Dois dos lançamentos mais esperados pelo mercado de carros elétricos em 2023 deram as caras em um intervalo de sete dias.

Depois da Volvo apresentar o EX30 — seu menor e mais affordable SUV até hoje, partindo de R$ 220 mil — a Renault lançou hoje seu modelo mais caro já vendido no Brasil, o Megane e-Tech.

As duas novidades ilustram bem a nova fase da indústria de EVs: ambas foram desenvolvidas desde a origem para serem carros a bateria, sem uma variante a combustão ter sido considerada em qualquer etapa do projeto.

São também um contraste significativo com os elétricos que lideram o mercado hoje – o mais vendido no Brasil no ano passado, o Volvo XC40 Recharge, por exemplo, nasceu como projeto a combustão em 2017 e teve sua versão 100% elétrica lançada somente em 2020.

Os lançamentos também marcam mudanças significativas de posicionamento – agressivamente downmarket para a Volvo, cujo EX30 começa abaixo de R$ 220 mil, e agressivamente upmarket para a Renault, que cobrará R$ 280 mil pelo seu Megane – e ilustram bem os desafios que as subsidiárias brasileiras das montadoras globais enfrentarão até 2035, quando alguns dos principais mercados do mundo (incluindo União Europeia, China e Califórnia) proibirão a venda de veículos novos movidos a gasolina.

No caso da Volvo Cars Brasil, trata-se de um “bom problema.”

Do tamanho de um SUV compacto como um VW T-Cross (4,20m de comprimento), mas se beneficiando da arquitetura concebida como 100% elétrica desde o nascimento para possuir espaço interno semelhante ao do “irmão maior” XC40 (o motor e a tração do EX30 são traseiros), a novidade promete levar a Volvo a patamares nunca atingidos no Brasil e na América Latina.

Já em fase de pré-venda, o EX30 parte de R$ 219.950, valor semelhante ao de SUVs médios a combustão de marcas generalistas, como o Jeep Compass e o Ford Territory.

Com motor de 272 cv, o EX30 acaba por oferecer um dos menores “custo por cavalo” de todo o mercado nacional, seja de elétricos ou de carros a combustão.

O objetivo da marca é vender 9 mil unidades em 2024 – ou seja, a Volvo Brasil planeja dobrar de tamanho ano que vem na esteira da novidade, e se tornar a líder overall no segmento premium brasileiro.

“Foram 600 unidades reservadas na pré-venda da primeira semana,” disse Luis Rezende, o presidente da Volvo Cars América Latina. “Esperamos que 80% dos compradores do EX30 sejam de clientes novos para a marca, migrando principalmente de marcas generalistas. O EX30 vai ser o primeiro elétrico de muita gente.”

A autonomia do EX30 chega a até 480 km nas versões de topo, mas para facilitar a transição dos novos donos de elétricos – e reconhecendo o impacto que o novo volume previsto terá na infraestrutura atual – a marca também confirmou no Rio de Janeiro uma nova rodada de investimentos de R$ 50 milhões em mais 73 carregadores ultrarrápidos espalhados pelas estradas das cinco regiões do país. Ao final de 2024, serão 101 carregadores DC públicos e gratuitos da Volvo Cars no Brasil.

A precificação agressiva, que chacoalha ao mesmo tempo o mercado de elétricos, de SUVs em geral e do segmento premium, é viabilizada pela origem na arquitetura modular SEA (Sustainable Experience Architecture) da Geely, conglomerado chinês que controla a Volvo desde 2010.

Variações da SEA formam a base de mais de 10 modelos, desde compactos da Smart a SUVs grandes da Lotus (outras duas marcas europeias das quais a Geely também é acionista), a maioria produzida na mesma fábrica de Chengdu, China, de onde vêm os EX30 destinados para o Brasil.

Já para a Renault, imersa em um plano global de reposicionamento que até nome tem – “Renaulution”, trocadilho com revolução – a vinda do Megane e-Tech para o Brasil significa a chegada do primeiro elétrico premium com pedigree francês vendido pela marca por aqui.

MeganeE Tech 21

Com dimensões semelhantes ao EX30 (os mesmos 4,20m), o Megane e-Tech é um crossover que, na Europa, compete diretamente com o novo sino-sueco. Mas, sem os ganhos de escala vindos da produção chinesa, o francês produzido na fábrica de Douai, a 200 km de Paris, custará R$ 279.990, mesmo oferecendo apenas 220 cv e tração dianteira.

O Brazil Journal conheceu os dois carros em detalhe na mesma semana, mas dirigirmos apenas o Renault – o lançamento dinâmico mundial do EX30 acontecerá em outubro, em Barcelona.

Além das dimensões, ambos são bastante similares em nível de equipamentos e qualidade de construção. Não é exagero dizer que a Volvo, em sua movimentação para baixo, e a Renault, em seu reposicionamento para cima, acabaram se encontrando praticamente no mesmo ponto.

Em suma, em termos de posicionamento histórico das duas marcas, seria um trunfo para os franceses poderem dizer que oferecem um produto tão competente quanto um Volvo – se o Megane não custasse 25% a mais do que o EX30.

Em se falando especificamente de Brasil, a “Renaulução” representada pelo Megane e-Tech por aqui é ainda mais aguda do que em mercados de Primeiro Mundo.

Nos últimos 15 anos, a Renault do Brasil focou sua estratégia na produção nacional de projetos muito baratos voltados para mercados emergentes de baixa renda – os modelos mais vendidos da marca no país a partir da década de 2010 são o subcompacto Kwid, de origem indiana, e a família Sandero/Logan/Duster, projetos da subsidiária romena da Renault, a Dacia.

Ou seja: a Renault do Brasil, ultimamente, sequer “Renaults” genuinamente franceses vende, quando se fala de origem do projeto. Carros que já fizeram sucesso por aqui com fabricação nacional, como o compacto Clio e a minivan Scénic, se tornaram demasiado caros para justificar a produção em um Brasil que, desde 2016, flutua na casa dos 2 milhões de unidades anuais produzidas, pouco mais da metade dos 3,8 milhões do ápice da indústria nacional em 2012.

O lado bom é que a estratégia é global e tem respaldo do CEO da marca, Luca di Meo, que definiu o plano Renaulution como “uma movimentação focada em menos volumes e mais valor.”

Mas não resta dúvida de que o salto pra cima que a Renault tenta fazer no Brasil tende a ser muito maior e mais arriscado, na cabeça do consumidor nacional, do que a ligeira aposta para baixo da Volvo.

Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.