Querido Papai Noel,

Este ano meu pedido vai ser um pouco mais complexo.  Desculpa.

Aqui em casa foi um ano difícil.

As coisas começaram a complicar lá pra março, quando o impeachment da Dilma começou a andar.

Papai, que é empresário e nunca teve muita paciência para os discursos do PT, berrava “isso mesmoooo!” quando via as manifestações de rua ao vivo no YouTube.  Mamãe, que foi líder estudantil e até hoje mantém um coração de esquerda, chorava sem parar: não porque ela quisesse que a Dilma ficasse, mas por ter caído a ficha de que ela havia sido enganada.

De uns anos pra cá, mamãe parou de dizer que papai “não tem coração”, e tá fazendo de tudo pra eu estudar em Chicago, não na USP.

Mas a família teve outros problemas, muito mais graves:  meu primo Beto perdeu o emprego no jornal em que ele trabalhava (com a crise, a publicidade despencou), e o pai dele, o tio Paulo, quebrou pela segunda vez. O tio Paulo tem uma fábrica de equipamento elétrico.  Da outra vez — isso foi há uns 3 anos — ele quebrou porque o Governo fez alguma coisa que abaixou a conta de luz (nunca entendi isso. abaixar a tarifa não é uma coisa boa? Aparentemente, não para o tio Paulo, porque as geradoras de energia, clientes dele, todas quebraram).  Agora, ele quebrou de novo porque alguma dessas empreiteiras que agora aparecem na TV toda hora deixou de lhe pagar, e era o maior contrato dele.  Tio Paulo é o pé frio da família.

Mas nenhuma desgraça se compara à da Salete, a empregada aqui de casa:  meu pai paga um plano de saúde pra ela (o plano foi de R$300 para R$500 esse ano, porque a Salete insistiu em fazer 40 anos), mas o problema nem foi esse, foi com a irmã dela, que não tem plano nenhum e morreu enquanto esperava uma cirurgia. Papai ficou muito mal, chorou dizendo que aquilo era responsabilidade dele, que podia ter ajudado e tal, até que a mamãe o consolou dizendo que cada um faz a sua parte, e que o Governo e os políticos é que tinham “responsabilidade constitucional” no assunto.  Mamãe continua sendo a grande revolucionária aqui de casa.

Como o senhor tá vendo, o ano foi cheio de emoções, a maior parte delas ruins, de forma que eu não quero lhe aporrinhar não.  Sei que um velhinho sensível como o senhor também deve estar à beira de um ataque cardíaco com as coisas que acontecem por aí.

Mas se no fundo deste seu saco tiver sobrado alguma Dignidade, peço que entregue ao meu País.  Se tiver um pacote de Decência, peço que lhe envie ao Congresso (tamanho XXL). Pode mandar também uma Reforma Eleitoral, um PIB de 2% e um juro de 9% até o fim do ano?

Desculpa, eu sei que você não faz milagre, mas neste país quem não chora não mama, e quem não acredita em Papai Noel não acredita em mais nada.

Um beijo do Artur

 

O Brazil Journal agradece ao Papai Noel pela confiança de seus leitores, fontes e anunciantes: vocês são poucos, mas são demais.