Como se não faltasse mais nada, vem aí o perigo fiscal — cortesia do Poder Judiciário.

O Governo de São Paulo conseguiu neste domingo uma liminar no STF que suspende o pagamento de sua dívida com a União, abrindo uma porta perigosa para o descontrole fiscal do País.

A liminar do ministro Alexandre de Moraes suspende o pagamento por seis meses e obriga o governo paulista a aplicar o dinheiro no combate ao coronavírus.  A decisão ainda pode ser revista pelo plenário do tribunal.

Dada a profundidade da crise, já era de se esperar que alguma medida de alívio fiscal teria que ser desenhada para os estados, mas a forma como o processo começou — via STF e sem coordenação com o Executivo — é só mais uma tristeza numa semana que já começa com muitas.

Como é impensável que o Supremo cria essa liberalidade para o estado mais rico da federação sem estendê-la a todos os outros, a liminar deve causar uma frustração de receita de R$ 15 bilhões a R$ 19 bilhões para a União neste ano fiscal se aplicada a todos os estados.

A liminar de São Paulo vem num momento em que a equipe econômica já sinalizava disposição em ajudar os estados com algum alívio fiscal. 

Em diversas entrevistas na semana passada, o Secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, disse que não faltaria dinheiro suplementar para a saúde. 

“De fato agora a gente não tem meta; o decreto de calamidade pública isenta o governo de, neste ano, cumprir a meta,” Mansueto disse à CBN.  “Em vez desta meta de R$ 124 bilhões, o que temos agora sao projeções que serão atualizadas toda semana, mas você pode esperar um déficit de R$ 200 bi num primeiro momento.”

A situação atual é análoga à de 2016, quando, em meio à recessão profunda, os estados começaram a obter liminares individuais suspendendo o pagamento de suas dívidas.  

Na época, o cada-um-por-si e a falta de coordenação podiam levar a uma desorganização fiscal, mas a equipe econômica que assumiu com o Governo Temer costurou um acordo entre todos os estados, o STF e o Congresso.  Surgia assim a Lei Complementar 156, que deu aos estados seis meses de carência no principal e — melhor ainda —estendeu os prazos de pagamento por 20 anos, reduzindo o dispêndio mensal com o serviço da dívida.

 
(A grande ironia: o Ministro da Fazenda que descascou o abacaxi e desenhou o acordo lá atrás é hoje o Secretário de Fazenda do estado que foi ao Supremo pedir a liminar.)

A liminar de Moraes bate de frente com o artigo 35 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que veda a “postergação de dívida contraída anteriormente,” mas, no Brasil, sabe-se que mesmo o que está explícito na lei depende da interpretação subjetiva da Suprema Corte.

Mesmo antes da liminar de hoje, diversos outros estados — Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás — já não pagam sua dívida, amparados por liminares de outros ministros.

Se há uma necessidade legítima frente à crise — renegociar a dívida dos estados — o debate deveria se dar no Congresso Nacional, explicitando para a sociedade os custos e eventuais benefícios.  (Por óbvio: os recursos que forem eventualmente destinados aos estados faltarão à União.)

Quais são os critérios para esta renegociação?  A dívidas suspensa por seis meses será paga em quantos outros?

Quaisquer que sejam as respostas, todo mundo vai pagar a conta.