Desafiando o zeitgeist conservador, o economista Fábio Szwarcwald lutou contra a falta de dinheiro e deu a cara a tapa para reabrir, no Rio, a exposição “QueerMuseu – Cartografia da Diferença na Arte Brasileira”, foco de protestos no ano passado.

Em meio à histeria que fechou a exposição em Porto Alegre, Fábio foi o responsável por trazer as 220 obras para o Rio de Janeiro, colocando a cidade no meio do que, para ele, é um relevante debate sobre liberdade de expressão.

10547 3d024bcc 6da6 03f0 7c3e d3309770188e”Não dá para aceitar a censura e ficar quieto,” diz ele. 

A exposição, que termina neste domingo, reúne trabalhos de 85 artistas nacionais, de diversas gerações, vindos de coleções públicas e privadas. Trata-se de uma “incursão artística em questões relacionadas à expressão e à identidade de gênero”, nas palavras do curador, Gaudêncio Fidelis. 

As pinturas e esculturas expõem o tema com subjetividade e elegância. Há uma escultura de tecidos coloridos — “Cabeça Coletiva” de Lygia Clark — e o quadro “Jesus Cristo com Deusa Schiva” (1996), de Fernando Baril. (foto acima) 
  
Desde março do ano passado, Fábio dirige a Escola de Artes Visuais, um prédio construído nos anos 20 à semelhança de um palácio romano,  à sombra das árvores do Parque Lage. 

É lá que a “QueerMuseu” abriu no mês passado, com direito a chamada na primeira página do The New York Times. Até ontem, 33 mil pessoas já haviam visitado a exposição, que gerou filas jamais vistas no parque. Só nos primeiros dez dias, o número de visitantes foi maior que o de todos os museus cariocas reunidos, no mesmo período. 

A luta de Fábio para reabrir uma mostra que se tornara um verdadeiro ‘clickbait’ populista tem a ver com a própria origem da Escola do Parque Lage, fundada em plena ditadura como um bastião de resistência e vanguarda.

Há exatamente um ano, o Banco Santander — o então patrocinador da mostra — fechou a exposição em Porto Alegre sem sequer consultar o curador. A ideia de trazer a mostra para um museu ligado à prefeitura do Rio, o MAR, naufragou quando o prefeito-bispo Marcelo Crivella declarou que a exposição só aconteceria “debaixo do mar.”  

O escárnio de Crivella empurrou Fábio a agir. “Um prefeito deveria ser o maior apoiador de uma exposição. Só vai quem quer. Ele não pode ser um censor”, diz.

Sem sequer ter visto a exposição — ou ter R$ 1 em caixa — Fábio foi à luta.  Organizou um ‘crowdfunding’ de pessoas físicas e levantou mais de R$ 1 milhão em 58 dias junto a 1.700 doadores. 

A campanha de conscientização envolveu artistas, voluntários e empresários, que abriram suas casas para jantares beneficentes e leilões de obras doadas por pintores renomados. 

Fabio negociou preço e prazo com cada fornecedor – do cimento às camisetas. “Consegui fazer por R$ 210 mil um obra que custaria R$ 400 mil,” diz. 

O espaço de quase 750 metros quadrados, semi destruído, foi transformado em três galerias refrigeradas e bem iluminadas. Fabio encomendou um catálogo de capa dura, contratou museólogo, produtora, uma equipe de segurança profissional, e promoveu uma intensa programação em torno do tema: 18 shows e 40 debates. 28 pessoas trans foram chamadas para trabalhar na exposição e projetos.

A capacidade administrativa de Fabio veio dos 23 anos que ele trabalhou no mercado financeiro, onde começou como trainee do Garantia, foi trader de renda fixa da GulfInvest, diretor comercial do Banco Votorantim, e encerrou a carreira no private banking do Credit Suisse. 

Fábio também teve contato direto com a histeria que fechou a mostra em Porto Alegre. Na abertura, levou seus dois filhos, de 11 e 9 anos. 

Eles foram barrados. 

“Foi frustrante. Segui todas as regras do Ministério Público Estadual: crianças menores de 14 anos podem entrar acompanhadas de pais ou responsáveis”, conta. “No dia da abertura, recebi uma liminar de um juiz que proibia até isso.”  Os organizadores entraram na Justiça, ganhando a causa em um dia. Na mesma noite, Fábio levou os pequenos novamente. “Eles adoraram, pois acompanharam tudo de perto.”

Quando lhe convidou a assumir a Escola, o Secretário Estadual de Cultura chegara sem galanteios: “Os salários estão atrasados há três meses, não tenho orçamento nenhum para te repassar, mas você é um ótimo gestor e gostaria de te chamar para este desafio”.  

Sua visão foi blindar a escola de obstáculos governamentais, mudar sua matriz financeira para garantir sustentabilidade e trazer a iniciativa privada para dentro, criando programas de ‘amigos do parque’, patrocínio de eventos, e montando, pela primeira vez, um plano de Lei Rouanet e de ISS. 

Recebendo um quarto do salário que auferia no mercado financeiro, Fábio comanda uma equipe de 37 pessoas e não tira férias. Reativou o programa de bolsa de estudos e aulas infantis e estendeu cursos que passaram a ser ministrados fora do parque, em comunidades como o Complexo da Maré. 

No dia seguinte ao incêndio que destruiu o Museu Nacional, a dez quilômetros dali, sua rotina na escola não mudou. Mas seu Whatsapp não parou. “Tinham que ter alguém como você naquele museu!”, disse um conhecido.