Em tempos de estagnação econômica no Brasil, talvez seja útil resgatar a origem da revolução iniciada pela Inglaterra que carregou o mundo.
 
No fim do século 18, a renda por habitante pouco passava de U$ 400 por ano nos países ricos, aos preços atuais, e a expectativa de vida mal chegava aos 40 anos. Em pouco mais de 200 anos, a renda aumentou cerca de 100 vezes e a expectativa de vida chegou aos 80 anos nos países desenvolvidos.
 
A face mais visível desse processo foi o surgimento da indústria em meio a inovações, como a máquina a vapor. Menos celebradas são duas outras transformações que viabilizaram a revolução.
 
A primeira foi a lenta construção do Estado de Direito na Inglaterra, que limitou o poder do Rei, fortaleceu o Parlamento e garantiu a independência do Judiciário.
 
Esses avanços foram o resultado inesperado dos seguidos confrontos entre o baronato e a monarquia. A Carta Magna de 1214 foi o primeiro de muitos acordos que apaziguaram os conflitos ao adotar regras que protegiam os súditos, como o direito de um acusado estar presente ao seu julgamento e a necessidade de novos tributos serem aprovados pelo Parlamento.
 
Em 1989, o economista Douglass North e o cientista político Barry Weingast analisaram o impacto das reformas introduzidas pela Revolução Gloriosa de 1688 para a expansão econômica que se seguiu na Inglaterra. Foi o começo da agenda de pesquisa que documenta a relevância das instituições para o desenvolvimento dos países.
 
Houve uma segunda transformação, menos conhecida, na agricultura inglesa a partir do século 13. Terras até então comunais foram progressivamente cercadas por empreendedores para produzir alimentos, como grãos e carneiros, para que fossem vendidos nos mercados. Houve conflitos, afinal os pequenos produtores perderam o acesso às terras que garantiam o seu sustento. Caso de carneiros comendo gente, como condenou Thomas More em 1516.
 
Com o tempo, porém, o resultado surpreendeu. O livre comércio na Grã-Bretanha ampliou o mercado de consumo e viabilizou a especialização local. A concorrência entre produtores induziu a adoção de novas técnicas para a produção agrícola e a gestão das manadas. O peso médio dos carneiros em uma região, por exemplo, aumentou quase três vezes no século 18.
 
Em 1803, Thomas Malthus temia que o aumento da população levasse à escassez de alimentos. Deu-se o inverso. A maior produtividade da agricultura reduziu a morte por fome e permitiu o crescimento da população.
 
A economia moderna e a redução da pobreza decorreram de uma revolução que domou o príncipe, fortaleceu os direitos individuais e ampliou o comércio. A engenhosidade humana, premida pela concorrência, se encarregou das inovações que multiplicaram os pães.
 
Nada disso, porém, aconteceu sem traumas. Muitos tentaram empreender, no campo ou nas cidades, e fracassaram. Antigas empresas, com sucesso no passado, foram surpreendidas pelas inovações dos mais jovens e pereceram.
 
A história econômica da Inglaterra é repleta de crises severas, transições traumáticas e a falência de velhos negócios. A dor e o fracasso, porém, são parte inevitável do processo de desenvolvimento. A iniciativa privada busca inovar quando teme ser superada pela concorrência. Cabe à política pública, porém, cuidar apenas das vítimas indefesas das revoluções, não dos sabidos que deram com os burros na água.
 
A retomada do crescimento no Brasil pode se beneficiar de uma agenda liberal que remova as restrições ao comércio e os privilégios a setores e a empresas. Os príncipes privados, no entanto, defendem o fim dos privilégios apenas para os demais.
 
Lideranças da indústria reagem ao fim do subsídio do FAT para o BNDES; o setor de bens de capital não aceita a maior abertura ao comércio exterior; o agronegócio rejeita pagar a contribuição para a previdência como os demais setores da economia; e o Sistema S defende aguerridamente seu direito a um subsídio recolhido compulsoriamente da sociedade para benefício de entidades privadas. Até o Palácio do Planalto tem defendido interesses corporativos de sindicatos de policiais militares em detrimento da maioria.
 
Todos esses grupos defendem a relevância do que fazem, o que é legítimo.  Só esquecem que seus benefícios não decorrem de contribuição voluntária, e sim do confisco da renda dos cidadãos, tornando-os mais pobres.
 
O ‘velho regime’ no Brasil está disseminado em diversos gabinetes em Brasília e no setor privado, bravamente resistindo ao fim das guildas e dos privilégios de uns à custa de todos.
 
Os próximos meses vão revelar quem defende os novos tempos e quem protege as sinecuras que alimentam as corporações. Por aqui, de fato, os carneiros comem gente.