isso.
Nem todo investimento será um bom investimento, então haverá muito dinheiro desperdiçado nesse processo. Mas o foco nas áreas de maior retorno pode separar os vencedores dos perdedores. Logo, o importante é concentrar esforços nas áreas de maior valor.
A segunda noção é que não se trata apenas da tecnologia, mas realmente sobre as pessoas. Como capacitar a força de trabalho? Fizemos um estudo em que 40% da força de trabalho provavelmente precisa ser requalificada para usar a capacidade de IA generativa. Esse é um esforço gigantesco de treinamento das pessoas. Além disso, como será o modelo organizacional nesse cenário? As organizações se tornarão mais planas?
Os vencedores serão aqueles que vão pensar em todas essas coisas. Eles pensarão nas áreas que garantirão maior retorno do investimento. Eles tentarão capacitar a força de trabalho desde o primeiro dia e vão focar em redesenhar a organização para obter o máximo valor.
O Brasil tem tão boas chances quanto qualquer outro país de liderar na implementação dessa tecnologia. Mas essa janela é mais curta.
Mas a IA já está produzindo ganhos reais ou ainda é muita experimentação que só trará ganhos no futuro?
Está acontecendo agora.
Se olharmos para algumas indústrias muito específicas, como seguros, os processos de sinistros e subscrição estão mudando neste exato momento. A forma como se calcula o risco agora é impulsionado pela IA generativa.
A própria McKinsey está repensando como as equipes realmente trabalham. Lançamos nossa própria versão de IA generativa para uso interno, chamada Lilli, e ela está reduzindo enormemente o tempo que as pessoas costumavam gastar. Não é apenas conversa, é real.
Uma das grandes dúvidas é o impacto da IA para a produtividade dos países. Dados da economia americana mostram que, nos anos 80 e 90, os efeitos da adoção de computadores na produtividade do país só apareceram após mais da metade das empresas terem adotado a tecnologia. Acha que o impacto do IA para a economia global depende de uma adoção em massa?
Bem, essas eram tecnologias baseadas em rede em que a contraparte precisava usar a mesma tecnologia. Pense na Internet: se você estiver na Internet e eu não. Isso não ajuda muito.
A diferença com a IA generativa é que se uma empresa adota isso e muda seus processos, ela tem uma grande vantagem sobre todos os seus concorrentes diretos.
Portanto, acho que a curva da IA generativa não se parecerá em nada com o processo de adoção de tecnologias no passado. Acredito que a curva da IA generativa irá atingir um ponto de saturação muito mais rápido. Quando seu concorrente tem uma vantagem sobre seu negócio, você vai se mover rapidamente para reduzir essa lacuna, ao invés de esperar, esperar e depois agir.
A outra parte disso é que algumas dessas tecnologias exigiram muitas mudanças na infraestrutura, como a transição para dispositivos móveis, a migração para a nuvem, uma grande reformulação do ponto de tecnologia de informação.
A IA generativa é muito mais plug-and-play. É uma tecnologia muito mais democratizada que pode ser implementada em locais específicos, o que facilita o avanço, do ponto de vista empresarial.
Mas como criar os incentivos certos para a adoção de IA?
Acredito que é aí que podemos ver muita inovação em colaboração com os setores públicos e a iniciativa privada. Haverá empregos melhor remunerados, pois as diferenças salariais dentro das empresas começarão a cair, uma vez que você está elevando os salários de entrada. Mas, de novo, isso requer um grande investimento em habilidades.
Portanto, podemos começar a ser inovadores em relação a como criar os incentivos certos para as empresas investirem em aprimoramento de habilidades? E, igualmente, o governo pode começar a oferecer diferentes oportunidades educacionais para começar a aprender a IA generativa agora. Essa é minha grande preocupação: as habilidades.
Um dos maiores debates é como garantir empregos para os humanos. Como será a força de trabalho no futuro?
Acho que a discussão não é a eliminação de postos de trabalho, mas a redefinição deles.
O que você pode fazer com a IA generativa é dez vezes mais do que você podia fazer antes. E vamos eliminar muitas das tarefas que eram um fardo para a produtividade. Quando se olha para o mundo como um todo, na verdade, o que está acontecendo é que estamos enfrentando apertos demográficos.
A China perderá 150 milhões de trabalhadores até 2050. Europa, Japão e Coreia também estão encolhendo. Até mesmo o Brasil começará a encolher dentro de 20 anos. Então, teremos um mundo com o problema oposto, com escassez de talento. Teremos que obter mais de cada um de nós. Acredito que a IA generativa é uma das maneiras de fazer isso, para que não tenhamos que comprometer o crescimento. Mesmo que as tendências demográficas estejam contra nós, podemos tornar cada um de nós muito mais produtivos.
Estrategistas têm alertado os investidores sobre um mundo com taxa de juros de 5%, que prevalecia antes da crise de 2008. Qual será o impacto nas empresas e nos investimentos privados?
Taxas de juros de, digamos, 5% e inflação de cerca de 3% afetam todos os setores. Afinal, todos os setores se beneficiaram de dinheiro praticamente gratuito.
Bom, com taxa de 5%, o dinheiro não é mais gratuito e isso coloca um prêmio na competência. Quem opera melhor, vai se destacar mais. O que normalmente se vê em ambientes como esse é uma maior variação de desempenho dentro de um mesmo setor. As melhores empresas em comparação com a média terão uma diferença maior em termos de desempenho. Quando o dinheiro é gratuito para todos, todos sobem juntos.
Agora, se você é um CEO olhando para um ambiente com taxa de juros de 5%, voltamos a falar de resiliência, pois é mais difícil operar nesse cenário.
Mas o que é ser resiliente num mundo de taxa de juros a 5%?
Gosto de resumir com uma analogia dos esportes: é a capacidade de jogar no ataque e na defesa ao mesmo tempo. Como você garante que sua empresa tem um colchão suficiente, tem um planejamento de cenários capaz de resistir a futuros choques? Mas você não está apenas jogando na defesa.
Fizemos alguns cálculos em que, se uma empresa passasse por um período muito difícil, com taxas de juros de 5% por um longo tempo, e jogasse apenas na defesa, a boa notícia era que ela tinha 80% de chance de sobreviver. A má notícia é que era quase certo que essa empresa seria apenas mediana.
Por outro lado, se essa empresa jogasse apenas no ataque, a boa notícia era que, se sobrevivesse, tinha uma boa chance de ser a número um. O problema é que tinha 70% de chance de quebrar.
Logo, isso é arriscado demais. Mas as empresas do grupo do meio, que estavam equilibradas entre ataque e defesa, superaram seus pares em 30% em termos de valor total das ações.
Mas qual é a situação mais comum entre as empresas hoje?
Em geral, as empresas estão desequilibradas – de um jeito ou de outro. Elas investem demais na produtividade do balanço, mas não estão realmente fazendo apostas audaciosas em relação à inteligência artificial ou novas tecnologias.
Também vemos companhias fazendo todas as apostas audaciosas ao mesmo tempo, mas não conseguirão resistir ao próximo choque que vier. E há uma maneira de avaliar objetivamente se você está em equilíbrio, se o conjunto de iniciativas que você tem é igual entre ofensiva e defensiva. Acredito que esse seja um dos segredos para navegar em um ambiente que será mais desafiador no futuro.
Na segunda parte da entrevista, Bob Sternfels fala sobre a desaceleração da China e a oportunidade do Brasil no ‘greenshoring’.