A ação da Blau Farmacêutica negocia hoje 70% abaixo do preço de seu IPO, em abril de 2021.

Para o CEO e controlador da empresa, Marcelo Hahn, a implosão do market cap tem a ver com a mudança na conjuntura de mercado, a alta dos juros, e o fato dos investidores brasileiros serem muito “imediatistas” e “curtoprazistas”.

11415 ede7229d 94d6 4d34 ad30 d0d56b5d55a0“No exterior, as gestoras que investem em biotech têm uma avaliação muito diferente da forma como a avaliação é feita aqui. No Brasil, é muito em cima do resultado de curto prazo. Eles [os analistas] não conseguem colocar na tese de investimento a nossa visão de longo prazo,” Marcelo disse ao Brazil Journal.

Com esse diagnóstico, o empresário tem um plano para a Blau: aumentar sua receita em moeda forte e levar a fabricante de biomedicamentos para a Nasdaq. 

Hoje, só 10% da receita de R$ 1,4 bilhão da Blau é em moeda forte, mas Marcelo disse que depois do investimento na Prothya — a companhia europeia de medicamentos derivados de plasma na qual a Blau investiu em agosto — essa receita já vai dar um salto.

A Blau investiu na Prothya por meio de uma dívida conversível que pode dar à empresa brasileira 20% do capital da europeia. 

“Nossa ideia é fazer uma fusão com a Prothya e ir juntos para a Nasdaq. Essa é a nossa ambição,” disse o CEO. “Se tudo der certo, nossa receita nos EUA vai crescer muito, a Blau vai continuar crescendo, e a Prothya também vai continuar crescendo bastante. E vamos todos juntos, de mãos dadas, para a Nasdaq.”

Abaixo, os principais trechos da conversa.

A ação de vocês caiu muito desde o IPO e hoje negocia a 30% do valor da abertura de capital. O que aconteceu?

Meses depois do IPO, a ação subiu… Mas o que aconteceu é que quando fomos para o mercado de ações, a renda fixa estava dando uma remuneração muito baixa. Então as companhias com resultados bons e que distribuem dividendos eram o alvo dos investimentos. Hoje estamos vivendo o oposto, com juros altos — um dos mais altos do mundo. Vemos que existe um consenso para baixar o juros, então em algum momento a Bolsa vai ser atrativa. É uma questão de tempo.

O problema também é que no Brasil a gente vê que os investidores são muito imediatistas. Sempre pensando no curto prazo. São sempre colocados à prova da sua carteira. Então ainda vamos demorar um pouco para ver o mercado de capitais melhorando.

O mercado é curtoprazista e a gente tem um negócio de longo prazo. Quando você fala de anticorpos monoclonais, de IFA, de medicamentos biológicos, são ciclos muito longos. E o investidor quer saber o que você vendeu na semana passada. Esses investimentos que estamos fazendo a longo prazo vão trazer resultados surpreendentes para nosso negócio no futuro. 

Você acha que o mercado não está precificando nada dos novos projetos de vocês?

Não. Nada. O que vejo no Brasil é que não temos casas de investimentos com um time de profissionais que entendem do setor. No exterior, as gestoras que investem em biotech tem uma avaliação muito diferente da forma como a avaliação é feita no Brasil. No Brasil é muito em cima do resultado de curto prazo. Eles [os analistas] não conseguem colocar na tese de investimento a visão de longo prazo.

Mas a gente atingindo nossos objetivos, de novos medicamentos, de expansão, de mais tarde consolidar a operação lá fora, os resultados vão ser surpreendentes. 

Como a Blau evoluiu do IPO até hoje, na sua visão?

Do IPO para cá, acho que a empresa melhorou muito. Tínhamos uma dependência do mercado público e de um produto só, que era um questionamento que vinha desde 2016, 2017, quando tentamos ir pela primeira vez ao mercado de capitais. 45% da nossa receita vinha da imunoglobulina e do mercado público. Mas essa dependência caiu muito. 

De lá para cá, lançamos diversos produtos novos, expandimos geograficamente e estamos atuando em novos mercados. Investimos em coleta de plasma nos EUA e recentemente investimos também numa produtora de medicamentos derivados do plasma na Europa, a Prothya. 

Quais os investimentos mais relevantes que vocês fizeram desde o IPO?

De 2021 para cá, foi a planta de IFA, o acordo com Similis Bio para a transferência de tecnologia no desenvolvimento de alguns anticorpos monoclonais, a compra da Bergamo no ano passado, e o investimento na Prothya, na Europa. Além disso, investimos cerca de 11% da nossa receita líquida em pesquisa e desenvolvimento. 

Como está o pipeline de novos medicamentos?

Temos um pipeline bastante robusto para os próximos anos. Óbvio que tem grandes desafios que almejamos superar, mas queremos trazer o início dessa receita para dentro da companhia. São medicamentos com um mercado endereçável muito grande.

Mas tem medicamentos para lançar este ano?

Sim, temos diversos, mas que não são transformacionais. 

Qual é a sua visão de longo prazo que o mercado não está vendo?

Não é que o mercado não esteja vendo. É que o mercado vê e fala: ‘se você só vai começar a vender em 2027, 2028, vou comprar sua ação em 2026, quando você der o jump lá na frente’. 

Mas qual a visão de longo prazo de vocês? Entendo que vocês querem virar uma referência em biotecnologia no Brasil. Mas como chegar lá?

O que eu vejo: a gente hoje é uma empresa que apesar de todos os investimentos que estamos fazendo tem dado um resultado ótimo. Isso na minha visão. Não é o que o mercado acha. 

Mas vejo empresas tendo seu valuation aumentado dia a dia com um racional totalmente diferente, que é o aumento de produção, de mercado, do negócio. E aqui no Brasil está sempre muito ligado a resultado, resultado. É difícil o mercado brasileiro…

Dado essa sua visão sobre o mercado local, vocês pensam em listar a ação lá fora – para pegar esse investidor que você disse que entende mais de biotech?

Temos como tese de negócio ser uma empresa perpétua e global. Para isso temos buscado receita em moeda forte. Quando tivermos receita em moeda forte maior que a receita em reais, vamos sim começar um movimento de pensar em ir para mercados lá fora.

Hoje a receita em moeda forte é quanto?

Ela é bem pequena, é uns 10% da receita total. Mas a gente imagina que quando tivermos consolidado a operação da Europa, da Prothya, vamos dar esse jump. Para você ter ideia, a receita deles de 2022 para 2023 cresceu mais de 30% em euro. 

E qual foi a receita deles?

A receita deles, que está sendo auditada, passou de € 244 milhões em 2022 para € 318 milhões de euros em 2023. E nossa receita é de cerca de R$ 1,4 bilhão. Já é maior que nossa receita.

Mas vocês teriam quanto da Prothya?

Nossa ideia seria fazer uma fusão com eles e ir juntos para a Nasdaq. Fazer esse movimento conjunto. Essa é a nossa ambição. Sempre falamos isso, que o projeto da companhia é buscar receita em moeda forte e, em algum momento, ir para a Nasdaq. Pode ser com uma fusão, com aquisição. Não sabemos com certeza como vai ser. Mas esse é o objetivo. 

Se tudo der certo, nossa receita nos EUA vai crescer muito, a Blau vai continuar crescendo, e a Prothya também vai continuar crescendo bastante. E vamos  todos juntos, de mãos dadas, para a Nasdaq. A história é essa. Ela já foi construída. Esse foi sempre nosso discurso: empresa perpétua, global. A Blau não é vendedora, mas o principal investidor da Prothya é um fundo de investimento israelense [que tem 45% do capital], então eles já têm essa ambição.

Mas quando vocês converterem a dívida da Prothya em ações, vocês vão ter o controle?

Não. Vamos ter 20% da empresa. Estamos discutindo sobre o restante… sobre o quanto eu preciso para ter o controle.

Para fazer esse movimento de ir juntos para a Nasdaq, você tem que ter o controle, não?

Como vai ser feito ainda não sabemos. Se vai ser uma aquisição, uma fusão, o que vai ser feito. Mas essa é uma ambição nossa. Não tem nada concreto, mas está dentro do nosso radar esse projeto. E outra coisa: não deu certo com a Prothya? Podemos fazer com outra. 

E o que é a Prothya hoje?

Ela é uma empresa criada há uns 65 anos, que era do governo holandês em associação com os governos da Finlândia e Bélgica. Nesse processo, ela acabou virando uma fundação, mas depois passou por um processo de privatização em 2021. E hoje ela tem duas plantas na Holanda. Por isso vemos com muitos bons olhos as oportunidades lá, porque ela está no processo de melhorias de processos internos, de controles e de melhorias comerciais. É isso que tem trazido o crescimento para eles. Ela bateu recorde de vendas em 2023 e pretende continuar crescendo.

Mas qual o principal produto deles hoje?

Eles têm centros de coleta de plasma igual a Blau, mas na Europa. Eles também têm a gestão do plasma holandês, e eles fazem medicamentos derivados desse plasma. O grande mercado deles é o europeu. Eles têm os registros dos medicamentos e vendem em quase todos os países da Europa. Essa parte de fabricação dos medicamentos a gente não faz. Hoje temos o plasma só. Então seria uma verticalização do negócio também. 

E qual foi o racional para a compra da Bergamo, que vocês fecharam em julho por US$ 33 milhões?

A Bergamo tinha alguns produtos que a gente não tinha. Tinha um portfólio interessante e tínhamos necessidade de aumentar a capacidade produtiva de medicamentos liofilizados oncológicos. E o preço era muito convidativo. Acreditamos muito no negócio. Já fizemos mudanças muito importantes a partir de janeiro, na parte administrativa. 

Antes, ela tinha EBITDA negativo, contribuindo negativamente para o nosso resultado. E desde o closing até conseguirmos mudar as coisas, continuamos com esse prejuízo. Mas a partir deste ano, já achamos que a Bergamo vai sair de uma contribuição negativa para positiva.

Mas ela tinha um EBITDA muito negativo?

Muito negativo. E ao longo deste ano vamos virar para o positivo. E também vamos conseguir aproveitar os prejuízos acumulados que eles tinham, melhorando nossa geração de caixa. 

Quando a Blau fez o IPO, vocês prometeram que usariam os recursos para uma nova fábrica, a P1000, que ainda não saiu do papel e que vocês têm dito que ainda está na terraplanagem…

Ainda temos esse plano. Esse projeto continua. Compramos um terreno em Pernambuco, fizemos um acordo com o Governo, mas durante o desenvolvimento do projeto encontramos alguns desafios no terreno e decidimos fazer algumas mudanças que estão endereçadas. Pretendemos comunicar em breve ao mercado e voltar com o projeto de uma forma mais lenta do que prevíamos anteriormente, até porque os resultados de 2023 não vieram como esperado e o custo do dinheiro está maior. 

Mas esse é um projeto que você acha que fica pronto quando?

É um projeto que vamos retomar e que queremos fazer porque ele traz um benefício enorme pra gente, pelos benefícios fiscais, por ter tudo centralizado num lugar só e pensando na nossa expansão.

Mas hoje a empresa tem balanço para fazer isso? Porque é um investimento muito alto.

É um investimento muito alto, mas também pretendemos gerar caixa este ano e nos próximos. E é um investimento que vai ser faseado. 

Alguns investidores acham que a comunicação e a transparência da empresa pioraram muito nos últimos trimestres, em parte porque vocês deixaram de divulgar alguns dados. Qual sua visão sobre isso?

Não foi a comunicação. Está tendo uma má interpretação do mercado. A comunicação da Blau nunca deixou de ser boa e nos preocupamos em ser bons. Queremos ter excelência não só em vender medicamentos de alta qualidade mas também na transparência, comunicação e pós-serviços. É uma má interpretação, porque deixamos de divulgar dados. E por que deixamos de divulgar dados? Primeiro, porque esses dados, em vez de contribuir para melhores resultados da empresa, estavam prejudicando os resultados.

O que acontece: a concorrência aumentou para a Blau em vários produtos. O próprio caso da imunoglobulina, da alfaepoetina, com o chinês querendo entrar. Então decidimos proteger a companhia. Estamos protegendo o acionista. Foi para não ter disclosure para os concorrentes. 

Você vê que outros peers de mercado, que não são muitos, também não dão disclosure por produto. Isso pode ter gerado um mal estar com os investidores, mas estamos protegendo os acionistas. Tanto que a partir do momento que paramos de divulgar, sentimos uma melhora na companhia.

Recentemente, houve uma discussão envolvendo um leilão de alfaepoetina, que teve a participação de empresas chinesas sem registro na Anvisa, e que levou a uma queda relevante dos preços. Como essa situação tem se desenrolado?

Quando fomos para o mercado de capitais, acabamos explicando como funcionava o setor. E uma das teses da indústria farmacêutica é o setor regulado. Desde a criação da Anvisa, em 1999, o Brasil aprimorou muito o setor regulado, seguiu as premissas da FDA, da agência europeia, e o Brasil passou a ter uma das agências sanitárias mais rígidas do mundo. As exigências são enormes para você comprovar a qualidade e eficácia do seu medicamento.

Então ficamos muito surpresos com essa situação de o TCU autorizar a participação de medicamentos sem registro, colocando em xeque todo o setor regulado. 

Apesar dessa concorrência desleal — de termos que concorrer com um produto chinês, que não tem as mesmas exigências e comprovações de segurança e eficácia solicitadas no Brasil — mesmo assim a gente ganhou a licitação, tendo que baixar bem o preço, mas isso mostra a força da produção local. Mostra que temos condições de reagir até para concorrer com empresas de mercados não regulados.

Apesar disso tudo, essa licitação está suspensa e não está claro o desfecho. O que vemos é uma movimentação muito grande de todo o setor. Outras empresas que querem ir para o mercado de capitais precisam que essa situação seja sanada, senão não conseguem vender sua tese. Isso acaba trazendo mais força na convergência de todos no mesmo propósito. Então tem manifestações de associações, de outras indústrias, do Conselho Nacional da Indústria, da própria Anvisa e do Ministério da Saúde, para que o mercado regulado seja mantido. 

Essa excepcionalidade começou por conta da pandemia?

Ela começou por conta da pandemia e deveria ter acabado ali. Porque a resolução que o TCU usa perdeu seu objetivo. E o TCU começou a extrapolar a RDC e a criar novos parâmetros, falando que a economia de custos é algo preponderante. Eles começaram a criar um novo conceito, e isso prejudica o mercado. A dúvida agora é quem vai definir: se é o TCU, a Anvisa ou o Ministério da Saúde. Essa é a grande pergunta.

Vocês esperam uma resolução no curto prazo?

Tem que ter. Porque estamos na iminência de faltar produtos no País. Porque a licitação da qual participamos está suspensa… Ou [na iminência] de criar uma situação em que o Brasil terá que abrir uma compra emergencial sem necessidade, tendo fabricante local.

Estou convicto que o entendimento do TCU vai ser modificado. Não posso entender que a economicidade se sobreponha ao risco sanitário. Até porque recentemente vimos produtos importados sem registro com problema sanitário.