Nesta segunda parte da entrevista, Bob Sternfels fala sobre a desaceleração da China e a oportunidade do Brasil no ‘greenshoring’. Reinaldo Fiorini, sócio sênior e managing partner da McKinsey no Brasil, participou da conversa e contribuiu com insights sobre o mercado brasileiro.

A desaceleração econômica na China tem alarmado investidores internacionais. Como avalia a economia chinesa neste momento e os riscos de turbulência vindos de lá?

Estive na China recentemente e conversei com mais de 25 CEOs do setor privado em Pequim e Shenzhen. Concordo que o clima está mais conservador e pessimista em relação ao crescimento do mercado chinês.

Há muitas questões que a China precisa resolver. Na economia, o setor imobiliário está em baixa. Os bancos precisam lidar com as dívidas em atraso ou não pagas. Muitas empresas nos setores industrial e de consumo precisam buscar medidas de produtividade pela primeira vez em 25 anos, uma vez que antes era um mercado de forte expansão. Agora, o mercado chinês provavelmente crescerá mais lentamente.

Mas, mesmo sendo muito conservador, vamos supor que a China cresça a 3% pelo resto da década? As pessoas esquecem do tamanho relativo da China. Se ela crescer a 3% pelo resto da década, a China adicionará à sua economia o tamanho combinado da Índia e da Indonésia.

Bob SternfelsAlém disso, a China lidera alguns setores, como o de tecnologia de energias renováveis. Em veículos elétricos, os chineses estão na vanguarda e podem vencer essa corrida. Em áreas como ciências da vida, eles estão fazendo inovações impressionantes.

Outra coisa que as pessoas esquecem é que o processo de urbanização na China não está concluído. À medida que pessoas que se mudam do campo para a cidade, seus padrões de consumo mudam. Isso impulsiona o aumento do consumo de calorias por pessoa. E isso interessa ao Brasil.

Se de um lado a China é o maior parceiro comercial do Brasil, por outro, a China não consegue se alimentar sem o Brasil, sendo que mais de 25% de suas importações de alimentos são do Brasil.

Portanto, quando olho para o mundo, digo que pode haver um cenário de crescimento mais lento para a China, mas as ligações com a China ainda são incrivelmente importantes.

Durante a pandemia, a dependência das cadeias globais de abastecimento em relação à China ficou muito evidente. Houve avanços na questão da dependência chinesa?

Fizemos um estudo no nosso instituto global sobre quão interconectado o mundo está e qual seria o custo do decoupling. E estudamos até seis níveis de cada cadeia de abastecimento da indústria. Descobrimos que o custo do decoupling é enorme. Pode colocar em risco de 20% a 40% do PIB global.

Se realmente separarmos as maiores economias do mundo, as pessoas são hiper dependentes umas das outras. Portanto, quando faço uma análise disso tudo, vejo o seguinte: 1. A China é um mercado muito grande, quer cresça lentamente ou rapidamente, e precisamos perceber isso. 2. É um mercado muito importante para o Brasil, em particular.

Mas uma das coisas que talvez tenhamos aprendido durante a pandemia e a guerra na Ucrânia é que as cadeias de abastecimento não eram muito resistentes. Embora o comércio tenha crescido ao longo dos anos, ele se concentrou muito e as cadeias de abastecimento também se concentraram.

Portanto, talvez uma das vantagens de um crescimento mais lento da China para o Brasil seja a diversificação do comércio também. Lugares como a Índia, a Indonésia, que crescerão, mas talvez também fortalecerão suas ligações com mercados como os EUA, que podem realmente se sair muito bem nesta década. Portanto, pode haver uma oportunidade aqui para olhar também para essa diversificação.

Mas as empresas e os executivos estão conseguindo de fato ser mais resilientes a esses choques globais?

Acho que as pessoas ainda estão no processo de aprendizado. Modelamos que, se tanto os governos quanto as empresas se tornarem mais resilientes, haverá um crescimento de até 20% do PIB global ao longo desta década.

Igualmente, se não o fizermos, isso está em risco. E analisamos empresas, empresas individuais que são mais resilientes, e elas superam seus pares em cerca de 30% em relação ao preço das ações. Portanto, há valor na resiliência.

As pessoas estão percebendo isso? Os dados dizem que sim. Estive recentemente em Monterrey, no México, e a região norte está em crescimento, à medida que as empresas buscam diversificar as cadeias de suprimentos. No Vietnã, a manufatura está prosperando.

Verá que a Índia está começando a desempenhar um papel não apenas em serviços, mas também na manufatura. A Foxconn, por exemplo, está investindo pesadamente no país. Então, do ponto de vista das empresas, vemos que estão de fato diversificando suas cadeias de suprimentos para torná-las mais resilientes.

Gostaria de enfatizar, no entanto, que as cadeias de suprimentos são apenas uma faceta da resiliência. Também há resiliência em relação ao seu balanço patrimonial e a resiliência pessoal. Tenho falado muito com altos executivos de recursos humanos das empresas sobre como treinar um indivíduo para ser mais resiliente.

Sofrer um revés na carreira e se levantar novamente é uma habilidade que pode ser aprendida. Os orçamentos de treinamento para isso, no entanto, são muito pequenos.

As novas gerações estão preparadas para isso?

A McKinsey começou a adotar critérios diferentes para contratar pessoas. Agora estamos procurando ver se um candidato enfrentou um revés na vida e como se recuperou disso, em vez de buscar um histórico perfeito.

Se a pessoa se reergueu, tem mais chances de ter sucesso, porque o mundo provavelmente irá derrubá-lo novamente. Isso me faz lembrar de uma citação do pugilista Muhammad Ali, que dizia: “o que importa não é quantas vezes você é derrubado, mas quantas vezes você se levanta.” Portanto, quando você pensa em diferentes gerações e nas gerações que podem não ter passado por tantos contratempos, acho que há uma lição aqui sobre como aprender a ser mais resiliente no futuro.

A agenda de nearshoring tem dominado o debate do setor privado. O México está experimentando esse boom de reindustrialização, mas o Brasil não capturou essa tendência. Por quê?

Acho que é uma oportunidade enorme e inexplorada. Na McKinsey, costumava liderar nossa prática de manufatura e de cadeia de suprimentos. Então, acredito no poder de construir cadeias de suprimentos fortes que podem impulsionar não apenas conexões com outros países, mas também empregos bem remunerados.

Isso leva a mais inovação em pesquisa e desenvolvimento. E acho que uma economia é mais saudável quando ela possui uma base forte de manufatura. Essa é uma das razões pelas quais fico animado com o potencial do Brasil, mas concordo que o Brasil não está avançando tão rapidamente quanto o México.

E esse potencial começa com o talento, não com matérias-primas. O Brasil deve atingir o pico populacional por volta de 2050. Portanto, é uma população mais jovem, o que significa que há um mercado de talentos aqui, um recurso enorme.

Além disso, a posição do Brasil em relação às matérias-primas permite transacionar diferentes rotas comerciais, tanto para a Europa quanto para os EUA, assim como o Oriente Médio. O país está se tornando um conector para muitos dos principais mercados do mundo. Os fundamentos estão aí.

Reinaldo Fiorini, sócio sênior e managing partner da McKinsey no Brasil: Além desses pontos, acho que a transição energética é uma oportunidade incrível que temos. Se pensarmos na intensidade de CO2 de nossos produtos, ela é muito menor do que a de qualquer outro país, devido à nossa matriz energética, que é 78% renovável. Isso é o mais alto do mundo. E não vou falar que, nesse ponto, o México está muito, muito distante disso.

E não se trata apenas de como esse produto foi fabricado, mas rastrear sua pegada de carbono. Alguns setores no Brasil estão à frente nesse quesito como, por exemplo, o de proteína animal. É possível rastrear tudo, onde o gado foi criado, o tipo de alimentação, isso e aquilo.

Se expandirmos isso para cada produto que produzimos, desde carne até minério de ferro, passando por bens manufaturados, acho que podemos dar um salto.

Bob: Logo, é ir além do nearshoring e focar no greenshoring. Acredito que os empresários brasileiros são muito inovadores, estão vendo esta oportunidade e direcionando seus esforços.

Para avançar na nova agenda do greenshoring, o Brasil não precisaria avançar em reformas e tornar sua economia mais competitiva?

Reinaldo: As coisas não são fáceis no Brasil e já estamos acostumados com volatilidade. Mas temos uma reforma tributária a caminho e indo na direção certa. A comunidade empresarial está animada com isso. No mercado de trabalho, já fizemos alguns avanços significativos nos últimos anos. A infraestrutura está melhorando constantemente.

Sem dúvida tem muito a melhorar, mas já fizemos muito com os investimentos recentes. Portanto, eu não diria que é uma condição, pois conseguimos fazer as duas coisas ao mesmo tempo.

Bob: Faz parte também disso obter um efeito multiplicador com investimentos não apenas do Brasil, mas do resto do mundo. Se olharmos para os benefícios da legislação aprovada para a redução da inflação da infraestrutura nos Estados Unidos, a maioria dos investimentos veio de outros países nas áreas de infraestrutura de semicondutores e energias renováveis.

Em 2024, há uma oportunidade para o Brasil realmente se destacar no cenário global com o B20 (fórum empresarial dos países do G20, no qual o Brasil assume a liderança no final deste ano) e agarrar algumas dessas oportunidades.